'Indecente, imoral': Luis Miranda fala sobre oferta de propina
O deputado Luis Miranda (foto) falou sobre a oferta de propina que recebeu, no escritório de um conhecido lobista de Brasília, para não impor obstáculos à compra da vacina Covaxin pelo governo federal. Como Crusoé revelou nesta terça-feira, 29, a proposta foi feita depois de ele e o irmão, Luis Ricardo Miranda, funcionário de carreira...
O deputado Luis Miranda (foto) falou sobre a oferta de propina que recebeu, no escritório de um conhecido lobista de Brasília, para não impor obstáculos à compra da vacina Covaxin pelo governo federal. Como Crusoé revelou nesta terça-feira, 29, a proposta foi feita depois de ele e o irmão, Luis Ricardo Miranda, funcionário de carreira do Ministério da Saúde, terem ido ao presidente Jair Bolsonaro apresentar documentos que indicavam corrupção no processo de aquisição de 20 milhões de doses da vacina indiana por intermédio de uma empresa brasileira, a Precisa Medicamentos. Bolsonaro prometeu acionar a Polícia Federal para apurar as suspeitas, mas nenhuma investigação foi aberta na ocasião.
O parlamentar, que até recentemente se enfileirava entre os bolsonaristas mais fiéis do Congresso, havia dito que falaria sobre a oferta de propina apenas à polícia, mas horas após a publicação da reportagem aceitou relatar o episódio. Ele afirma ter ouvido do lobista Silvio Assis os detalhes da proposta. A conversa se deu ao final da reunião social para o qual fora convidado. Quando já caminhava para o carro, diz, Assis o acompanhou e, então, ofereceu 6 centavos de dólar por cada dose a ser adquirida pelo governo. Em troca, Miranda deveria “ajudar” a destravar o processo de compra da vacina.
Àquela altura, no Ministério da Saúde, o irmão do deputado, lotado na área encarregada de avalizar a importação de medicamentos, vinha impondo obstáculos à compra em razão dos indícios de irregularidades. Apontado como articulador do suposto esquema por trás da aquisição da vacina indiana, o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros, estava entre os participantes do encontro na casa do lobista, mas, segundo Miranda, não presenciou a oferta. Ricardo Barros e Silvio Assis são amigos de longa data. Eis a entrevista.
Como se deu a oferta de propina?
Na verdade, são jantares que acontecem com parlamentares. É normal um parlamentar ser chamado para eventos. Mas, da última vez que eu fui (à casa do lobista Silvio Assis), na hora de ir embora o dono da casa me acompanhou até lá fora e usou uma expressão no seguinte sentido: “Deputado, ajuda a gente a fazer com que essas vacinas entrem aqui, e o senhor pode ter uma participação de 6 centavos de dólar por unidade”. Eu olhei para a cara dele e falei: “Tá ficando maluco?”. Ele disse: “Calma, deputado”. Eu falei: “Cara, se você repetir isso eu te dou voz de prisão”. Ele olhou pra mim de forma assustada e falou assim: “O que é isso, deputado? Você não entendeu. Eu não estou oferecendo para o deputado, estou oferecendo para o empresário”. Eu disse: “Nem para o empresário, amigo. É água e óleo. Na posição em que eu estou, como você quer que eu te ajude?”. E ele: “Não, deputado, esquece isso. Morreu o assunto”.
Essa proposta foi feita pelo lobista Silvio Assis?
Exatamente. O dono da casa.
O sr. entendeu a abordagem como um movimento para fazer seu irmão mudar de entendimento e aprovar o negócio da Covaxin?
Ele não tocou no nome do meu irmão. A oferta do dinheiro veio na frente do que precisava, e ele não seguiu. A conversa morreu ali.
Evidentemente, eles sabiam que o irmão do sr. era um obstáculo a ser removido.
Sendo bem sincero, não posso dizer nem que imagino isso. Alguns amigos me questionaram depois da reportagem da Crusoé: “Por que você não estourou isso antes?”. Eu falei que foi porque eu não consigo provar com clareza isso. Seria um desconforto desnecessário. Mas se fizerem uma boa investigação em torno das pessoas que estavam ali no ambiente, provavelmente outros desdobramentos podem ocorrer. Por mais que não fosse a intenção corromper meu irmão, só a forma como eu entendi já foi suficiente para não ter interesse.
O sr. entendeu a abordagem como uma proposta indecente?
No mínimo indecente, para não dizer que de fato existia a intenção de cometer corrupção. No mínimo indecente, imoral.
Essa proposta foi feita ao final de um encontro em que estava presente o líder do governo.
Para mim, aquela é uma casa como as das frentes parlamentares que fazem jantares... Há vários ambientes (em Brasília) que têm frentes parlamentares e que têm defesas de bandeiras... Oferecem jantares para fazer networking entre parlamentares que precisam fazer ajustes de entendimento. É normal isso. Vou dar um exemplo, o da energia solar. O pessoal da energia solar estava batendo de frente com a opinião do Marcelo Ramos (vice-presidente da Câmara). Então, é normal o pessoal se reunir e tentar convencer os deputados, dizer que não vai ter impacto na conta de energia dos mais pobres. E aí eles usam para tentar explicar para nós. É algo republicano, normal, sem nenhum tipo de oferta. Infelizmente, eu tive o desprazer de receber uma oferta que eu não entendi como uma oferta empresarial. Apesar de não ter citado o nome do meu irmão, ele falar para eu "ajudar com as vacinas" foi mais do que suficiente. Como eu ajudaria? Eu sou um deputado. Sou do Legislativo, e não do Executivo.
O sr. considera que há relação entre essa oferta e a denúncia que o sr. havia feito ao presidente Jair Bolsonaro, semanas antes, sobre as suspeitas em torno da compra da Covaxin?
(Pausa) Eu juro que, apesar de eu ter achado a oferta imoral naquele momento, com esses últimos desdobramentos eu estou começando a perceber que é o modus operandi de algumas pessoas, e talvez com influência dessa pessoa que me fez a oferta.
A denúncia feita ao presidente pode ter deflagrado a ação dessas pessoas interessadas em fazer com que o negócio avançasse?
Não consigo precisar isso porque em nenhum momento ele fala em nome do presidente. Volto a dizer: eu estava indo para o carro, e o cara fala: “Deputado, se puder ajudar a gente com a questão da vacina, consigo colaborar com você, com a sua campanha, com 6 centavos de dólar por unidade”. Aí eu falo assim: “Está ficando louco, meu irmão? Não estou entendendo o que você está falando. Se você falar isso novamente, vou ter que te dar voz de prisão”. E ele diz: “O que é isso deputado, estou falando com o empresário... O senhor também não é empresário?”. E eu digo: “Não, amigo. Eu sou parlamentar, não trabalho com vacina, como você quer que eu te ajude?”. Aí ele diz: “Então esquece. Se o senhor se incomodou, se eu lhe ofendi, então esquece”. E deu um sorriso. Eu olhei para ele com cara de quem comeu e não gostou e fui embora.
O sr. pretende contar isso para a CPI e para a Polícia Federal?
É um fato que é um indício. O que cabe? Investigar o que está no entorno dessa pessoa e do ambiente para concluir se existe algum fato ou não. Eu já vi muitas pessoas que não têm nada e blefam só para mostrar poder. Foi o que me pareceu naquele dia porque, se o Ricardo (Barros) tinha alguma influência, por que ele não falou comigo sobre um assunto como esse? Eu não iria gostar da mesma forma, mas... O Ricardo não falou nada. Ninguém entrou nesse assunto. E, de repente, o cara (Silvio Assis), na hora de ir embora, me dá uma espetada dessa? Eu fiquei até na dúvida se, na verdade, ele não queria mostrar para mim que tinha poder e influência. Já vi muitas pessoas que, no fundo, não são envolvidas com merda nenhuma, mas que querem mostrar que têm envolvimento com o alto escalão, com grandes negócios. Eu juro por Deus que tinha dúvida se era corrupção de fato ou só uma tentativa de aparecer como um pavão, como alguém poderoso, ou mesmo de descobrir se eu tinha acesso para poder vender esse acesso para outra pessoa. Essa dúvida me faz não acreditar que a denúncia não teria relevância naquele momento, em que a gente estava tentando entender se o presidente sabia ou não sabia, se de fato mandou investigar ou não.
Mas, agora, não há dúvida de que é um fato grave.
Agora, sim. Com os desdobramentos, com a informação de que outra empresa tentou vender a vacina e de que tentaram corrompê-la também... Agora, a gente começa a entender que esse é um negócio muito maior do que a gente imaginava. Estou decepcionado (com o governo). Os desdobramentos mostram que, de fato, a gente não estava errado nas suspeitas. Quando eu levei (o assunto) ao presidente, eram suspeitas. Hoje vemos que de suspeita não tinha nada. A gente estava certo. Eu não gostaria de estar certo. Queria que o presidente tivesse apenas investigado naquele momento.
O que o sr. sabe, hoje, sobre a ligação do lobista que lhe fez a proposta com a Precisa, a empresa intermediária da venda da Covaxin para o governo?
Depois da reportagem da Crusoé, eu já escutei que sócios dessa empresa frequentam a mesma casa, bem como pessoas do Ministério da Saúde. É uma coincidência que deveria ser verificada.
Afinal, o sr. guarda uma gravação da conversa que teve com o presidente da República?
O que eu afirmei e volto a afirmar é que o presidente sabe da verdade e eu tenho como provar a verdade se, porventura, o presidente mentir. E não foi o que aconteceu. O presidente já confirmou que nós (o deputado e o irmão) estivemos com ele, e que ele disse que encaminhou para investigar. Eu não sou o algoz do presidente. Eu quis ajudar o presidente. Eu levei denúncias que deveriam ser averiguadas exatamente para poupar o governo. Se, naquele momento, o presidente tivesse aprofundado a investigação, certamente ele teria descoberto essas informações que estão estourando agora e teria preservado o governo. Eu quis ajudar.
Por ironia, o algoz do presidente talvez seja o Centrão, que ele buscou para dar sustentação ao governo, mas agora está protagonizando essa sucessão de suspeitas de corrupção. Como o sr. enxerga isso?
Se parar para pensar bem, o que eu fiz foi levar a verdade para o presidente, verdade essa que a cada minuto fica mais evidente. O presidente não confiou no seu aliado e preferiu confiar em um grupo que, agora, o coloca nessa situação que você colocou: o verdadeiro algoz dele são as pessoas em quem ele mais confiou, ao invés de confiar naqueles que estiveram do lado dele o tempo todo. E quem está sendo atacado é quem trouxe a verdade.
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Comentários (10)
Afranio
2021-07-01 20:17:03E a verdade ? Já está tudo esclarecido, a Crusoe vai omitir ? São uns Crusoégua ….!….
PAULO
2021-06-30 19:39:28Ficou explícito que o Bolsonaro, em vez de mandar a PF investigar, avisou os integrantes do Esquema das Vacinas, que buscaram recrutar o deputado, oferecendo para ele uma propina milionária. Por isso a vacina Covaxin é ruim e cara. Na formação de preço dessa vacina, foi computada uma margem para corromper, quem se colocasse no caminho da negociata.
André
2021-06-30 19:20:44Sao todos bandidos realmente. So matando um por um pra nos livrarmos desses vermes. Jantares na casa de lobista quer dizer o que? BANDIDAGEM
Berilo Ferreira
2021-06-30 19:17:30Neste covil de ladrões chamado Brasil onde grande parte da classe política só pensa em fazer negócios no governo para enriquecer e assegurar reeleições sucessivas, o que menos conta são as 515.000 mortes de Covid por falta de vacinas não compradas pelo PR inepto que deve sim, ser afastado do cargo, pois seus 2 e 1/2 de governo foi de uma incompetência cruel e o país não aguenta mais tantos danos. Que Mourão assuma e pacifique a nação até as eleições de 2022.
charles
2021-06-30 17:33:52agora que sabemos a história desse deputado...o que mais causa espanto é como ele ainda tá lá..
Bruno
2021-06-30 17:27:56O deputado ficou surpreso, ofendido e horrorizado com a oferta de propina??? Mas não avisou a polícia e agora fica dando entrevista e vai falar na CPI??? Sério isso?
Luiz
2021-06-30 17:14:05Teatro de horrores. Bandidos entregando bandidos para outros bandidos tentarem assumir o poder. Ficar discutindo esse presta, aquele não presta, é perda de tempo e inteligência. NINGUÉM presta nessa CPI, tanto investigadores quanto investigados. Nós merecemos coisa melhor do que isso. NÃO É POSSÍVEL UM PAÍS COM MAIS DE 200 MILHÕES DE PESSOAS, ficar nessa dependência::/discussão de Bozó, Luladrao etc. Temos que defenestrar os dois e partir pra outro rumo.
Ana Galdino dos Santos
2021-06-30 16:57:55Dói na alma só em pensar em que muitos brasileiros alimentaram a esperança de um Brasil melhor, menos desigual, sem corrupção. Dói mais ainda: um presidente deixar seus compatriotas morrerem sem que ele tome providências e ainda ficar escarnecendo dos mortos e de suas famílias. Para completar a rodada: agora surgem denúncias de crimes em compras de vacinas sem a comprovação dos órgãos competentes. Não merecemos.
José
2021-06-30 15:27:19Ainda virá muita coisa! isso é só o começo!! Ou seja, uma pena da galinha!!
Tiago Avelar
2021-06-30 14:24:47O pazuello qnd tava indo embora falou algo sobre rolos de deputados lá dentro. Jogou no ar e saiu. Crusoé podia martelar nessa tecla aí. Por ele frente a frente com Ricardo Barros seria bom....