Plágio de Kassio Marques: confira a íntegra dos trechos copiados
Como Crusoé revelou nesta quarta-feira, 7, o desembargador Kassio Marques, escolhido por Jair Bolsonaro para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal, apresentou em 2015 uma dissertação de mestrado à Universidade Autônoma de Lisboa que contém trechos integralmente copiados, sem nenhum tipo de citação, de artigos publicados em 2011 pelo advogado Saul Tourinho...
Como Crusoé revelou nesta quarta-feira, 7, o desembargador Kassio Marques, escolhido por Jair Bolsonaro para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal, apresentou em 2015 uma dissertação de mestrado à Universidade Autônoma de Lisboa que contém trechos integralmente copiados, sem nenhum tipo de citação, de artigos publicados em 2011 pelo advogado Saul Tourinho Leal, funcionário da banca do ministro aposentado do STF Carlos Ayres Britto. Em notas distribuídas à imprensa horas após a publicação da reportagem, ambos negaram que tenha havido plágio, ainda que o texto assinado por Kassio Marques contenha diversas passagens idênticas a quatro artigos de Leal.
A reportagem se baseou em uma varredura feita pela ferramenta Plagium, que é recomendada por instituições como a Universidade Estadual do Rio de Janeiro, UERJ, e a Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP -- Saul, inclusive, doutorou-se pela PUC. Após analisar o relatório emitido pelo programa, Crusoé identificou 30 trechos como cópias literais ou parciais dos trabalhos de Tourinho. Muitas das passagens copiadas compreendem vários parágrafos de artigos publicados pelo advogado quatro anos antes da entrega da dissertação por Kassio Marques. Dentre os trechos copiados, há erros de formatação, de digitação e até de concordância e de ortografia.
Confira, a seguir, a comparação entre os documentos:
Página 18
Dissertação:
Contudo, ela entende que, além desse choque individual, há ainda uma perplexidade maior causada pela surpresa com a realidade global das políticas públicas de saúde: um levantar de olhos e um olhar ao lado, todavia, embora não seja capaz de diminuir o drama humano envolvido nessas situações, revela outros dramas e proporciona um enfoque mais global do problema
Mesmo apontando possíveis efeitos colaterais no que se convencionou chamar de judicialização da saúde, Ana Paula de Barcellos termina por admitir o caos na saúde pública brasileira.
Contudo, Ana Paula entende que, além desse choque individual, há ainda uma perplexidade muito maior causada pelo choque voltado para a realidade global das políticas públicas de saúde. Segundo a Professora: "um levantar de olhos e um olhar ao lado, todavia, embora não seja capaz de diminuir o drama humano envolvido nessas situações, revela outros dramas e proporciona um enfoque mais global do problema". Mesmo apontando efeitos colaterais no que se convencionou chamar de judicialização da saúde, a Professora reconhece o caos na saúde pública.
Página 19
Dissertação:
Apesar das recentes conquistas no campo econômico, o Brasil é um país que, na área social, padece de muitos problemas. Sua desigualdade social piora ainda mais o quadro, fazendo com que a maioria da população dependa da implementação de políticas públicas, especialmente na área da saúde.
Mesmo sendo um país com uma economia forte e com um PIB ascendente, o Brasil é um país incrivelmente desigual, fazendo com que a maioria da população dependa da implementação de políticas públicas, especialmente na área da saúde.
Página 20
Dissertação:
Na Europa, Alemanha, França, Espanha ou Itália assegura-se, pela via legislativa, o direito à saúde à toda a população. Há infraestrutura administrativa e jurisdicional especializada para garantir a concretização dos deveres sociais do Estado, seja mediante sua prestação por parte do Estado (Inglaterra), seja pelo Estado com a colaboração dos particulares (Alemanha ou Espanha). Há uma justiça especializada: a jurisdição social. As cortes constitucionais cumprem uma mera função de controle, só intercedendo em casos excepcionais.
(...)
Quando o que está em discussão é o direito à saúde, a realidade brasileira, notadamente no que diz respeito às carências sociais, se aproxima de países como a África do Sul e Colômbia, que enfrentam desafios semelhantes às nações que incorporaram constituições repletas de direitos sociais.
Na Europa, Alemanha, França, Espanha ou Itália assegura-se, pela via legislativa, o direito à saúde à toda a população. Lá há infraestrutura administrativa e jurisdicional especializada para garantir a concretização dos direitos sociais, seja por meio da prestação pelo Estado (Inglaterra), seja pelo Estado em parceria com particulares (Alemanha ou Espanha) [20].
Daí não fazer o menor sentido reclamar que a jurisdição constitucional, nesses países, não interfere na concretização do direito constitucional à saúde. Isso porque, quem o faz é a jurisdição social. As cortes constitucionais cumprem uma mera função de controle, só intercedendo em casos excepcionais.
Quando o que está em discussão é o direito à saúde, o modelo brasileiro se aproxima muito mais de países como a África do Sul ou Colômbia, que enfrentam desafios semelhantes às nações que incorporaram constituições repletas de direitos sociais. Nossa realidade é bem diversa da vivida pela França, Alemanha ou mesmo os Estados Unidos. Este último, por razões diversas.
Páginas 30-31
Dissertação:
Na Constituição da Índia, no seu art. 37, ao falar de direitos sociais, diz-se que as disposições contidas nesta Parte não devem ser efetivadas por nenhuma Corte, mas os princípios aqui estabelecidos são, entretanto, fundamentais para o governo do país e deve ser um dever do Estado aplicar esses princípios ao elaborar as leis.
O constituinte estabeleceu previsão acerca do conteúdo meramente programático dos direitos sociais, não só endereçando-os exclusivamente ao governo do país, mas vedando, taxativamente, a inserção, do Poder Judiciário, nas discussões relativas à concretização do direito à saúde. Não foi o que aconteceu no Brasil.
E não é só a Constituição da Índia que traz um dispositivo afastando o Poder Judiciário do debate acerca da concretização de direitos sociais.
A Constituição Irlandesa de 1937, no art. 45, voltado aos direitos sociais, diz que os princípios de política social pretendem ser para a orientação geral do Oireachtas [Legislativo Irlandês]. A aplicação desses princípios na elaboração das leis deve ser tarefa do Oireachtas exclusivamente, e não deve ser cogniscível por nenhuma
Corte sob qualquer das disposições desta Constituição. O Judiciário se afasta do debate da saúde em razão da imposição constitucional.
Por sua vez, p art. 101 da Constituição da Naníbia diz que os princípios da política de estado contidos neste Capítulo não devem ser, por si sós, exigíveis legalmente por qualquer Corte, mas deve, entretanto, guiar o governo na elaboração e aplicação das leis para dar eficácia aos objetivos fundamentais dos referidos princípios.
A Constituição da Índia, no seu art. 37, ao falar de direitos sociais, diz-se que "as disposições contidas nesta Parte não devem ser efetivadas por nenhuma Corte, mas os princípios aqui estabelecidos são, entretanto, fundamentais para o governo do país e deve ser um dever do Estado aplicar esses princípios ao elaborar as leis".
No caso indiano o constituinte estabeleceu previsão expressa acerca do conteúdo meramente programático dos direitos sociais, não só endereçando-os exclusivamente ao governo do país, mas vedando, taxativamente, a inserção do Poder Judiciário nas discussões relativas à concretização do direito à saúde.
Não foi o que aconteceu no Brasil. Aqui, o direito à saúde surgiu como um dever do Estado e, noutro dispositivo, deu-se ao Judiciário a guarda da Constituição. Não há limitações constitucionais quanto ao exercício da cidadania numa tentativa de, por meio da mobilização social, estabelecer uma cultura de exigibilidade de direitos.
E não é só a Constituição da Índia que traz dispositivo afastando o Poder Judiciário do debate acerca da concretização de direitos sociais.
A Constituição Irlandesa de 1937, no art. 45, voltado aos direitos sociais, diz que "os princípios de política social pretendem ser para a orientação geral do Oireachtas [Legislativo Irlandês]. A aplicação desses princípios na elaboração das leis deve ser tarefa do Oireachtas exclusivamente, e não deve ser cogniscível por nenhuma Corte sob qualquer das disposições desta Constituição" [53]. Percebam que nesse país o Judiciário se afasta do debate da saúde em razão de uma imposição constitucional.
O art. 101 da Constituição da Naníbia diz que "os princípios da política de estado contidos neste Capítulo não devem ser, por si sós, exigíveis legalmente por qualquer Corte, mas deve, entretanto, guiar o governo na elaboração e aplicação das leis para dar eficácia aos objetivos fundamentais dos referidos princípios" [54].
Páginas 31-32
Dissertação:
Sempre vem à tona o argumento acerca da possibilidade, ou não, de se sindicar direitos sociais. A Corte Constitucional da África do Sul tem o caso The Government of The Republic of South Africa versus Irene Grootboom (04.10.2000).
O debate girou em torno da concretização da Seção 26 da Constituição, que tratava de moradia, com o seguinte enunciado: todos têm o direito ao acesso a moradia adequada e o Estado deve tomar razoáveis medidas legislativas e outras, dentro dos recursos disponíveis para alcançar a realização progressiva desse direito.
Também abordava a Seção 28 que dispunha: cada criança tem direito a (...) nutrição básica, abrigo, assistência médica básica e serviços sociais.
A Corte afastou a questão da justiciabilidade ou não dos direitos sociais. Para ela: a questão é, portanto, não se os direitos sócios-econômicos são justiciáveis, mas como efetivá-los no caso concreto.
Parece superado, também no Brasil, o argumento segundo o qual é vedada a sindicabilidade judicial das políticas públicas. O STF pacificou posição a respeito.
(...)
Ainda dentro da possibilidade de questionamentos quanto às políticas públicas implementadas pelo Poder Executivo, interessante questão surgiu quando do julgamento de Ação ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores PT, pelo Partido Comunista do Brasil PC do B e pelo Partido Democrático Trabalhista PDT.
Os partidos apontavam inércia do Presidente da República em envidar esforços no sentido de erradicar o analfabetismo no Brasil, em afronta ao disposto nos arts. 6º, 23, V, 208, I, e 214, I, todos da Constituição Federal.
O STF definiu, nesse caso, que não haveria como se afirmar ter havido inércia do Presidente da República de modo a se lhe imputar providência administrativa que ainda não tivesse sido por ele adotada e que poderia ser suprida pela procedência da ação, nada obstante a Corte tenha reconhecido que o Brasil ainda tem muito a fazer em termos de compromisso constitucionalmente imposto de erradicar o analfabetismo, até mesmo para que os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, a sua liberdade, a igualdade de oportunidades possam ser efetivados.
Um argumento que sempre vem á tona quando se debate concretização judicial do direito à saúde e que merece enfrentamento diz respeito à suposta impossibilidade de se judicializar direitos sociais. Esse ponto é tão repetido que já virou um mantra. Vale à pena conhecer a decisão da Corte Constitucional da África do Sul no caso The Government of The Republic of South Africa versus Irene Grootboom (4.10.2000).
O debate girou em torno da concretização da Seção 26 da Constituição sul africana que tratava de moradia e que trazia o seguinte enunciado: "todos têm o direito ao acesso a moradia adequada e o Estado deve tomar razoáveis medidas legislativas e outras, dentro dos recursos disponíveis para alcançar a realização progressiva desse direito". Também abordava a Seção 28 que dispunha: "cada criança tem direito a (...) nutrição básica, abrigo, assistência médica básica e serviços sociais" [50].
A Corte afastou a questão da justiciabilidade ou não dos direitos sociais. Para ela: "a questão é, portanto, não se os direitos sócios-econômicos são justiciáveis, mas como efetivá-los no caso concreto" [51]. A conclusão, aparentemente simples, parece ir exatamente na ferida. Como tornar real tal direito?
(...)
No Brasil, parece superado o argumento segundo o qual a é vedada a sindicabilidade das políticas públicas pela jurisdição constitucional. O STF pacificou posição a respeito. Interessante questão surgiu quando do julgamento de Ação ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores – PT, pelo Partido Comunista do Brasil – PC do B e pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT. [55]
Os partidos apontavam inércia do Presidente da República em envidar esforços no sentido de erradicar o analfabetismo no Brasil, em afronta ao disposto nos arts. 6º, 23, V, 208, I, e 214, I, da Constituição Federal. [56]
O STF definiu, nesse caso, que não haveria como se afirmar ter havido inércia do Presidente da República, nada obstante a Corte tenha reconhecido que o Brasil ainda tem muito a fazer em termos de compromisso constitucionalmente imposto de erradicar o analfabetismo, até mesmo para que os direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana, a sua liberdade, a igualdade de oportunidades possam ser efetivados.
Páginas 50-51
Dissertação:
No estado do Piauí, no nordeste brasileiro, ao se tentar ter acesso à prestação de serviços médicos, os agentes do Estado realizam pesquisas nos cadastros mantidos pelas pessoas junto ao Ministério da Saúde. Caso se identifique que o doente é inscrito no SUS num outro Estado, é pouco provável que consiga ter acesso ao Sistema.
O Ministério da Saúde, com a Portaria SAS/MS nº 39, de 06 de fevereiro de 2006, instituiu a descentralização do processo de autorização dos procedimentos de tratamento de saúde que fazem parte Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade - CNRAC.
No momento no qual se precisa de procedimentos nas especialidades contempladas na CNRAC, cuja oferta seja existente na Unidade da Federação solicitante, mas insuficiente, a solicitação só ocorre após a avaliação técnica da insuficiência pelo Ministério da Saúde. Esta avaliação será solicitada à Coordenação-
Geral de Regulação e Avaliação CGRA/DRAC/SAS/MS que responderá no prazo deaté 45 (quarenta e cinco) dias. É obrigatório o uso do Cartão Nacional de Saúde para a solicitação. Somente os Estados com ausência de serviços nas especialidades de Cardiologia, Oncologia, Ortopedia, Neurocirurgia e Epilepsia, poderão efetuar solicitação na CNRAC.
Cada Estado tem a sua Central Estadual de Regulação de Alta Complexidade (CERAC), responsável pela autorização do procedimento de saúde ao paciente do SUS.
No Piauí, ou se é piauiense, ou não se tem acesso a atendimento médico de alta complexidade do SUS. Isso porque, ao tentar ter acesso à prestação de serviços médicos, os agentes do Estado realizam pesquisas nos cadastros mantidos pelas pessoas junto ao Ministério da Saúde. Caso identifiquem que o doente é inscrito no SUS num outro Estado, é remoto o acesso ao Sistema.
O Ministério da Saúde, com a Portaria SAS/MS nº 39, de 06 de fevereiro de 2006, instituiu a descentralização do processo de autorização dos procedimentos de tratamento de saúde que fazem parte Central Nacional de Regulação de Alta Complexidade - CNRAC.
No momento no qual se precisa de procedimentos nas especialidades contempladas na CNRAC, cuja oferta seja existente na Unidade da Federação solicitante, mas insuficiente, a solicitação só ocorre após a avaliação técnica da insuficiência pelo Ministério da Saúde. Esta avaliação será solicitada à Coordenação-Geral de Regulação e Avaliação – CGRA/DRAC/SAS/MS que responderá no prazo de até 45 (quarenta e cinco) dias. É obrigatório o uso do Cartão Nacional de Saúde para a solicitação.
Somente os Estados com ausência de serviços nas especialidades de Cardiologia, Oncologia, Ortopedia, Neurocirurgia e Epilepsia, poderão efetuar solicitação na CNRAC.
Cada Estado tem a sua Central Estadual de Regulação de Alta Complexidade (CERAC), responsável pela autorização do procedimento de saúde ao paciente do SUS.
Página 51
Dissertação:
O Estado do Piauí teve de se adaptar à regra do Ministério da Saúde. A adaptação deu espaço para horrores.
Há quatro casos relatados na peça inicial do Ministério Público Federal no Piauí, ao propor ação contra a União, o Estado do Piauí e o município de Teresina.
L.J.S, portadora de câncer de mama, iniciou tratamento médico em Teresina, por meio do SUS. No momento da cirurgia indicada pelo médico especialista a Secretaria Estadual de Saúde/PI negou-lhe a cirurgia. O motivo? L.J.S. era maranhense.
O Estado do Piauí teve de se adaptar à regra do Ministério da Saúde. A adaptação deu espaço para horrores.
Temos, abaixo, quatro casos relatados na peça inicial do Ministério Público Federal no Piauí, ao propor ação contra a União, o Estado do Piauí e o município de Teresina
L.J.S, portadora de câncer de mama, iniciou tratamento médico em Teresina, por meio do SUS. No momento da cirurgia indicada pelo médico especialista, a Secretaria Estadual de Saúde/PI negou-lhe a cirurgia. O motivo? L.J.S. era maranhense.
Página 52
Dissertação:
R.F.S. procurou o Ministério Público Estadual para dividir o desespero que sentia na tentativa de conseguir a autorização de uma cirurgia para seu filho, J.F.S 114 , no SUS piauiense.
O filho precisava realizar uma cirurgia com urgência. Procurou a rede pública de saúde. Fez o pedido de realização da cirurgia indicada pelo especialista. A Secretaria Estadual de Saúde negou-lhe o pedido. J.F.S. era cearense. Dia 27 de março de 2008, J.F.S. faleceu.
M.D.C era portador de câncer no fígado. Ele iniciou tratamento médico no Hospital Getúlio Vargas, seguindo para o Hospital São Marcos, conveniado ao SUS. Tudo em Teresina, cidade onde ele residia.
M.D.C possuía um sítio no Município de Chapadinha, no Maranhão. Certa vez, sua esposa soube que estava havendo próximo àquele sítio um cadastramento para atendimento pelo SUS. Ela fez seu cadastro e recebeu um cartão. Por esse motivo, tanto o cartão do SUS, como o cartão do Hospital São Marcos, possuíam o endereço do Estado do Maranhão.
M.D.C. realizou todo o tratamento no Hospital São Marcos, em Teresina, na rede pública de saúde, conveniada ao SUS. Após exames e procedimentos, o médico responsável entendeu pela necessidade de cirurgia. Procurando o setor competente para o agendamento da cirurgia, M.D.C. ficou sabendo que o Hospital não realizaria o procedimento indicado pelo SUS, vez que ele era do Maranhão.
Esse caso foi ainda pior do que os demais. É que o paciente também não seria atendido em outro Estado, já que havia iniciado seu tratamento no Piauí.
R.F.S. procurou o Ministério Público Estadual para dividir o desespero que sentia na tentativa de conseguir a autorização de uma cirurgia para seu filho, J.F.S [73], no SUS piauiense.
O filho precisava realizar uma cirurgia com urgência. Procurou a rede pública de saúde. Fez o pedido de realização da cirurgia indicada pelo especialista. A Secretaria Estadual de Saúde negou-lhe o pedido. Qual a razão? J.F.S. era cearense. Dia 27 de março de 2008, J.F.S. faleceu.
M.D.C era portador de câncer no fígado. Ele iniciou tratamento médico no Hospital Getúlio Vargas, seguindo para o Hospital São Marcos, conveniado ao SUS. Tudo em Teresina, cidade onde ele residia [74].
M.D.C possuía uma espécie de sítio no Município de Chapadinha, no Maranhão. Certa vez, sua esposa soube que estava havendo, próximo àquele sítio, um cadastramento para atendimento pelo SUS. Ela fez seu cadastro e recebeu um cartão. Por esse motivo, tanto o cartão do SUS, como o cartão do Hospital São Marcos, possuíam o endereço do Estado do Maranhão.
M.D.C. realizou todo o tratamento no Hospital São Marcos, em Teresina, na rede pública de saúde, conveniada ao SUS. Após exames e procedimentos, o médico responsável entendeu pela necessidade de cirurgia. Procurando o setor competente para o agendamento da cirurgia, M.D.C. ficou sabendo que o Hospital não realizaria o procedimento indicado pelo SUS, vez que ele era do Maranhão.
Esse caso foi ainda pior do que os demais.
É que o paciente também não seria atendido em outro Estado, já que havia iniciado seu tratamento no Piauí.
Página 53
Dissertação:
M.D.C. residia em Teresina há mais de cinquenta anos. Ele corria risco de morrer. Para suportar as dores, estava tomando morfina.
B.S.B era portadora de câncer no útero. Ela havia morado durante muito tempo em Teresina, mas estava residindo em Timon/MA, cidade localizada ao lado da capital piauiense, cujo limite geográfico é somente um rio, o Rio Parnaíba. A senhora pleiteou a realização da cirurgia. A Secretaria Estadual de Saúde negou-lhe. Motivo? B.S.B morava em Timon.
Segundo o Ministério Público Federal, somente no período de janeiro a junho de 2007, houve um total de 232 pacientes de outros Estados que não conseguiram autorização para o tratamento médico, em função de sua origem. Isto apenas em relação à especialidade médica oncologia
O Judiciário piauiense, num caso, foi acionado. O Tribunal de Justiça do Piuaí determinou que o Estado fornecesse o medicamento Tasigna, cuja substância ativa é o Nilotinibe, necessário para o tratamento de leucemia mielóide crônica a que se submetia a criança F.P.G.S.
Uma ação foi ajuizada em favor da garota, internada no Hospital São Marcos em decorrência do agravamento de sua situação. Ela era portadora de leucemia (câncer das células brancas do sangue).
A ação foi ajuizada pelo Ministério Público. Segundo consta nos autos, a família da garota era pobre. Seus pais solicitaram o medicamento junto à Farmácia de medicamentos especiais, mas esta lhe negou. A alegação, mais uma vez, era de que aquela garotinha residia em outro Estado da Federação.
O Estado do Piauí afirmou que o SUS não reservou aos Estados, mas sim, à União, o dever de garantir o acesso da população ao tratamento para o câncer. Disse que o medicamento Nilotinib não constava do rol de medicamentos abrangidos pela política de medicamentos de dispensação excepcional do SUS, nos termos da Portaria n.º 2.577/GM, de 27 de outubro de 2006.
M.D.C. residia em Teresina há mais de cinquenta anos. Ele corria risco de morrer. Para suportar as dores, estava tomando morfina.
B.S.B era portadora de câncer no útero. Ela havia morado durante muito tempo em Teresina, mas estava residindo em Timon/MA, cidade localizada ao lado da capital piauiense, cujo limite geográfico é somente um rio, o Rio Parnaíba. A senhora pleiteou a realização da cirurgia. A Secretaria Estadual de Saúde negou-lhe. Motivo? B.S.B morava em Timon.
Segundo o Ministério Público Federal, somente no período de janeiro a junho de 2007, houve um total de 232 pacientes de outros Estados que não conseguiram autorização para o tratamento médico, em função de sua origem. Isto apenas em relação à especialidade médica oncologia [75].
Essa era a política pública voltada para a saúde. Esse foi o resultado de um processo de formulação de políticas públicas que provavelmente percorreu todas as etapas da burocracia do Poder Executivo, contando com inúmeras reuniões e com a participação de vários conselhos. Elaborou-se uma Portaria que afronta fortemente a Constituição Federal.
O Judiciário piauiense, num caso, foi acionado. O Tribunal de Justiça determinou que o Estado fornecesse o medicamento Tasigna, cuja substância ativa é o Nilotinibe, necessário para o tratamento de leucemia mielóide crônica a que se submetia a criança F.P.G.S.
Página 54
Dissertação:
Vale recordar o caso Louis Khosa e outros versus o Ministério do Desenvolvimento Social, apreciado pela Corte Constitucional da África do Sul, em 04.03.2004, no qual as partes questionaram a recusa do governo em fornecer as concessões de bem-estar social para crianças e pessoas mais velhas, pelo fato de elas serem somente residentes permanentes da África do Sul e não cidadãos sul africanos.
A Corte Constitucional, após analisar a validade de diferenciação baseada na cidadania, determinou que a restrição era desarrazoada e violava os direitos à igualdade e à seguridade social. Como resultado, não-cidadãos residentes permanentes passaram a ser habilitados às concessões que cidadãos em situação similar também recebiam.
No Piauí, foi negado o pedido inicial feito pelo Ministério Público Federal, na ação que moveu contra a União, o Estado do Piauí e o município de Teresina.
Fica claro que a questão dos custos gerados com as demandas por saúde geram também assimetrias no cumprimento de responsabilidades federativas, gerando um tipo de duelo cruel no qual o maior perdedor é o cidadão necessitado.
Vale recordar o caso Louis Khosa e outros versus o Ministério do Desenvolvimento Social, apreciado pela Corte Constitucional da África do Sul, em 4.03.2004, no qual as partes questionaram a recusa do governo em fornecer as concessões de bem-estar social para crianças e pessoas mais velhas, pelo fato de elas serem somente residentes permanentes da África do Sul e não cidadãos sul africanos [77].
A Corte Constitucional, após analisar a validade de diferenciação baseada na cidadania, determinou que a restrição era desarrazoada e violava os direitos à igualdade e à seguridade social. Como resultado, não-cidadãos residentes permanentes passaram a ser habilitados às concessões que cidadãos em situação similar também recebiam [78].
No caso do Piauí, foi negado o pedido inicial feito pelo Ministério Público Federal, na ação que moveu contra a União, o Estado do Piauí e o município de Teresina. Na África do Sul, em situação parecida, o pedido foi acolhido e a violação à igualdade foi afastada. Temos muito a aprender com a África do Sul.
Após percorrermos esses casos, dá medo imaginar tudo o que é possível acontecer se encamparmos a bandeira de que o direito a saúde deve ser entregue ao Poder Executivo e Poder Legislativo sem que caiba à jurisdição constitucional qualquer tipo de controle acerca das políticas públicas por eles implementadas.
Página 57
Dissertação:
Em Sobral, no Estado do Ceará, mesmo após o Brasil ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em razão do caos nos manicômios 127 , recém nascidos eram expostos a bactérias mortais 128. No Estado do Piauí, pessoas morriam à espera de atendimento médico junto ao SUS pelo fato de não terem sido cadastradas no Sistema no Estado do Piauí, mas em outros Estados.
Outro ponto falho é a afirmação de que os casos de concretização judicial do direito à saúde têm a autoria daqueles que, segundo as palavras de Barroso, possuem acesso qualificado à Justiça [...] por poderem arcar com os custos do processo judicial.
No caso do fornecimento de medicamentos de combate à AIDS, por exemplo, o próprio Ministério da Saúde afirma que "são as organizações não-governamentais com assessoria jurídica as principais responsáveis pelo ajuizamento das ações individuais visando o acesso aos medicamentos e exames para o tratamento do HIV/AIDS".
Em Sobral, no Ceará, mesmo após o Brasil ser condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos em razão do caos nos manicômios do município [34], recém nascidos eram expostos a bactérias mortais [35]. No Piauí, pessoas morriam à espera de atendimento médico junto ao SUS pelo fato de não terem sido cadastradas no Sistema no Estado do Piauí, mas em outros Estados [36].
Parece que a maioria que bate as portas do Judiciário tentando ver garantido o direito à saúde não compõe a classe média.
Outro ponto que está à caça de investigação empírica é a afirmação de que os casos de concretização judicial do direito à saúde têm a autoria daqueles que, segundo as palavras do Professor Barroso, "possuem acesso qualificado à Justiça", "por poderem arcar com os custos do processo judicial".
No caso do fornecimento de medicamentos de combate à AIDS, por exemplo, o próprio Ministério da Saúde afirma que "são as organizações não-governamentais com assessoria jurídica as principais responsáveis pelo ajuizamento das ações individuais visando o acesso aos medicamentos e exames para o tratamento do HIV/AIDS" [37].
Página 61
Dissertação:
O direito à saúde está enumerado na Constituição sul-africana e vem sendo objeto de intensa concretização pela Corte Constitucional: “nenhum outro país desenvolveu suficientemente sua jurisprudência para delinear um entendimento teórico abrangente” -- afirma Eric C. Christiansen.
O processo de elaboração constitucional da África do Sul propiciou uma relativa transição não-violenta de uma autocracia racial para uma democracia não- racial, por meio de uma transição negociada, a progressiva implementação da democracia e o respeito pelos direitos fundamentais. Em razão disso, a Corte Constitucional representou um papel decisivo ao assegurar o sucesso da transição sul- africana para a democracia e ao finalizar o texto constitucional.
A Constituição de 1996 foi antecedida da Carta da Liberdade (Freedom Charter), uma declaração de princípios políticos dos opositores sul-africanos do apartheid, ratificada pelo Congresso do Povo em Klipton, em 26 de junho de 1955.
O direito à saúde está enumerado na Constituição sul-africana de 1996 e vem sendo objeto de intensa concretização pela Corte Constitucional [34]. Segundo o Professor Eric C. Christiansen, "nenhum outro país desenvolveu suficientemente sua jurisprudência para delinear um entendimento teórico abrangente" [35].
A Constituição da África do Sul de 1996 tem uma cara. A cara dela é a cara do seu idealizador. Falo de um líder. Falo de Nelson Mandela [36].
O processo de elaboração constitucional da África do Sul propiciou "uma relativa transição não-violenta de uma ‘autocracia racial para uma democracia não-racial, por meio de uma transição negociada, a progressiva implementação da democracia e o respeito pelos direitos fundamentais" [37]. Em razão disso, "a Corte Constitucional representou um papel decisivo ao assegurar o sucesso da transição sul-africana para a democracia e ao finalizar o texto constitucional" [38].
É importante conhecermos a realidade política da África do Sul nos preparativos da Constituição de 1996. De um lado havia o Nacional Party (NP), representando o governo de minoria branca do apartheid. Do outro, o African National Congress (ANC), o popular e recém saído da clandestinidade partido anti-apartheid [39].
A Constituição de 1996 foi antecedida da Carta da Liberdade (Freedom Charter), uma declaração de princípios políticos dos opositores sul-africanos do apartheid, ratificada pelo Congresso do Povo em Klipton, em 26 de junho de 1955.
Páginas 63-64
Dissertação:
A TAC atuou em duas frentes. Na primeira, conseguiu uma imensa mobilização popular. Pela segunda, buscou o Judiciário. Sua atuação conseguiu baixar os preços dos medicamentos antirretrovirais. A TAC também confrontou o governo do ANC e o chefe do Executivo, Thabo Mbeki.
O TAC se voltou para a prevenção da transmissão do HIV das mães portadoras do vírus para as crianças. Uma dose da droga Nevirapina diminuía a probabilidade de que uma mãe HIV positivo transmitisse o vírus para a criança durante o nascimento.
O fabricante da droga concordara em fornecê-la ao governo gratuitamente por cinco anos. O governo idealizara um programa de distribuição num número limitado de lugares-piloto (dois em cada uma das onze províncias sul-africanas), porém, médicos do Estado fora desses lugares estavam proibidos de administrar a droga, embora ela já tivesse sido testada e aprovada. Somente 10% dos esperados 70.000 nascimentos anuais de contaminados foram abrangidos pelo programa. O plano pretendia elaborar um estudo de vários anos antes de desenvolver um programa nacional.
Segundo a TAC, o programa violara a obrigação constitucional do Estado de "respeitar, proteger, promover e realizar os direitos na Declaração de Direitos" 153 , especialmente no que esses deveres se aplicavam ao direito de acesso ao serviço de saúde para mulheres grávidas e crianças. A TAC pediu à Corte que suspendesse a proibição da distribuição de Nevirapina fora do programa piloto e que determinasse que o governo produzisse imediatamente um programa nacional mais abrangente para a prevenção de tal transmissão. A Corte assegurou ambos os pedidos.
Quem mais se opunha à atuação dos tribunais no debate era o presidente do país, Thabo Mbeki. Ele questionava o vinculo entre o HIV e a Aids. Para Duncan Green, "declarações políticas confusas e poucas medidas práticas minavam o que pareciam ser bons planos para distribuir retrovirais em ambulatórios públicos" 154
Mbeki era, oficialmente, o responsável pela formulação e implementação das políticas públicas de saúde. Segundo a crítica especializada, embora tenha reportado, em seu discurso oficial à Nação em 2006, que havia mais de 60% de acréscimo no gasto social real por pessoa entre 1983 e 2003, o legado sócio-econômico do apartheid por ele liderado assombrará a África do Sul ainda por várias décadas. Nesse período, o padrão de vida dos brancos se aproximava do dos habitantes da Noruega ou da Suécia, enquanto os negros possuíam um padrão de vida abaixo do padrão dos habitantes de Gana ou do Quênia 155
Sempre que a TAC recorria ao Judiciário invocava o acesso a tratamento com base na Constituição, que previa o direito humano à saúde.
Enquanto sociedade, Judiciário e Constituição marchavam de um lado, o Executivo seguia noutro. Mbeki passara amplos poderes à sua Ministra da Saúde, Manto Tshabalala-Msimang, para quem a saída para o problema da AIDS, na África do Sul, era o consumo de alho e beterraba e uma melhor nutrição. Virou a "Dra. Beterraba".
A secretária executiva do Ministério da Saúde, Nozizwe Madlala-Routledge, crítica voraz das políticas do governo, reconheceu o papel que a TAC havia desempenhado: só por meio desse ativismo foi possível “mudar a política e forçar o governo a alterar sua rota em parte fortalecendo diferentes vozes dentro do governo.”156
A TAC atuou em duas frentes. Na primeira, conseguiu uma imensa mobilização popular. Pela segunda, buscou o Judiciário. Sua atuação conseguiu baixar os preços dos medicamentos antirretrovirais. A TAC também confrontou o governo do ANC e o chefe do Executivo, Thabo Mbeki.
O TAC se voltou para a prevenção da transmissão do HIV das mães portadoras do vírus para as crianças. Uma dose da droga Nevirapina diminuía a probabilidade de que uma mãe HIV positivo transmitisse o vírus para a criança durante o nascimento.
O Professor Eric diz que o fabricante da droga concordara em fornecê-la ao governo gratuitamente por cinco anos. O governo idealizara um programa de distribuição num número limitado de lugares-piloto (dois em cada uma das onze províncias sul-africanas), "porém, médicos do Estado fora desses lugares estavam proibidos de administrar a droga, embora ela já tivesse sido testada e aprovada para o uso na África do Sul. Somente 10% dos esperados 70.000 nascimentos anuais de contaminados foram abrangidos pelo programa. O plano do governo pretendia elaborar um estudo de vários anos antes de desenvolver um programa nacional" [50].
O Professor Eric. C. Christiansen, diz que, segundo a TAC, o programa violara a obrigação constitucional do Estado de "respeitar, proteger, promover e realizar os direitos na Declaração de Direitos", especialmente no que esses deveres se aplicavam ao direito de acesso ao serviço de saúde para mulheres grávidas e crianças [51]. A TAC pediu à Corte que suspendesse a proibição da distribuição de Nevirapina fora do programa piloto e que determinasse que o governo produzisse imediatamente um programa nacional mais abrangente para a prevenção de tal transmissão. A Corte assegurou ambos os pedidos.
Quem mais se opunha à atuação dos tribunais no debate era o presidente do país, Thabo Mbeki. Ele questionava o vinculo entre o HIV e a Aids.
Duncan Green é um expert na formulação, implementação e fiscalização de políticas públicas ao redor do planeta. Green tem uma vida dedicada às políticas públicas, especialmente em países pobres da América Latina. Ele percorreu o mundo estudando e participando da implantação de políticas públicas voltadas ao combate à pobreza. Green fornecerá o marco teórico do qual nos utilizaremos neste capítulo. Como fica claro, o nosso marco teórico não é um teórico, é um prático.
Para ele "declarações políticas confusas e poucas medidas práticas minavam o que pareciam ser bons planos para distribuir retrovirais em ambulatórios públicos" [52].
Mbeki era, oficialmente, o responsável pela formulação e implementação das políticas públicas de saúde na África do Sul. Vale registrar, também, que segundo a crítica especializada, embora tenha reportado, em seu discurso oficial à Nação em 2006, que havia mais de 60% de acréscimo no gasto social real por pessoa entre 1983 e 2003, o legado sócio-econômico do apartheid por ele liderado assombrará a África do Sul ainda por várias décadas [53]. Nesse período, o padrão de vida dos brancos se aproximava do dos habitantes da Noruega ou da Suécia, enquanto os negros possuíam um padrão de vida abaixo do padrão dos habitantes de Gana ou do Quênia [54].
Governantes despreparados. Centralização excessiva de poder. Pessoas despidas de um verdadeiro espírito público integrando o processo de formulação de políticas públicas. Ausência de jurisdição constitucional e de uma Constituição efetiva. Predominância de teorias que limitam a concretização judicial dos direitos sociais. Esses são os ingredientes que temperam o caos na saúde pública em qualquer nação.
Sempre que a TAC recorria ao Judiciário invocava o acesso a tratamento com base na Constituição de 1996, que previa o direito humano à saúde [55].
Enquanto sociedade, Judiciário e Constituição marchavam de um lado, o Poder Executivo caminhava em direção oposta.
O então presidente, Mbeki, passara amplos poderes à sua Ministra da Saúde para que ele cuidasse do problema de acesso a tratamento pelos soropositivos sul-africanos. Para Manto Tshabalala-Msimang, Ministra da Saúde, havia uma saída para o problema da AIDS na África do Sul. A conclusão da Ministra era a de que o consumo de alho e beterraba e uma melhor nutrição eram melhores para tratar a AIDS do que os antirretrovirais. Ficou conhecida como "Dra. Beterraba" [56]
Vejam como, por vezes, os argumentos chocam. Recomendar beterrabas para o combate a AIDS é o mesmo que dizer que a Constituição Federal de 1988 não quer a concretização do direito à saúde.
Duncan Green nos diz ainda que a secretária executiva do Ministério da Saúde da África do Sul, Nozizwe Madlala-Routledge, crítica voraz das políticas do governo, reconheceu o papel que a TAC havia desempenhado. Para ela, só por meio desse ativismo foi possível "mudar a política e forçar o governo a alterar sua rota – em parte fortalecendo diferentes vozes dentro do governo".
Página 65
Dissertação:
Apesar das recentes conquistas no campo econômico, o Brasil é um país que, na área social, padece de muitos problemas. Sua desigualdade social piora ainda mais o quadro, fazendo com que a maioria da população dependa da implementação de políticas públicas, especialmente na área da saúde.
Para a Corte Constitucional, direitos sócio-econômico são direitos e a Constituição obriga o Estado a efetivá-los: "Essa é uma obrigação que as Cortes podem e, em uma situação apropriada, devem impor" 157.
Entendeu-se que a política do governo foi inflexível por negar à mãe e aos seus recém-nascido uma droga que potencialmente lhes salvaria a vida. Ela poderia ter sido administrada dentro dos recursos disponíveis do Estado; sem nenhum malefício conhecido para as mães ou crianças.
Para a Corte Constitucional, o governo era obrigado constitucionalmente a implementar um programa efetivo, abrangente e compreensivo da transmissão do HIV da mãe para o filho em todo o país. O governo foi instado, como parte de um programa nacional imediato, a estender o teste e o aconselhamento relacionados à transmissão do vírus da mãe para o filho através do setor de saúde pública.
Ao final, um estudo foi elaborado e concluiu que a Campanha da Aids, que se preocupou muito mais em usar os instrumentos oferecidos pela democracia constitucional do que qualquer outra tentativa de promoção de mudanças na África do Sul pós-apartheid, foi muito mais bem-sucedida do que suas contrapartes em seus objetivos. 158
Para a Corte sul africana, "direitos sócio-econômico são direitos e a Constituição obriga o Estado a efetivá-los. Essa é uma obrigação que as Cortes podem e, em uma situação apropriada, devem impor" [59].
No caso TAC, a Corte Constitucional entendeu que "a política do governo foi inflexível por negar à mãe e aos seus recém-nascidos uma droga que potencialmente lhes salvaria a vida. Ela poderia ter sido administrada dentro dos recursos disponíveis do Estado; sem nenhum malefício conhecido para as mães ou crianças" [60].
A Corte sustentou que o governo era "obrigado constitucionalmente a implementar um programa efetivo, abrangente e compreensivo da transmissão do HIV da mãe para o filho em todo o país" [61]. O governo foi instado, como parte de um programa nacional imediato, a estender o teste e o aconselhamento relacionados à transmissão do vírus da mãe para o filho através do setor de saúde pública [62].
Ao final dessa batalha que teve como centro irradiador o direito constitucional à saúde, um importante estudo foi elaborado e concluiu que "a Campanha da Aids, que se preocupou muito mais em usar os instrumentos oferecidos pela democracia constitucional do que qualquer outra tentativa de promoção de mudanças na África do Sul pós-apartheid, foi muito mais bem-sucedida do que suas contrapartes em seus objetivos" [63].
Página 68
Dissertação:
A Corte Constitucional construiu o conceito de direito à saúde como direito fundamental por similaridade, atrelado ao direito à vida: quando a prestação do serviço de saúde é condição sine qua non para a proteção adequada deste direito. Há três critérios: a similaridade, o subjetivo e o material.
Pelo critério da similaridade, para aceitar o caráter fundamental do direito à saúde, em um caso concreto, deve haver uma ligação entre o direito à saúde e outros direitos fundamentais como à vida ou o direito fundamental ao mínimo vital.
Na Sentença T-571 de 1992, a Corte afirmou que os direitos fundamentais por similaridade são aqueles que, não sendo denominado como tais no texto constitucional, todavia, lhes é comunicada esta qualificação em virtude da íntima e inseparável relação com outros direitos fundamentais, de forma que se não foram protegidos de forma imediata os primeiros ocasionar-se-ia vulnerabilização ou ameaça dos segundos.
A decisão cita o caso do direito à saúde, que não sendo em princípio direito fundamental, adquire esta categoria quando a desatenção do enfermo ameaça por em perigo seus direitos à vida.
A Corte Constitucional colombiana transitou bem nesta discussão. Ela construiu o conceito de direito à saúde como direito fundamental por similaridade, quando atrelado ao direito à vida. Isso quando "a prestação do serviço de saúde é condição sine qua non para a proteção adequada deste direito".
A Corte estabeleceu uma linha bem definida acerca do que seria direito à saúde. Ela forneceu três critérios: a similaridade, o subjetivo e o material.
Pela similaridade, deve haver uma ligação entre o direito à saúde e outros direitos fundamentais como à vida, ou o direito fundamental ao mínimo vital.
Na Sentença T-571 de 1992, a Corte afirmou que "os direitos fundamentais por similaridade são aqueles que, não sendo denominado como tais nos textos constitucional, todavia, lhes é comunicada esta qualificação em virtude da íntima e inseparável relação com outros direitos fundamentais, de forma que se não foram protegidos de forma imediata os primeiros ocasionar-se-ia vulnerabilização ou ameaça dos segundos". A decisão cita o caso do direito à saúde, "que não sendo em princípio direito fundamental, adquire esta categoria quando a desatenção do enfermo ameaça por em perigo seus direitos à vida" [42].
Páginas 69-70
Dissertação:
Na linha da jurisprudência constitucional colombiana, o critério subjetivo juspositivista explícito ampara menores de idade por vontade do Constituinte. Já o de ordem interpretativa se dá quando se reconhece o direito fundamental autônomo a pessoas ou grupos especialmente protegidos, como as pessoas com incapacidades ou da terceira idade 176
Com relação ao critério material, a Corte sustentou que a prestação da saúde, já reconhecida pela lei ou Plano Obrigatório de Saúde, adquire o caráter de direito fundamental autônomo, de forma que o descumprimento da mesma constituiria uma possível vulnerabilidade do direito fundamental à saúde.
A Sentença T-533/92 mostra um indigente que requereu uma cirurgia para não ficar cego. Segundo a Corte, seria hipótese de o direito à saúde adquirir o caráter de fundamental, posto que as conseqüências, de maneira imediata, se revelam como contrário à Constituição, a qual protege a vida e a integridade física das pessoas.
A Corte entendeu que “acreditado o caráter de indigente absoluto (i) incapacidade absoluta de pessoa de valer-se por seus próprios meios; (ii) existência de uma necessidade vital cuja não satisfação lesiona a dignidade humana em máximo grau; (iii) ausência material de apoio familiar cabe reconhecer à frente do sujeito e a cargo da entidade pública respectiva, o direito a receber a prestação correspondente, estabelecendo à luz das circunstâncias as cargas retributivas a seu cargo (...)” 177
Na sentença T-484/92, a Corte Constitucional definiu que o direito à saúde, em sua natureza jurídica, contempla um conjunto de elementos que podem agrupar-se em dois grandes blocos. O primeiro, seria aquele que identifica como um predicado imediato do direito à vida, de maneira a atentar contra a saúde das pessoas equivale a atentar contra sua própria vida. Por estes aspectos, o direito à saúde resulta um direito fundamental. O segundo, coloca o direito à saúde com um caráter assistencial, estabelecido nas referências funcionais do denominado estado Social de Direito, em razão de que seu reconhecimento impõe ações concretas.
Devemos saber se o direito em jogo se trata de direito à saúde atrelado ao direito à assistência ou de direito à saúde atrelado ao direito à vida. Caso esteja ligado a este último, ele goza de preferência.
O critério subjetivo juspositivista explícito ampara menores de idade protegidos pela própria Constituição. Já o de ordem interpretativa se dá quando a Corte reconhece o direito fundamental autônomo a grupos amparados por proteção especial, como as pessoas com incapacidades ou da terceira idade [43].
Com relação ao critério material, a Corte sustentou que a prestação da saúde, já reconhecida pela lei ou Plano Obrigatório de Saúde, adquire o caráter de direito fundamental autônomo, de forma que o descumprimento da mesma constituiria uma possível vulnerabilidade do direito fundamental à saúde [44].
Ainda dentro da realidade colombiana, temos a Sentença T-533, de 1992.
No caso, um indigente requereu uma cirurgia que evitaria a cegueira. Segundo a Corte, seria hipótese de o direito à saúde adquirir o caráter de fundamental, posto que "as conseqüências, de maneira imediata, se revelam como contrárias à ordem constitucional, a qual protege a vida e a integridade física das pessoas" [45].
A Corte entendeu que "acreditado o caráter de indigente absoluto – (i) incapacidade absoluta de pessoa de valer-se por seus próprios meios; (ii) existência de uma necessidade vital cuja não satisfação lesiona a dignidade humana em máximo grau; (iii) ausência material de apoio familiar – cabe reconhecer à frente do sujeito e a cargo da entidade pública respectiva, o direito a receber a prestação correspondente, estabelecendo – à luz das circunstâncias – as cargas retributivas a seu cargo (...)" [46].
Na sentença T-484, de 1992, a Corte Constitucional colombiana definiu que o direito à saúde, em sua natureza jurídica, contempla um conjunto de elementos que podem agrupar-se em dois grandes blocos.
O primeiro bloco seria aquele que "identifica como um predicado imediato do direito à vida, de maneira a atentar contra a saúde das pessoas equivale a atentar contra sua própria vida. Por estes aspectos, o direito à saúde resulta um direito fundamental".
O segundo bloco coloca o "direito à saúde com um caráter assistencial, estabelecido nas referências funcionais do denominado estado Social de Direito, em razão de que seu reconhecimento impõe ações concretas" [47].
Página 70
Dissertação:
Interessante notar a relevância que a Corte Constitucional colombiana confere para a dor, para o sofrimento e para a iminência da morte.
Uma senhora sofria de lesão na coluna vertebral e deveria sofrer um procedimento cirúrgico. Ante a delonga na prestação do serviço e à dor que a impedia de subir e descer escadas, interpôs uma ação de tutela com o objetivo de que se ordenasse a operação.
A Corte Constitucional precisou que, quando uma entidade se nega a prestar um serviço que requer uma pessoa, para eliminar, ou ao menos mitigar, as dores e sofrimentos que são produzidas por uma enfermidade, submete a pessoa a tratamentos cruéis e desumanos.
Mas é interessante notar a relevância que a Corte Constitucional colombiana confere para a dor, para o sofrimento e para a iminência da morte.
Uma senhora sofria de uma lesão na coluna vertebral e necessitava de cirurgia. Com a demora na prestação do serviço e com a dor que a impedia, inclusive de subir e descer escadas, ela ajuizou ação pleiteando a realização da cirurgia. Segundo a Corte Constitucional, quando uma entidade se nega a prestar um serviço requerido por uma pessoa para eliminar, ou ao menos mitigar, as dores e sofrimentos que são produzidas por uma enfermidade, ela submete a pessoa a tratamentos cruéis e desumanos.
Páginas 72-73
Dissertação:
Em 12 de dezembro de 1998, o município brasileiro de Porto Alegre sustentava, no STF, numa das primeiras vezes, que os artigos 196, 197 e 198 da Constituição Federal eram normas programáticas, dependendo de regulamentação, não implicando a transferência, ao município, da obrigação de fornecer os medicamentos especiais e excepcionais necessários ao tratamento da AIDS. 184
O município de Porto Alegre dizia que a Lei nº 8.913/96 atribuía ao Sistema Único de Saúde (SUS) a responsabilidade pela distribuição de medicamentos, razão pela qual não seria necessária a regulamentação do artigo 2º, no que toca ao financiamento das despesas. Também dizia que, em face à autonomia dos municípios, era inconstitucional o ato normativo federal ou estadual que lhes acarretasse despesa.
O Município sustentou que mesmo que o citado Diploma não dependesse de regulamentação, não se poderia impor ao ente municipal a obrigação sem que antes fossem estabelecidas as formas de repasse dos recursos. O seu último argumento invocou a Portaria nº 874, de 3 de julho de 1997, oriunda do Ministério da Saúde, que atribui ao Órgão a responsabilidade pelos remédios específicos ao tratamento da AIDS.
O caso ficou sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio. Segundo o Ministro, o preceito do artigo 196 da Constituição, de eficácia imediata, revela que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação". A referência a "Estado" abrangeria a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios.
Para o Ministro da Suprema Corte Marco Aurélio, havia lei obrigando o fornecimento dos medicamentos excepcionais, como os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. Além disso, o município de Porto Alegre surgiria com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do SUS, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. O Ministro não fugiu da alegação trazida pelo Município sobre falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição. Para ele, essa falta de regulamentação não impediria a responsabilidade do Município. Ao final da decisão, proferida há mais de uma década, o Ministro Marco Aurélio fez um alerta: "É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem".
A decisão foi em 1998. Dois anos antes, em 1996, o Brasil e o mundo davam dois importantes passos no combate à AIDS. Em julho, na Conferência Internacional de Aids, em Vancouver, Canadá, se anunciou a descoberta do chamado coquetel de combate à doença. Em novembro, o Congresso Nacional brasileiro aprovou a Lei 9.313, que obrigava o Estado a fornecer medicamentos de combate a AIDS.
Estamos em 12 de dezembro de 1998. O Município de Porto Alegre sustentava, no STF, numa das primeiras vezes, que os artigos 196, 197 e 198 da Constituição Federal eram normas programáticas, dependendo de regulamentação, não implicando a transferência, ao município, da obrigação de fornecer os medicamentos especiais e excepcionais necessários ao tratamento da AIDS [06].
O art. 196 diz que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação".
Já o art. 197 dispõe que "são de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado".
O art. 198 dispõe que as diretrizes, ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único.
Quando, falando de direito à saúde, diz-se que os artigos 196, 197 e 198 são normas programáticas, o que se quer dizer é que eles não estão na Constituição. É a tentativa de criar uma espécie de teoria da aparência. Eles estão lá, mas é como se não estivessem. Aparentam estar na Constituição, mas não estão.
Homens e mulheres morreram para que saíssemos de um regime de ditadura militar, ingressássemos numa democracia e, ao final, tivéssemos uma Constituição popularmente aprovada contendo dispositivos garantistas. Esta é a biografia da Constituição Federal de 1988. Não pode subsistir a ideia segundo a qual seriam mera ficção comandos constitucionais como o que assegura o direito à saúde.
No caso apreciado pelo STF sobre o qual estamos fazendo menção, o Município de Porto Alegre dizia que a Lei nº 8.913/96 atribuía ao Sistema Único de Saúde (SUS) a responsabilidade pela distribuição de medicamentos, razão pela qual não seria necessária a regulamentação do artigo 2º, no que toca ao financiamento das despesas. Também dizia que, em face à autonomia dos municípios, era inconstitucional o ato normativo federal ou estadual que lhes acarretasse despesa.
O Município sustentou que mesmo que o citado Diploma não dependesse de regulamentação, não se poderia impor ao ente municipal a obrigação sem que antes fossem estabelecidas as formas de repasse dos recursos. O seu último argumento invocou a Portaria nº 874, de 3 de julho de 1997, oriunda do Ministério da Saúde, que atribui ao Órgão a responsabilidade pelos remédios específicos ao tratamento da AIDS.
Se vingasse a estratégia do Município de Porto Alegre, o paciente não teria acesso ao medicamento para tratamento contra a AIDS. Ele morreria. Ainda bem que o caso, no STF, caiu nas mãos do Ministro Marco Aurélio.
Segundo o Ministro, o preceito do artigo 196 da Constituição, de eficácia imediata, revela que "a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação" [07]. A referência a "Estado" abrangeria, segundo o Ministro, a União Federal, os Estados propriamente ditos, o Distrito Federal e os Municípios.
Para o Ministro Marco Aurélio, havia lei obrigando o fornecimento dos medicamentos excepcionais, como os concernentes à Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (SIDA/AIDS), às pessoas carentes. Além disso, o município de Porto Alegre surgiria com responsabilidade prevista em diplomas específicos, ou seja, os convênios celebrados no sentido da implantação do SUS, devendo receber, para tanto, verbas do Estado. O Ministro não fugiu da alegação trazida pelo Município sobre falta de regulamentação municipal para o custeio da distribuição. Para ele, essa falta de regulamentação não impediria a responsabilidade do Município.
Ao final da decisão, proferida há mais de uma década, o Ministro Marco Aurélio fez um alerta: "É hora de atentar-se para o objetivo maior do próprio Estado, ou seja, proporcionar vida gregária segura e com o mínimo de conforto suficiente a atender ao valor maior atinente à preservação da dignidade do homem [08]".
O alerta do Ministro lembra o desabafo que o líder do ANC, partido popular da África do Sul, Kader Asmal, fez durante a abertura do debate na Assembléia Constitucional encarregada de elaborar a Constituição de 1996, idealizada por Nelson Mandela. Asmal afirmou que o seu povo "não poderia ter dado suas vidas em troca de uma mera liberdade de andar nas ruas (...) tampouco para sofrer continuamente privações enquanto os arquitetos das antigas regras viviam no esplendor" [09].
Essa decisão do Ministro Marco Aurélio foi proferida pelo STF em 1998. Dois anos antes, em 1996, o Brasil e o mundo davam dois importantes passos no combate à AIDS. Em julho, na Conferência Internacional de Aids, em Vancouver, Canadá, se anunciou a descoberta do chamado coquetel de combate à doença. Em novembro, o Congresso Nacional brasileiro aprovou a Lei 9.313, que obrigava o Estado a fornecer medicamentos de combate a AIDS.
Páginas 74-75
Dissertação:
Essas ações - nacionais e internacionais -, somadas às decisões judiciais que começaram a surgir determinando o acesso a medicamentos para soropositivos, fizeram com que o Brasil demonstrasse coragem no enfrentamento da questão dos preços dos medicamentos de combate a AIDS.
O Ministério da Saúde, tendo em vista o aumento de casos da AIDS, a falta de recursos terapêuticos e a alta taxa de mortalidade, estabeleceu, ainda em 1985, o Programa Nacional de DST e AIDS -PNDST /AIDS (Portaria nº 236, de 02.04.1985) e criou o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, visando estimular políticas públicas de prevenção e assistência aos portadores da enfermidade, em sintonia com os princípios e diretrizes do SUS.
No ano 2000, na Conferência Internacional de Aids de Durban, África do Sul, a comunidade internacional reconhecia o acerto da política brasileira na área de medicamentos, indicando o protagonismo e a liderança do país nas discussões sobre acesso universal, propriedade intelectual e patentes de medicamentos 188
Na reunião da Organização Mundial do Comércio em Doha (2001), Catar, o Brasil sustentou que os países em desenvolvimento deveriam ter a prerrogativa de quebrar patentes de medicamentos em áreas de interesse da saúde pública. O país havia aprovado leis autorizando a fabricação de versões genéricas de medicamentos.
Logo no começo de 2001, o Brasil declarou a possibilidade de licenciamento compulsório das patentes de dois medicamentos. No mês de março, conseguiu a redução do preço de um deles. Quanto ao outro, em agosto de 2001, o Ministério da Saúde anunciou o licenciamento compulsório de patente do medicamento, sustentando emergência em razão do custo e do interesse público. Contudo, após o anúncio a detentora da patente reduziu o preço significativamente.
O Decreto Presidencial nº 4.830, de 04 de Setembro de 2003, autorizou a importação de medicamentos genéricos, em caso de emergência ou interesse público.
Tentava-se, ao tempo, reduzir os custos. O Decreto autorizava ainda a produção, em grande escala, dos referidos antirretrovirais pelo laboratório estatal Far-Manguinhos.
Nada obstante o país tenha sido pioneiro nessa postura, ainda há muito o que ser feito e o Poder Judiciário e a mobilização social são peças fundamentais nisso.
É que, na hora de concretizar as políticas públicas voltadas para o combate à AIDS, o aparelho estatal se omite. Ele não consegue contemplar todos os que necessitam de tratamento e, com isso, arrasta para o Poder Judiciário essa carência. A partir das decisões judiciais reconhecedoras de omissões estatais, impactando os cofres públicos com a compra de remédios, os entes estatais passam a sentir o termômetro social da necessidade e do descontentamento, sendo forçados a reavaliarem suas posturas no ano seguinte, quando, novamente, se discute o orçamento.
Fica evidente que a postura do Judiciário é incômoda, porque força o Poder Executivo a fazer o que não estava fazendo, que é abranger novas necessidades de tratamentos médicos ocorridas no seio de uma sociedade complexa.
Essas ações - nacionais e internacionais -, somadas às decisões judiciais que começaram a surgir determinando o acesso a medicamentos para soropositivos, fizeram com que o nosso país demonstrasse coragem no enfrentamento da questão dos preços dos medicamentos de combate a AIDS.
O Ministério da Saúde, tendo em vista o aumento de casos da AIDS, a falta de recursos terapêuticos e a alta taxa de mortalidade, estabeleceu, ainda em 1985, o Programa Nacional de DST e AIDS -PNDST /AIDS (Portaria n.236 de 02.04.1985) e criou o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, visando estimular políticas públicas de prevenção e assistência aos portadores da enfermidade, em sintonia com os princípios e diretrizes do SUS.
No ano 2000, na Conferência Internacional de Aids de Durban, África do Sul, a comunidade internacional reconhecia o acerto da política brasileira na área de medicamentos, indicando "o protagonismo e a liderança do país nas discussões sobre acesso universal, propriedade intelectual e patentes de medicamentos" [10].
Na reunião da Organização Mundial do Comércio em Doha (2001), Catar, o Brasil sustentou que os países em desenvolvimento deveriam ter a prerrogativa de quebrar patentes de medicamentos em áreas de interesse da saúde pública. Tínhamos aprovado leis autorizando a fabricação de versões genéricas de medicamentos.
Logo no começo de 2001, o Brasil declarou a possibilidade de licenciamento compulsório das patentes de dois medicamentos. No mês de março, conseguiu a redução do preço de um deles [11]. Quanto ao outro, em agosto de 2001, o Ministério da Saúde anunciou o licenciamento compulsório de patente do medicamento, sustentando emergência em razão do custo e do interesse público. Contudo, após o anúncio a detentora da patente reduziu o preço significativamente.
O Decreto Presidencial 4.830, de 04 de Setembro de 2003, autorizou a importação de medicamentos genéricos, em caso de emergência ou interesse público. Tentava-se, ao tempo, reduzir os custos. O Decreto autorizava ainda a produção, em grande escala, dos referidos antirretrovirais pelo laboratório estatal Far-Manguinhos.
Nada obstante o país tenha sido pioneiro nessa postura, ainda há muito o que ser feito e o Poder Judiciário e a mobilização social são peças fundamentais nisso.
É que, na hora de concretizar as políticas públicas voltadas para o combate à AIDS, o aparelho estatal ainda peca. Ele não consegue contemplar todos aqueles que necessitam de tratamento e, com isso, arrasta-se para o Poder Judiciário essa carência e este, normalmente, lhes dá guarida. A partir daí, impactando os cofres públicos com a compra de remédios, os entes estatais passam a sentir o termômetro social da necessidade e do descontentamento, sendo forçados a reavaliarem suas posturas no ano seguinte, quando, novamente, se discute o orçamento.
Fica evidente que a postura do Judiciário é mesmo incômoda, porque força ao Poder Executivo fazer o que não estava fazendo, que é abranger novas necessidades de tratamentos médicos ocorridas no seio de uma sociedade complexa.
Página 76
Dissertação:
O paciente, há 10 anos, submetia-se à terapia antirretroviral. Diante de um quadro de regressão relativo à sua capacidade imunológica, o infectologista receitou os medicamentos Isentress (Raltegravir) e Darunavir, ressaltando a imprescindibilidade do novo esquema de tratamento, porque o paciente apresentara falha terapêutica e clínica com os antiretrovirais utilizados.
O médico de referência em genotipagem em Santa Catarina indicou que, para situações semelhantes à do paciente, recomendava-se o uso de Enfuvirtida (Fuzeon) e Darunavir (Prezista). Todavia, asseverou que o paciente havia feito uso de Enfuvirtida ao que parece, sem sucesso, uma vez que a carga viral encontra-se significativamente alta. O uso single de Darunavir não tem demonstrado até agora, em estudos, uma eficácia aceitável nesses casos.
Acerca da eficácia da prescrição do medicamento Intelence (etravirine), o médico ponderou que (i) havia adequação aos parâmetros médicos como alternativa mais recente para pacientes multifalhados e (ii) a sua associação ao medicamento raltegravir poderia até, se utilizada de forma correta e contínua, impedir o aparecimento de outros códons tornando o tratamento duradouro e eficaz
Havia, no processo, comprovação de que o remédio era imprescindível para o senhor e a sua não utilização importaria em risco à sua saúde de forma direta. A perícia médica dizia, ainda, que se o paciente interrompesse o uso da medicação ou esta medicação não mais fizesse efeito benéfico para o paciente, o mesmo poderia apresentar queda acentuada de sua imunidade, fazendo com que viesse a apresentar alguma infecção oportunista que o levasse ao óbito.
O juiz atendeu ao pedido feito posteriormente e incluiu o medicamento Intelence, cujo princípio ativo é o etravirine, diante da revisão do esquema terapêutico prescrito ao paciente.
Essas ações - nacionais e internacionais -, somadas às decisões judiciais que começaram a surgir determinando o acesso a medicamentos para soropositivos, fizeram com que o nosso país demonstrasse coragem no enfrentamento da questão dos preços dos medicamentos de combate a AIDS.
O Ministério da Saúde, tendo em vista o aumento de casos da AIDS, a falta de recursos terapêuticos e a alta taxa de mortalidade, estabeleceu, ainda em 1985, o Programa Nacional de DST e AIDS -PNDST /AIDS (Portaria n.236 de 02.04.1985) e criou o Departamento de DST, AIDS e Hepatites Virais, visando estimular políticas públicas de prevenção e assistência aos portadores da enfermidade, em sintonia com os pr
Segundo consta nos autos no STF, o paciente, há 10 anos, submetia-se à terapia antirretroviral. Diante de um quadro de regressão relativo à sua capacidade imunológica, o infectologista receitou os medicamentos Isentress (Raltegravir) e Darunavir, ressaltando a imprescindibilidade do novo esquema de tratamento, porque o paciente apresentara falha terapêutica e clínica com os antiretrovirais utilizados.
O médico de referência em genotipagem em Santa Catarina indicou que, para situações semelhantes à do paciente, recomendava-se o uso de Enfuvirtida (Fuzeon) e Darunavir (Prezista). Todavia, asseverou que o paciente havia feito "uso de Enfuvirtida ao que parece, sem sucesso, uma vez que a carga viral encontra-se significativamente alta. O uso single de Darunavir não tem demonstrado até agora, em estudos, uma eficácia aceitável nesses casos" [22].
Acerca da eficácia da prescrição do medicamento Intelence (etravirine), o médico ponderou que (i) havia adequação aos parâmetros médicos como "alternativa mais recente para pacientes multifalhados" e (ii) a sua associação ao medicamento raltegravir "poderia até, se utilizada de forma correta e contínua, impedir o aparecimento de outros códons tornando o tratamento duradouro e eficaz" [23].
Havia, no processo, comprovação de que o remédio era imprescindível para o senhor e a sua não utilização importaria em risco à sua saúde de forma direta. A perícia médica dizia, ainda, que se o paciente interrompesse o uso da medicação ou esta medicação não mais fizesse efeito benéfico para o paciente, o mesmo poderia apresentar queda acentuada de sua imunidade, fazendo com que viesse a apresentar alguma infecção oportunista que o levasse ao óbito.
O juiz atendeu ao pedido feito posteriormente e incluiu o medicamento Intelence, cujo princípio ativo é o etravirine, diante da revisão do esquema terapêutico prescrito ao paciente.
Página 78
Dissertação:
O relator do caso, no STF, era o Ministro Gilmar Mendes.
Para o Ministro, o direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) direito de todos e (2) dever do Estado, (3) garantido mediante políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doença e de outros agravos, (5) regido pelo princípio do acesso universal e igualitário (6) às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação.
A despeito da afirmação da União de que o medicamento não possuía registro na ANVISA, em consulta ao sítio da agência reguladora, o Ministro Gilmar descobriu que o medicamento Intelence, cujo princípio ativo é a Etravirina, foi registrado sob o n.º 112363391, válido até 02/2014, o que atestaria sua segurança para o consumo.
O Ministro registrou ainda que não constar entre os medicamentos listados pelas Portarias do SUS não é motivo, por si só, para o seu não fornecimento, uma vez que a Política de Assistência Farmacêutica visa contemplar justamente a integralidade das políticas de saúde a todos os usuários do sistema.
Percorrendo a legislação federal e a Constituição, o Ministro afirmou que a Lei Federal nº 9.313/96 garante o acesso aos medicamentos antirretrovirais pelo SUS para todas as pessoas acometidas pela doença. A Constituição indica os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90.
Tais determinações devem ser seriamente consideradas quando da formulação orçamentária, pois representam comandos vinculativos para o poder público.
Quanto à alegação da União de lesão à economia pública pelo fato de ter que fornecer um remédio ao paciente soropositivo, o Ministro registrou que a União, apesar de alegar lesão à economia pública, não comprova a ocorrência de dano aos cofres federais, limitando-se a requerer a aplicação do princípio da reserva do possível.
Dessa vez a decisão não cabia ao Ministro Marco Aurélio. O relator do caso, no STF, era o Ministro Gilmar Mendes.
Para o Ministro, o direito à saúde é estabelecido pelo artigo 196 da Constituição Federal como (1) "direito de todos" e (2) "dever do Estado", (3) garantido mediante "políticas sociais e econômicas (4) que visem à redução do risco de doenças e de outros agravos", (5) regido pelo princípio do "acesso universal e igualitário" (6) "às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação".
A despeito da afirmação da União de que o medicamento não possuía registro na ANVISA, em consulta ao sítio da agência reguladora, o Ministro Gilmar descobriu que o medicamento Intelence, cujo princípio ativo é a Etravirina, foi registrado sob o n.º 112363391, válido até 02/2014, o que atestaria sua segurança para o consumo.
O Ministro registrou ainda que "não constar entre os medicamentos listados pelas Portarias do SUS não é motivo, por si só, para o seu não fornecimento, uma vez que a Política de Assistência Farmacêutica visa contemplar justamente a integralidade das políticas de saúde a todos os usuários do sistema".
Percorrendo a legislação federal e a Constituição, o Ministro afirmou que "a Lei Federal n. 9.313/96 garante o acesso aos medicamentos antirretrovirais pelo SUS para todas as pessoas acometidas pela doença. A Constituição indica os valores a serem priorizados, corroborada pelo disposto nas Leis Federais 8.080/90 e 8.142/90. Tais determinações devem ser seriamente consideradas quando da formulação orçamentária, pois representam comandos vinculativos para o poder público" [26].
Quanto à alegação da União de lesão à economia pública pelo fato de ter que fornecer um remédio ao paciente soropositivo, o Ministro registrou que "a União, apesar de alegar lesão à economia pública, não comprova a ocorrência de dano aos cofres federais, limitando-se a requerer a aplicação do princípio da reserva do possível. Por outro lado, inexistentes os pressupostos contidos no art. 4º da Lei no 8.437/1992, verifico que a ausência do fornecimento do medicamento solicitado poderá ocasionar graves e irreparáveis danos à saúde e à dignidade de vida do paciente" [27].
Páginas 79-80
Dissertação:
A presença do Judiciário é fundamental para a concretização do direito à saúde.
Mirian Ventura, pesquisadora sobre Direitos Humanos e Saúde e estudiosa que desenvolve pesquisas sobre o tema judicialização da saúde parece ser uma fonte confiável para responder esta indagação. Para ela O movimento de aids no Brasil conseguiu extrair do componente jurídico seu potencial transformador, impulsionando mudanças amplas e estruturais a partir do uso estratégico das leis nacionais, na perspectiva dos direitos humanos.
As práticas de intervenção judicial desse movimento têm auxiliado outros movimentos a refletirem e redirecionarem suas linhas de ação. Na história brasileira recente nenhum outro movimento obteve um grau tão satisfatório de efetividade da legislação genérica nacional existente como o das pessoas vivendo com HIV/AIDS, registra a Professora.
Em 2005, o Ministério da Saúde divulgou o importante estudo denominado “O Remédio via Justiça: Um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/aids no Brasil por meio de ações judiciais Brasil”.
Segundo o Ministério as vitórias na Justiça demonstram o reconhecimento do direito à saúde e do papel do movimento organizado na luta contra a aids e na defesa da cidadania.
O Ministério da Saúde conclui, no seu documento, que ações e decisões judiciais são conseqüências do amadurecimento da organização da sociedade, de um lado, e, de outro, das deficiências da Administração Pública. São os mecanismos e o processo de incorporação de novos medicamentos na rede pública que devem ser melhor compreendidos, aperfeiçoados e agilizados.
O Executivo reconhece a importância do Judiciário como instrumento garantidor da participação da sociedade na reformulação das políticas públicas.
Em 2005, o Ministério divulgou o importante estudo denominado O Remédio via Justiça: Um estudo sobre o acesso a novos medicamentos e exames em HIV/aids no Brasil por meio de ações judiciais Brasil [31]. Segundo o Ministério "as vitórias na Justiça demonstram o reconhecimento do direito à saúde e do papel do movimento organizado na luta contra a aids e na defesa da cidadania" [32].
O Ministério da Saúde conclui, no seu documento, que "ações e decisões judiciais são conseqüências do amadurecimento da organização da sociedade, de um lado, e, de outro, das deficiências da Administração Pública. São os mecanismos e o processo de incorporação de novos medicamentos na rede pública que devem ser melhor compreendidos, aperfeiçoados e agilizados" [33].
O Poder Executivo reconhece a importância do Poder Judiciário como instrumento garantidor da participação da sociedade na reformulação das políticas públicas da saúde. Em outros países, muitas vezes o Executivo se mostra completamente avesso a tal reconhecimento.
Páginas 80-81
Dissertação:
Preâmbulo da Constituição brasileira institui um Estado Democrático destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e o bem-estar como valores supremos de uma sociedade fraterna.
Dentre os objetivos fundamentais da República há, nos incisos I e IV do art. 3º, o de construir uma sociedade justa e solidária e promover o bem de todos. A Constituição Federal estabeleceu os fundamentos da República e trouxe à tona a necessidade inafastável de exercício da cidadania.
Como se sabe, cidadania não é somente votar e ser votado. Não se cuida do mero exercício da capacidade eleitoral ativa e passiva. Cidadania, nos dias de hoje, ultrapassa esta visão estreita. A partir do momento em que doentes ou responsáveis por doentes buscam o Poder Judiciário na tentativa de verem concretizados direitos constitucionais, o que se tem é o mais pleno exercício de cidadania.
Veremos que o direito à saúde muitas vezes se revela como uma faceta do direito à vida e, como se sabe, o caput do art. 5º garante aos brasileiros a inviolabilidade do direito à vida.
O gerenciamento caótico, ineficaz e corrupto das políticas públicas no Brasil afronta o inciso III do mesmo artigo 5º que diz que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante. Em algumas situações, falar em tratamento desumano ou degradante nos serviços públicos de saúde chega a ser um eufemismo.
Quando a comunidade aciona o Judiciário ou quando participa de uma audiência pública sobre saúde no Supremo Tribunal Federal, sem dúvida ela está contribuindo com as diretrizes a serem estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde. A visão não pode ser limitada. Não é possível supor que a única maneira de participação da comunidade nesta discussão seja sentada num auditório do Ministério da Saúde ou de algum conselho voltado para tais discussões dentro do Poder Executivo.
Quando a comunidade aciona o Judiciário ou quando participa de uma audiência pública sobre saúde no STF, sem dúvida, ela está contribuindo com as diretrizes a serem estabelecidas pelo Sistema Único de Saúde. A visão não pode ser limitada. Não é possível supor que a única maneira de participação da comunidade nesta discussão seja sentada num auditório do Ministério da Saúde ou de algum conselho voltado para tais discussões dentro do Poder Executivo.
O Preâmbulo institui um Estado Democrático no Brasil destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e o bem-estar como valores supremos de uma sociedade fraterna. Dentre os objetivos fundamentais da República temos, segundo os incisos I e IV do art. 3º, construir uma sociedade justa e solidária e promover o bem de todos.
A Constituição Federal brasileira estabeleceu os fundamentos da República e trouxe à tona a necessidade de exercício da cidadania. Como se sabe, cidadania não é somente votar e ser votado. Não se cuida do mero exercício da capacidade eleitoral ativa e passiva. Cidadania, nos dias de hoje, ultrapassa esta visão. A partir do momento em que doentes ou responsáveis por doentes buscam o Poder Judiciário na tentativa de verem concretizados direitos constitucionais, o que se tem é o mais pleno exercício de cidadania. Mormente quando o inciso XXXV do art. 5º afirma que a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a direito.
O direito à saúde muitas vezes se revela como uma faceta do direito à vida e, como se sabe, o caput do art. 5º garante aos brasileiros a inviolabilidade do direito à vida. O gerenciamento caótico das políticas públicas no Brasil afronta o inciso III do mesmo artigo 5º que diz que ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante.
Página 87
Dissertação:
A Constituição Federal brasileira determina que os serviços públicos de saúde serão acessíveis a todos. É uma imposição que se realça quando o nível de mobilização social passa a demonstrar que os afetados estão sendo alijados do processo de formulação de políticas públicas voltadas à saúde.
A Constituição Federal determina que os serviços públicos de saúde serão acessíveis a todos. Isso não é uma ficção. É uma imposição que se realça quando o nível de mobilização social passa a demonstrar que os afetados estão sendo alijados do processo de formulação de políticas públicas voltadas à saúde.
Página 98
Dissertação:
Há outro caso que foi alvo de estudo neste trabalho, em razão das suas peculiaridades e das inovações trazidas na decisão proferida sobre ele pela Suprema Corte brasileira. Ele foi julgado pela Corte na sessão extraordinária do dia 14 de abril de 2008, com menos da metade dos seus ministros presentes ao Plenário.
A decisão garantiu que um jovem universitário de 24 anos, Marcos José Silva de Oliveira, tetraplégico em razão de um assalto ocorrido em via pública no Estado de Pernambuco (PE), tivesse direito a submeter-se a cirurgia de implante de MDM (Marcapasso Diafragmático Muscular) a fim de que pudesse respirar sem depender de aparelho mecânico. Tudo custeado pelo aludido Estado.
O Tribunal de Justiça de Pernambuco determinou a transferência de recursos que foram depositados pelo Estado em conta judicial para uma conta bancária no exterior, pertencente ao médico norte-americano indicado pela família para vir ao Brasil operar o paciente. Segundo familiares, o Brasil não possuía profissional capacitado para realizar tal procedimento, que, caso não ocorresse até dia 30 de abril (o julgamento ocorrera dia 14 de abril) resultaria num alto risco de morte à vítima.
Segunda-feira, dia 14 de abril de 2008, 14h. Uma sessão extraordinária tinha sido marcada pela Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Ellen Gracie. O quórum estava desfalcado. Estavam ausentes os ministros Carlos Britto, Ricardo Lewandowski, Joaquim Barbosa, Menezes Direito e Cármen Lúcia. A Corte funcionaria com somente seis dos seus onze componentes.
A pauta de processos naquele dia trazia um caso peculiar. Havia algo a mais dentro do processo que seria apreciado e cuja relatoria cabia à Ministra Ellen. Esse caso não definiria simplesmente uma resposta correta racionalmente fundada em argumentos jurídicos. Dentro do processo havia, na verdade, uma vida [28].
A capa dos autos indicava o nome: Marcos José Silva de Oliveira.
Marcos era um estudante universitário na cidade do Recife, Estado de Pernambuco. Certa noite, ao ir para sua faculdade, foi vítima de um assalto. Tomaram-lhe muito mais do que bens materiais. Levaram todos os movimentos do pescoço para baixo. Após levar um tiro, Marcos José ficou tetraplégico.
Por meio de uma ação de indenização, a família do garoto pleiteava o direito de ele ser submetido a uma cirurgia de implante de um Marcapasso Diafragmático Muscular (MDM), a fim de que pudesse respirar sem depender de aparelho mecânico. Tudo custeado pelo Estado de Pernambuco. [29]
O respirador conseguiria devolver ao garoto "a condição de respirar sem a dependência do respirador mecânico".
O Tribunal de Justiça de Pernambuco havia determinado a transferência de recursos do Estado de uma conta judicial para uma conta bancária no exterior, pertencente ao médico norte-americano indicado pela família para vir ao Brasil operar o paciente. Segundo familiares, o Brasil não possuía profissional capacitado para realizar tal procedimento, que, caso não ocorresse até dia 30 de abril (o julgamento ocorreu dia 14 de abril) resultaria num alto risco de morte à vítima [30].
Página 100
Dissertação:
Não custa lembrar que, em 2007, um estudo da Organização dos Estados Ibero- americanos para Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) com apoio do Ministério da Saúde, mostrou que Recife era a capital mais violenta do Brasil, com 91,2 pessoas mortas a cada 100.000 habitantes.
O Estado de Pernambuco, portanto, tinha plena consciência dos males que sua política de segurança estava causando à população.
Em 2007, ano no qual Marcos José foi vítima do assalto que lhe arrancou os movimentos do pescoço para baixo, só o Governo Federal repassou ao Estado de Pernambuco a quantia de R$ 15.428.137,38 (quinze milhões, quatrocentos e vinte e oito mil, cento e trinta e sete reais e trinta e oito centavos) como repasse à segurança pública. Desse montante, R$ R$ 1.228.204,62 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, duzentos e quatro reais e sessenta e dois centavos) foram relativos ao Programa de Apoio à Implantação de Projetos de Prevenção da Violência.
O ministro Celso frisou que Marcos, a vítima, tinha o direito de viver de maneira autônoma, uma vez que necessitava de aparelho mecânico para respirar. O raciocínio desenvolvido pelo Ministro consagra o direito à vida.
Não custa lembrar que, em 2007, um estudo da Organização dos Estados Ibero-americanos para Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) com apoio do Ministério da Saúde, mostrou que Recife era a capital mais violenta do Brasil, com 91,2 pessoas mortas a cada 100.000 habitantes [32]. O Estado de Pernambuco, portanto, tinha plena consciência dos males que sua política de segurança estava causando à população.
Em 2007, ano no qual Marcos José foi vítima do assalto que lhe arrancou os movimentos do pescoço para baixo, só o Governo Federal repassou ao Estado de Pernambuco a quantia de R$ 15.428.137,38 (quinze milhões, quatrocentos e vinte e oito mil, cento e trinta e sete reais e trinta e oito centavos) como repasse à segurança pública. Desse montante, R$ R$ 1.228.204,62 (um milhão, duzentos e vinte e oito mil, duzentos e quatro reais e sessenta e dois centavos) foram relativos ao Programa de Apoio à Implantação de Projetos de Prevenção da Violência [33].
Olhando firmemente para todos os seus colegas de Plenário e colocado sobre a cadeira em posição curvada levemente para frente, em direção ao microfone, o Ministro Celso frisou que Marcos, a vítima, tinha o direito de viver de maneira autônoma, uma vez que necessitava de aparelho mecânico para respirar.
Página 101
Dissertação:
A posição faz recordar de decisão da Corte Constitucional colombiana na qual se sustentou que não somente quando a pessoa está à beira da morte ameaça-se seu direito à vida, pois este direito vê-se igualmente ameaçado quando seu titular é submetido a uma existência indigna, indesejável ou dolorosa.
Na doutrina brasileira, contudo, há voz divergente. É o caso de Ana Paula de Barcellos, para quem se o critério para definir o que é exigível do Estado em matéria de prestações de saúde for a necessidade de evitar a morte, a dor ou o sofrimento físico, simplesmente não será possível definir coisa alguma.
O voto do Ministro Celso de Mello faz lembrar a decisão da Corte Constitucional colombiana na qual se sustentou que não somente quando a pessoa está à beira da morte ameaça-se seu direito à vida, pois este direito vê-se igualmente ameaçado quando seu titular é submetido a uma existência indigna, indesejável ou dolorosa.
Na doutrina brasileira, contudo, há voz divergente. É o caso da Professora Ana Paula de Barcellos, para quem "se o critério para definir o que é exigível do Estado em matéria de prestações de saúde for a necessidade de evitar a morte, a dor ou o sofrimento físico, simplesmente não será possível definir coisa alguma".
Página 106
Dissertação:
Afirma-se que a formulação das políticas públicas brasileiras decorre de um equilibrado processo dialético que contempla os agentes do Estado e a sociedade, muitas vezes dentro de conselhos ou comissões ligadas ao Poder Executivo.
Todavia, nem sempre a estruturação de órgãos voltados à implementação de políticas públicas é algo efetivo. Alexandre Ciconello destaca os desafios do Brasil para tornar efetivos tais órgãos.
(...)
Ciconello afirma que (...) a capacidade do Estado brasileiro de implementar políticas públicas e efetivar os direitos previstos no ordenamento jurídico está cada vez mais reduzida. Essa fragilidade estatal tem destinatário certo: as categorias mais vulneráveis que, desprovidas de atendimento médico particular têm de se socorrer do SUS.
Há ainda outro ponto que merece atenção. Afirma-se que a formulação das políticas públicas brasileiras decorre de um equilibrado processo dialético que contempla os agentes do Estado e a sociedade, muitas vezes dentro de conselhos ou comissões ligadas ao Poder Executivo. Todavia, nem sempre a estruturação de órgãos voltados à implementação de políticas públicas é algo efetivo. Alexandre Ciconello, advogado, assessor de direitos humanos do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) e mestre em ciência política, em tom realista, destaca os desafios que ainda enfrentaremos para tornar efetivos tais órgãos
Ciconello não encampa visão fantasiosa acerca da formatação das políticas públicas por parte do Estado. Nesse ponto, é bem franco, pois afirma que "(...) a capacidade do Estado brasileiro de implementar políticas públicas e efetivar os direitos previstos no ordenamento jurídico está cada vez mais reduzida" [16]. Essa fragilidade estatal tem destinatário certo: as categorias mais vulneráveis que, desprovidas de atendimento médico particular têm de se socorrer do sistema de saúde pública.
Página 110
Dissertação:
Na África do Sul, a Corte Constitucional interpreta o direito à saúde em sintonia com a competência que lhe fora conferida pela Constituição, uma vez que esta delegou a tarefa de interpretação dos direitos sociais ao Judiciário. Nessas hipóteses, costuma solicitar informação adicional ou permitir a juntada de adendos das partes interessadas pelos amici curiae.
Na África do Sul, a Corte Constitucional interpreta o direito à saúde em sintonia com a competência que lhe fora conferida pela Constituição, uma vez que esta delegou a tarefa de interpretação dos direitos sociais ao Judiciário [44]. A Corte, nessas hipóteses, costuma solicitar informação adicional ou permitir a juntada de adendos das partes interessadas pelos amici curiae [45].
Página 111
Dissertação:
As decisões judiciais no âmbito do direito à saúde muitas vezes trazem o benefício de forçar o Poder Executivo a manter sempre a atualidade de seus debates acerca das políticas públicas de saúde, oxigenando suas discussões e permitindo que novos elementos lhe sejam fornecidos. Para Ronald Dworkin, não obstante, por maior que seja o número de informações que o órgão do governo é capaz de reunir, seu resultado deve ser provisório, aberto a revisão com base em outros indícios fornecidos pela experiência médica.
As decisões judiciais no âmbito do direito à saúde muitas vezes trazem o benefício de forçar o Poder Executivo a manter sempre a atualidade de seus debates acerca das políticas públicas de saúde, oxigenando suas discussões e permitindo que novos elementos lhe sejam fornecidos. Para Ronald Dworkin, não obstante, por maior que seja o número de informações que o órgão do governo é capaz de reunir, seu resultado deve ser provisório, aberto a revisão com base em outros indícios fornecidos pela experiência médica.
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Comentários (10)
Sinval
2020-10-08 21:26:22É muito simples: copia, cola. copia, cola. copia, cola, até terminar a dissertação.
Giuseppe
2020-10-08 18:12:17Ahhh ahhh ahhh MAIS UM PICARETA NA CORTE DA FAMILICIA! TRISTE BRASIL!
Nelson
2020-10-08 14:39:33Bom, se o próprio "planeado" disse que não reconhece plágio... fica difícil essa hipótese.
Heloisa
2020-10-08 14:11:29Plágio é crime. Em nosso Código Penal tem uma sessão que trata especialmente dos Crimes contra a Propriedade Intelectual. Não há como tergiversar à respeito. Independente se o plagiado aceita, a Universidade foi enganada pois o mestrando o apresentou o trabalho como seu.
Nádia
2020-10-08 13:25:17sou fã de ctrlCV desde criancinha.. mas só pra notas e memória de estudo. Muito feio isso Sir..!! Mto feio..
Marco
2020-10-08 12:57:11quando vemos o naipe dos políticos que o apoiam já se vê que é um bandido esquerdalha. Pura falsidade ideológica
Marco
2020-10-08 12:53:50mais um picareta no STF vergonhoso e o currículo é totalmente falsidade ideológica
Leonardo
2020-10-08 12:21:53Eu apoio o Saul para o STF. Ótimo nome!
Márcia
2020-10-08 11:51:20ABSURDO!!! Vergonhoso! Esta pessoa ocupar um cargo no mais alto grau, e que ninguém o tira de lá, emprego garantido até os 75 anos de desmandos e interpretações provavelmente conchavadas e politiqueiras em prol das lagostas e vinhos de valores bem acima do salário mínimo. E o povo á mingua, até qdo????
Euzilene
2020-10-08 11:28:16Sou estudante do curso de Direito e estou no 8° período. Apenas uma palavra me vem à mente: VERGONHA.😵