Antônio Cruz/Agência BrasilPapel de Lula em aliar-se a Maduro pode torná-lo um novo Neville Chamberlain

Sobre responsabilidade histórica

Maquiavel estabeleceu que o político não está submetido a regras e a julgamentos de condutas que regem o mundo ordinário
02.08.24

Nicolau Maquiavel, sempre ele, foi o primeiro a separar o mundo dos comuns do planeta dos políticos. Ele dizia que o príncipe, se desejava ser bom ou manter-se como um ser moral nos assuntos públicos, se arruinaria rapidamente, pois estaria lidando com atores e circunstâncias que exigiriam outro tipo de comportamento.  

Leitores obtusos do escritor florentino enxergaram nessa premissa uma caracterização da política como uma luta de vale-tudo, mas não é bem assim. Ele estabeleceu que o político não está submetido a regras e a julgamentos de condutas que regem o mundo ordinário porque seu compromisso não é consigo mesmo ou com a salvação pessoal da sua alma, mas com a paz e a segurança do seu povo.  

Max Weber, também sempre ele, traduziu a sociologia política existente em Maquiavel e desclassificou logo quem interpreta a ideia de uma ética específica dos políticos como um jogo do poder pelo poder. O famoso ditado “os fins justificam os meios” não pode ser usado fora de um contexto no qual precisa haver um objetivo maior, no que Weber chama de “ética de responsabilidade”, onde o que importa é o resultado para “o vulgo”, expressão que Maquiavel usa para designar o povo (como entidade).  

Nada melhor do que exemplos para mostrar como esse dilema ético se materializa. Durante a Segunda Guerra, a Inglaterra teve dois primeiros-ministros, Neville Chamberlain e Winston Churchill. Após o conflito, a História decidiu que ambos ocupariam prateleiras completamente diferentes na categoria dos líderes políticos.  

Num patamar mais baixo está Chamberlain, que governava quando se iniciou o comportamento agressivo da Alemanha. Obcecado pela paz, fez várias concessões (com territórios dos outros, é bom dizer) e tentou contemporizar com Adolf Hitler até o ponto de perder a condição de superioridade militar. Suas escolhas, mesmo que bem justificadas (“não importa os motivos da guerra, a paz é sempre mais importante”, diria Roberto Carlos) passar pano irresponsavelmente para a escalada nazista estimulou suas ambições ao invés de eliminá-las.  

Lá no alto está Churchill, que assumiu o comando do país após o próprio Chamberlain, derrotado, ter declarado guerra contra a Alemanha. Ele encontrou uma situação dramática, com praticamente todo o exército inglês acuado no lado francês do Canal da Mancha e uma perspectiva real de invasão da ilha. Resistiu ao conseguir armar totalmente os espíritos dos ingleses, sinalizando não haver qualquer chance de negociação com Hitler e definindo que não haveria outro fim que não fosse a destruição total de um dos lados. Vencendo primeiro a batalha “no Templo”, como diria Sun Tzu, teve condições para tomar as decisões difíceis que precisou tomar, entre elas escolher cotidianamente quais vidas de soldados sacrificar para salvar objetivos estratégicos.  

Sob a luz de Maquiavel, Weber, Sun Tzu e Churchill chegamos a Nicolas Maduro e, principalmente, Lula. Como explicar a atuação dada pelo presidente brasileiro à situação política do país vizinho, classificada como “normal” 

Uma primeira leitura é que Lula age com pragmatismo, vislumbrando a necessidade de manter Nicolas Maduro sentado à mesa de negociação. No entanto, trata-se de uma visão à Neville Chamberlain, no sentido de mostrar uma desconexão da realidade espantosa até para aliados próximos.  

Ao criticar o estardalhaço que a imprensa faz sobre os eventos na Venezuela e dizer que o impasse pode ser resolvido “pela justiça”, bastando que a oposição a peticione, Lula encarnou o velho premier inglês que, ao defender o tratado de Munique, na qual colocou o carimbo da Inglaterra na entrega de parte da antiga Checoslováquia aos alemães, afirmou no parlamento que não via sentido o seu país ter que sofrer por “uma briga num país distante, entre pessoas das quais nada sabemos.” 

Há, no entanto, uma diferença importante entre ambos, Chamberlain e Lula. O primeiro estimulou Hitler pela omissão. Lula, de forma oposta, pode ter incentivado Maduro a radicalizar seu projeto, oferecendo conselhos publicamente, como aquele de que seu colega precisava construir uma narrativa para que as pessoas mudassem sua opinião sobre a Venezuela. Ou seja, numa perspectiva mais crítica, Lula talvez venha a ser visto não apenas como um ator omisso, mas como alguém que teve papel ativo a ponto de Maduro considerá-lo como verdadeiro aliado.  

Nesse sentido, buscar saber se Lula, neste teste de liderança, vai ser bem-sucedido ou vai fracassar é um exercício tolo, porque não é difícil supor que o impasse atual já é um fracasso política externa brasileira em relação à Venezuela porque contribuiu para o atual estado de coisas. No tribunal da História, que tem um timing que nem o STF controla, o petista poderá ser cobrado duplamente não apenas por ter escolhido um método fracassado para lidar com a crise como ter agido pelos motivos errados, pouco ligados à paz e à segurança do vulgo.  

 

Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político

 

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  1. Muito didático e esclarecedor, pontuando que a omissão de Lula somada ao seu apoio incondicional ao regime chavista faz clara a intenção dele de preservar o próprio rabo de palha nesse fogaréu de vaidades e pretensões autoritárias, lá e cá…

  2. O Lula, com sua politica externa imprestavel, mostra que foi capturado pelo Maduro por conta de falcatruas ond ambos foram protagonistas com empreiteiras, e por isso não pode falar nada contra o ditador. Vergonha de anão diplomático

  3. Lula.sonha em fazer de Pindorama a.sua Venezuela. Para isso vale incentivar o ditador amigo para testar os.possiveis cenários que sua quadrilha poderá enfrentar na tão sonhada venezuelização.

  4. Cada menção a esse ser horrendo que é o Lula, me provoca nojo, não podendo vê-lo ser referido sem seguido de qualificativos de repúdio.

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