Lalo de Almeida/FolhapressPacientes com Covid em São Paulo: com 20% da população vacinada, pandemia deve recrudescer no Brasil

Um abismo na saúde

A desigualdade na distribuição global de vacinas, que tende a adiar o fim da pandemia, expõe as fragilidades da OMS em sua missão
28.05.21

Com metade da população adulta vacinada, os Estados Unidos conseguiram reduzir o número de mortes por Covid-19 de 4 mil por dia no início deste ano para cerca de 500. Como por lá há fartura de doses, o desafio maior é convencer as pessoas a se proteger. Governos locais têm distribuído bilhetes de loteria, notas de dinheiro, ingressos para jogos de beisebol e cupons de desconto em supermercado. Aos poucos, turistas começam a voltar para as ruas e parques americanos, atraídos pela possibilidade de tomar a vacina. Americanos fazem o percurso inverso. Após fazer um teste de Covid, eles podem pegar um avião e viajar para fora. A economia está se aquecendo e deve crescer 6,3% este ano.

Para qualquer lado que olhem, os americanos vislumbram o que parece ser o fim da pandemia. Mais da metade deles deixou de usar máscara ao sair de casa. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, também já abandonou o seu uso, assim como a sua equipe. A regra vale para todos os vacinados no país. Um grande momento está sendo esperado para o feriado do Dia da Independência, em 4 de julho, quando Biden prometeu anunciar a “independência do vírus”. A meta é chegar a esse dia com 70% da população vacinada. Os Estados Unidos, então, alcançarão a propalada imunidade de rebanho, em que o vírus perde a capacidade de se alastrar descontroladamente entre a população.

Reino Unido, Israel, Bahrein, Emirados Árabes e Canadá seguem na mesma toada, com metade da população já tendo recebido ao menos uma dose. Seus habitantes já desfrutam de muitos dos benefícios que estão sendo vivenciados pelos americanos. Segundo o FMI, as economias de Canadá e Reino Unido devem crescer mais de 5% neste ano.

Contudo, para muitos outros países, o fim da pandemia ainda vai levar bastante tempo. Sem recursos financeiros ou com governantes que subestimaram a ameaça, eles foram incapazes de suprir a população com vacinas. Até agora, mais de 75% de todas as vacinas já produzidas foram parar em apenas dez países, enquanto as nações mais pobres receberam menos de 0,5% das doses do planeta. Para muitos deles, assim como para países de renda média que estão caminhando lentamente na vacinação, persiste o risco de novas ondas de Covid, causadas por novas variantes. Por isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS) precisou negar diversas vezes os anúncios precipitados de que a pandemia poderia estar resolvida no final deste ano.

Países como Nigéria, Indonésia e Etiópia ainda podem ser surpreendidos por uma explosão da pandemia assim como aconteceu no Brasil e na Índia, o que criará terrenos propícios para o desenvolvimento de novas variantes”, diz o epidemiologista americano Gregg Gonsalves, especialista em doenças infecciosas e professor na Universidade Yale. “Em um mundo conectado como o nosso, é impossível que essas variantes não se alastrem por outros países e façam mais vítimas.”

No Brasil, a situação pode piorar em breve. Na quinta, 27, a Fiocruz divulgou um boletim alertando para o recrudescimento da pandemia nas próximas semanas. A expectativa é que o país volte a registrar mais de 2,2 mil mortes por dia, apesar de já contar com 20% da população vacinada.

ReproduçãoBiden com o médico Anthony Fauci: sem máscaras
Ainda que as hospitalizações de idosos tenham caído, porque a cobertura vacinal entre eles é alta, no resto da população a cobertura é menor e não se pode falar que a segunda onda acabou. E neste momento estamos atentos para a possibilidade de uma terceira, com a variante indiana ou qualquer outra”, diz Raphael Guimarães, pesquisador o Observatório de Covid da Fiocruz. “Enquanto o país não alcançar uma cobertura de pelo menos 50%, que é quando os resultados começam a ser vistos mais claramente, nós continuaremos vivendo sob o risco de uma nova onda, e com a necessidade de fechar o comércio de tempos em tempos.”

O prolongamento da pandemia por falta de uma distribuição equitativa das vacinas é um cenário que ninguém deseja, mas é a mais provável. Na busca por um responsável pela situação, a Organização Mundial de Saúde acaba levando a pior, mesmo sem ter toda a autoridade que lhe é atribuída. A OMS não funciona como um ente separado que implementa políticas por conta própria. A organização não tem poder de polícia e não é capaz de pressionar ou castigar governos. O que ela se limita a fazer é sugerir ações. Quem coordena os esforços são os seus 194 países-membros.

Ao tentar organizar a distribuição das vacinas, a OMS não foi capaz de fazer a diferença. “Na teoria, quem deveria comandar esse esforço mundial de vacinação seriam os organismos multilaterais. Mas todos eles fracassaram. O que vimos foram os países desenvolvidos estocando doses além do necessário, o que acabou deixando outros países de mãos vazias. Se hoje eles estão se propondo a doar vacinas, é porque não deveriam ter guardado elas em primeiro lugar”, diz Gonsalves, de Yale.

A OMS não passa de um reflexo das disputas entre seus membros. No início da pandemia, a entidade foi criticada pelo então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e por governantes de outros países ocidentais por ter sido complacente com a ditadura chinesa e ter contribuído para atrapalhar a difusão de informações sobre o real perigo do vírus. Trump acusou a OMS de se tornar um fantoche da China.

Trump não está mais na Casa Branca desde o início do ano. Apesar disso, a tensão segue no ar. Nesta semana, o presidente Joe Biden ordenou que as agências de inteligência americanas investiguem com mais afinco a origem do coronavírus. A decisão aconteceu depois que uma equipe de pesquisadores, capitaneada pela OMS, foi para a China em janeiro e fevereiro deste ano para coletar informações em Wuhan. Os anfitriões, contudo, recusaram-se a compartilhar dados com os convidados.

Entre as informações que os chineses se negaram a fornecer estavam dados epidemiológicos de 174 habitantes que contraíram Covid em Wuhan em dezembro de 2019. O que todo mundo quer saber agora é se, entre esses primeiros doentes, havia pessoas que estavam trabalhando no Instituto de Virologia de Wuhan. Se confirmada essa informação, isso pode indicar que o coronavírus teria inicialmente escapado do laboratório e, só depois, infectado pessoas em um mercado de plantas e animais, a alguns poucos quilômetros de distância.

ReproduçãoReproduçãoO Instituto de Virologia de Wuhan: dúvidas retomadas
No domingo, 23, uma reportagem do Wall Street Journal acrescentou mais dados que apontam para essa possibilidade. Segundo o jornal, três funcionários do laboratório pediram ajuda médica em novembro de 2019, antes ainda de o primeiro caso de Covid ter sido diagnosticado. A informação obtida junto à inteligência americana corrobora um relatório publicado nos últimos dias do governo de Donald Trump, segundo o qual diversos funcionários do laboratório teriam apresentado sintomas parecidos com o de Covid no final de 2019. Como Trump estava ávido demais para provar que a China tinha espalhado o vírus de propósito, a informação não foi levada a sério à época. O documento também dizia que a fonte era um “aliado internacional” e que a informação ainda precisava ser verificada.

Para além das notícias de jornais, a comunidade acadêmica começou a dar sinais de que está mais propensa a aceitar a possibilidade de que o vírus possa ter escapado de um laboratório, ainda que essa não seja a hipótese mais provável pelo que se sabe até o momento. Em uma carta publicada em 14 de maio na revista Science, um grupo de 18 cientistas de universidades de renome como Yale, Stanford e Harvard pediu uma “investigação autêntica” sobre a origem do vírus. Eles afirmam que ambas as hipóteses continuam sendo possíveis — tanto a de que o vírus escapou de um laboratório como a de que ele saltou de um animal para um ser humano.

Na carta, os autores criticam o relatório de 313 páginas produzido por uma missão conjunta da OMS que foi para a China. Metade dos participantes era chinesa e foram eles que se encarregaram de organizar os dados coletados. Os integrantes da missão consideraram que um vazamento do vírus do laboratório seria algo “extremamente improvável”, apesar de dedicaram apenas quatro páginas ao assunto. Desta vez, os cientistas pedem para que a hipótese receba a devida atenção. No final de março, o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Grebreyesus, afirmou que a hipótese da fuga do vírus de um centro científico deveria ser investigada a fundo.

Ao pedir para que seus agentes “redobrem os esforços” para decifrar a origem da pandemia, Biden compra briga em duas frentes. Em primeiro lugar, com a ditadura chinesa. No dia 21 de maio, o presidente Xi Jinping fez um apelo em um evento da União Europeia e do G20 pedindo para que os governantes rejeitassem firmemente qualquer tentativa de politizar a Covid. Na Assembleia Mundial de Saúde, em um encontro da OMS com ministros de vários países, um representante chinês afirmou que seu país considerava a investigação sobre as origens da Covid concluída, e que o foco deveria ser mudado. A reação dos chineses ao anúncio de Biden foi imediata. Um dia depois de o americano pedir uma nova investigação, diplomatas de Pequim partiram para o ataque e começaram a falar que os americanos escondem informações sobre seus próprios laboratórios.

Em segundo lugar, o anúncio de Biden escanteia a OMS na investigação sobre a origem da pandemia, o que arranha ainda mais a confiança na entidade. Até então, a postura americana era a de que a organização deveria comandar esses esforços. A partir de agora, a tarefa ficou com os agentes de inteligência americanos. Sem um entendimento entre seus membros, a OMS seguirá com problemas para cumprir o papel que muitos esperam dela.

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500
  1. só queria registrar que meus filhos de 43 e 45 anos moram na Alemanha e no momento estão faltando vacinas lá também. Então nós aqui não estamos tão mal assim.

  2. A origem do vírus ainda é desconhecida, mas a origem de alguns casos mundiais de falta de vacinas é bem conhecida e não se deve a questões de pobreza...aqui nestas plagas então é ofuscante como a inépcia (de sucessivos desgovernos coroadas por esse do momento) e interesses escusos nos deixaram na berlinda e com futuro incerto...

  3. Descobrindo ou não a verdadeira origem do vírus da Covid, o mais importante é a chegada das vacinas aos países mais pobres, para controlar essa pandemia. Vidas importam!

  4. As nações mais ricas na verdade se sentem confortáveis pois protegem suas populações e consideram que mesmo que hajam muitas mortes nos países menos desenvolvidos o mercado para seus produtos estarão garantidos.

  5. OMS, deixou muito a desejar desde o início, não comandou os esforços para termos vacinas e agora ataca que. os fez, patrocinado e correndo todo o risco, quem tem vacina estocada o tem por ter comprado no risco, sem saber se daria certo, o Brasil por exemplo tinha total condição de puxar a fila da vacina, é não o fez, não temos vacina por nossa culpa, não por culpa dos outros, o mesmo vale para a Índia.

  6. estamos em plena 3a guerra mundial. os covardes e complexados comunistas esqueceram as lições da segunda guerra mundial. nós, os aliados vamos derrotar a China nazista

  7. E quando o mundo vai exigir que os porcos comunistas chineses paguem por todo mal. Quando vão parar esses vermes? Quando exterminarem com os não amarelos. Achava que o talibã era a pior coisa do mundo. Xi JI HItler esta superando.

  8. excelente matéria, entretanto se o presidente dos estados unidos não fosse um socialista de bosta, ele poderia dar o troco nos chineses fornecendo vacina para o mundo todo e não fazer estoque. ele poderia chamar os laboratórios para em um curto prazo, dobrarem a produção e fornecer vacina para os países que tem democracia. Inclusive o nosso, onde temos uma grande parceria ! FDP o que ele é!

  9. Enquanto as nações ricas não entenderem que este vírus , como todos, se adaptam e mudam , e que não adianta só vacinarem sua população e não ajudarem as outras nações menos favorecidas, não teremos o fim desta praga. Esta teoria que o vírus ‘escapou’ de um laboratório chinês é bem plausível. Só fico temerosa com as consequências da descoberta.

  10. BOLSONARO BOICOTA as VACINAS para EVITAR MANIFESTAÇÕES de RUA CONTRA o GOVERNO! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE!” Triunfaremos! Sir Claiton

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