ReproduçãoEstádio em Paris: custo alto tem afugentado cidades

Ouro de tolo 

Animação de cidades em receber Jogos Olímpicos ficou no passado
25.07.24

Em 1997, o Comitê Olímpico Internacional (COI) tinha um bom problema nas mãos: 11 cidades queriam receber os Jogos Olímpicos marcados para dali a sete anos. Até que Atenas fosse a escolhida, governos do mundo todo fizeram o possível para que sua cidade tivesse a chance de passar pelo que Barcelona havia experimentado, cinco anos antes: uma transformação urbana, em que a cidade-sede das Olimpíadas 1992 se converteu em polo turístico cosmopolita.

Em 2017, a mesma reunião do COI foi bem mais melancólica: Paris e Los Angeles eram as duas únicas candidatas. Outras cinco cidades desistiram no caminho, seja por motivos próprios, seja por pressão da população. A decisão do Comitê foi não colocar franceses e americanos em competição: Paris saiu com um papel escrito 2024, e Los Angeles, 2028.

A diferença de entusiasmo nestes 20 anos revela uma verdade difícil de admitir: é caro demais sediar os jogos olímpicos — e o retorno econômico é incerto, quando não, nulo. Entre o sucesso de Barcelona e o desânimo às vésperas dos jogos de Paris, uma série de exemplos mostra como nem sempre receber atletas de mais de 190 países pode ser um bom negócio.

A principal barreira é, de fato, econômica. Nos anos 2000, a construção de joias arquitetônicas e instalações novas para os jogos tornou-se regra. Atenas gastou 15 bilhões de dólares em valores de 2004 (algo como 140 bilhões de reais hoje) para receber os jogos. Entre os vários banhos de loja que a cidade recebeu, estava um moderníssimo estádio olímpico assinado pelo renomado arquiteto Santiago Calatrava, substituindo o mítico Panatenaico, que recebeu os jogos na era antiga e na primeira edição da era moderna, em 1896.

Quatro anos depois de a chama ser apagada, quando a crise financeira internacional quase quebrou a economia do continente europeu, o governo de Atenas viu-se cheio de elefantes brancos, sem uso e caros de se manter, no centro da sua capital. Duas décadas depois, grande parte das instalações permanece fechada e sendo corroída pelo tempo. O cultuado estádio olímpico está passando por reformas desde o ano passado, após ter “problemas estruturais”.

Os exemplos se acumulam: o “Ninho de Pássaro”, como ficou conhecido o estádio com 90 mil lugares cobertos para as olimpíadas de Pequim em 2008, hoje não recebe nem jogos de futebol e custa 10 milhões de dólares por ano para ser mantido. O Rio de Janeiro ainda debate o que fazer com obras como o Velódromo ou o parque olímpico de Deodoro, que recebeu competições de pouca demanda como a canoagem slalom. E nenhum caso supera a ostentação de Vladimir Putin, que torrou 51 bilhões de dólares em 2014 para seus jogos de inverno na litorânea Sochi — seriam 380 bilhões de reais, em valores atuais, usados pelo governo russo para obras como uma ferrovia que, sozinha, custou 9 bilhões de dólares, ou mais que a edição anterior inteira dos jogos.

Em ditaduras como Rússia e China (que oficialmente gastou 45 bilhões de dólares em 2008), a população não tem como protestar quando vê o dinheiro ser gasto de maneira irresponsável. Mas as populações de países do Ocidente têm mostrado seguidamente o descontentamento com uma festa tão cara. Toronto, no Canadá, anunciou que desistiria de 2024 porque o evento não seria “no melhor interesse da cidade”. Budapeste foi além — e sua população derrubou a proposta com um abaixo-assinado de 260 mil nomes. O atual chanceler alemão, Olaf Scholz, era prefeito de Hamburgo quando a cidade foi às urnas para enterrar sua proposta de cidade-sede.

Os franceses protestaram de um jeito diferente. Para mostrar que o rio Sena estaria limpo para os jogos, a prefeita de Paris Anne Hidalgo e a ministra dos esportes Amélie Oudéa-Castéra prometeram mergulhar em suas águas. Os franceses não foram às ruas, não marcharam, não queimaram carros. Eles só se planejaram para lançar fezes mais acima no rio, de modo que os dejetos encontrassem suas autoridades na data correta (ambas entraram no rio, mas dias depois do prometido. Ele continua sujo).

Em meio a tantas rejeições e protestos, o COI definiu que Brisbane, na Austrália, sediará os jogos de 2032. Uma comissão trabalhará em um novo sistema para a escolha de sedes. Há até alguns candidatos para os jogos de 2036. Istambul quer realizar a primeira edição em dois continentes, visto que uma parte de seu território está na Ásia e outra, na Europa. A Índia quer se mostrar como uma potência mundial ao aguentar o tranco dos jogos. Santiago, no Chile, se articula para uma candidatura. Os indonésios querem levar os jogos para Nusantara, uma capital que ainda não existe — eles a inaugurarão no mês que vem.

Com esta dificuldade em encontrar quem abra os bolsos e queira transformar sua cidade, nem sempre de uma boa maneira, uma tese começa a ser ventilada:  sediar permanentemente os jogos em Atenas, na Grécia, a partir de 2036, construindo uma cidade olímpica para receber, a cada quatro anos, os maiores nomes do esporte mundial. Nas próximas décadas, alguém precisará, literalmente, manter a tocha acesa.

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  1. Seria interessante ter uma sede fixa sendo a Grécia o país óbvio a ser escolhido. Poderia se optar por uma alternância, olimpíada na Grécia e a seguinte fora, caso houvesse pretendentes.

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