Milei, Trump, Lula e o xadrez no Atlântico Sul
Argentina se aproxima dos Estados Unidos e Reino Unido, enquanto Brasil de Lula mantém laços com China e Rússia

Uma análise publicada pela revista The Economist revela uma movimentação silenciosa, porém estratégica, envolvendo Argentina, Reino Unido e Estados Unidos no Atlântico Sul — uma região de crescente importância geopolítica, especialmente diante da disputa por influência na Antártica e no acesso entre os oceanos Atlântico e Pacífico.
O pano de fundo é complexo: o sul da América do Sul abriga pontos sensíveis como o Estreito de Magalhães — alternativa viável ao Canal do Panamá, que sofre com secas — e rotas pesqueiras, alvo de intensa atividade ilegal chinesa.
Some a isso o fato de Rússia e China possuirem, juntas, 15 bases na Antártica, uma presença que preocupa Washington. Nesse tabuleiro, a Argentina, com sua costa extensa, localização estratégica e relação histórica com as Ilhas Malvinas (ou Falklands), torna-se peça-chave.
A matéria destaca que, mesmo com a presença militar britânica nas Falklands e o alinhamento ideológico do presidente Javier Milei com o Ocidente, a Argentina está militarmente em uma posição de fragilidade.
Suas Forças Armadas enfrentam décadas de sucateamento, agravado por restrições britânicas impostas após a guerra de 1982. Londres proíbe até hoje a venda de equipamentos militares com componentes britânicos ao país sul-americano, inclusive via terceiros países, uma política que limita muito a modernização argentina.
Só que o governo Milei parece disposto a virar a essa página. O presidente ultraliberal, entusiasta de Margaret Thatcher e defensor do alinhamento com os Estados Unidos, está propondo em mais do que dobrar o orçamento militar até 2031 e solicitou o status de parceiro da OTAN.
Ao mesmo tempo, sua retórica moderada em relação às Malvinas — reconhecendo o controle britânico e descartando uma retomada pela força — tem contribuído para o início de uma reaproximação com Londres.
Segundo The Economist, encontros entre diplomatas e autoridades militares dos dois países voltaram a acontecer. Além do mais, gestos simbólicos, como a permissão para que familiares argentinos visitem túmulos nas ilhas e planos para retomar voos diretos e o compartilhamento de dados pesqueiros, sinalizam um degelo nas relações.
O Reino Unido, por sua vez, observa com interesse, mas cautela. Um eventual acordo com a Argentina poderia não apenas reduzir a influência militar chinesa, que já se insinua na região com projetos portuários e uma base espacial na Patagônia, como também abrir portas para maior cooperação regional com Chile e Uruguai.
Mesmo a venda de armamentos, por enquanto vetada, poderia ser revista caso os argentinos optem por adquirir equipamentos ocidentais em larga escala, beneficiando a própria indústria de defesa britânica.
O envolvimento dos EUA é outro fator decisivo. Washington vê a Argentina como um “parceiro estratégico em potencial” e quer evitar que o país caia na esfera de influência de adversários como China e Rússia.
Por isso, está disposto a financiar compras militares — como no caso da recente aquisição de caças de fabricação americana F-16, que eram da Dinamarca — e a pressionar Londres a flexibilizar o embargo.
Apesar dos avanços, o artigo lembra que os riscos políticos são reais. Nos dois países há oposição interna. Os nacionalistas argentinos acusam Milei de ceder em relação às Malvinas, enquanto no Reino Unido há temores de que um futuro governo argentino menos alinhado reverta o processo. Com eleições legislativas em outubro, a tendência é que Milei evite polêmicas no curto prazo.
Ainda assim, a lógica geopolítica empurra Londres e Buenos Aires a reavaliar antigas hostilidades, com Washington observando atentamente, pronto para selar um novo equilíbrio de poder no Atlântico Sul. Embora não seja abordado no texto da The Economist, esse rearranjo estratégico no Atlântico Sul também tem implicações para o Brasil, que ocupa posição central na geopolítica sul-americana e mantém uma postura distinta da do seu vizinho ao sul.
Enquanto o governo de Milei se alinha fortemente aos Estados Unidos, o governo de Lula reafirma seu compromisso com os BRICS — bloco do qual a Argentina se retirou e que inclui a China e a Rússia, justamente os principais rivais estratégicos de Washington na Antártica e na América Latina.
Essa divergência de alinhamentos pode ampliar a fragmentação geopolítica regional e reduzir a margem de manobra do Brasil como articulador neutro no sul do continente.
Além disso, com o Atlântico Sul ganhando importância militar e estratégica para os Estados Unidos e o Reino Unido, o Brasil pode se ver pressionado a redefinir sua postura regional.
A ausência de uma coordenação sul-americana clara diante desses novos arranjos pode deixar nosso país isolado ou até marginalizado nos fóruns onde as grandes potências ocidentais estão redesenhando sua presença militar e diplomática no hemisfério sul.
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