ReproduçãoNão reclame, não reaja, que aí é que a coisa pega

PM, ou a “Polícia do Meme”

Deve ser uma profissão e tanto a de criador de memes, capaz de matar de inveja a multidão de pessoas que os fazem de graça
26.07.24

Para escrever a crônica desta semana, tive que ir saber o que quer dizer a palavra meme, e descobrir sua etimologia. Ajudado pela inefável internet, aprendi com os catedráticos de Oxford que meme é um portmanteau que mistura os termos gregos mimema, que quer dizer “aquilo que é imitado”, e gene, que significa “prole” ou “descendência” (pois é, gene queria dizer isso, lá na Grécia). Não é palavra órfã nem surgida dos contubérnios da fala do povão (no caso, o povão de língua inglesa). Ela tem pai: Richard Dawkins, o famoso biólogo e ateu inglês. Ele cunhou o termo em seu livro O Gene Egoísta, dando-lhe o seguinte sentido: “elemento cultural ou comportamental transmitido de um indivíduo para outro por imitação ou outro meio não genético”. A transformação desse sentido, aparentemente tão técnico, no de “zoeira que viraliza e todo o mundo começa a fazer e a compartilhar freneticamente” não é difícil de entender: participação é, de certo modo, imitação.

Essa introdução longa apresenta um assunto que não quer e não vai se esgotar tão cedo: os memes que andam gozando a cara do senhor Ministro da Economia (ou será da Fazenda? Os ministérios mudam de nome mais depressa do que eu consigo acompanhar) pela sua obediência à frenética ânsia arrecadatória do governo e, por conseguinte, magoando e entristecendo tanto o próprio governo quanto as pessoas que amam o governo e estão dispostas a acarinhá-lo, defendê-lo e protegê-lo sempre e em tudo. O amigo certamente já viu alguns na internet, no seu zap-zap. A grande maioria imita cartazes de filmes e faz trocadilhos com os títulos.

A mágoa, pelo que percebo, vem do fato de que o governo (e seus defensores) quer fazer parecer que cada ato seu – cada convescote, cada entrevista coletiva, cada discurso em inauguração de poço artesiano, cada tchauzinho no aeroporto, cada lei, cada medida e cada canetada – é, em essência, um ato feito do mais puro amor, da mais generosa bondade e da mais adamantina competência. Ora, talvez seja; eu, aqui do meu lado, não sei, mas também não entendo nada dessas coisas de amor, bondade e competência governamental: sou um mero brasileiro, não estou nada habituado a essas coisas. Amor, bondade e competência governamentais podem estar bem debaixo do meu nariz sem que eu as note. Se bem que, pensando bem, é melhor que nada que venha do governo passe debaixo do meu nariz.

Fato é que não há impressão de bondade e de amor que resista a um bom meme. Talvez por isso tenha havido, na imprensa, quem se escandalizasse mais com os memes do que o próprio governo. É verdade que a imprensa, pelo menos a que nos deslumbra nos canais de notícias da TV, conta um número imenso de seus membros entre as pessoas que amam o governo e estão dispostas a acarinhá-lo, defendê-lo e protegê-lo sempre e em tudo. Tarefa árdua, que exige coragem extrema e disposição diuturna, mas que tem que ser feita por alguém, não é?

Pois bem: em seu elogiável zelo, alguns jornalistas chegaram a dizer que os memes que circulam sem cessar seriam “trabalho de profissionais”, “financiados”, evidentemente, por alguém; pediram que suas origens fossem “investigadas”; e até que sua circulação fosse “proibida”. Faltou um fiozinho de cabelo, se tanto, para que um deles aparecesse com a acusação mais em voga no momento: a de ataque às instituições democráticas.

Deve ser uma profissão e tanto a de criador de memes, capaz de matar de inveja a multidão de pessoas que os fazem de graça, só pela imitação ou vontade de participar. E justamente porque muitos os fazem de graça é que financiá-los deve ser um belo jeito de jogar dinheiro fora (outa coisa que eu não entendo, jogar dinheiro fora: nunca tive o suficiente para isso, sempre me agarrei, chorando aos berros, a cada centavo como às saias da minha mãe antes de entrar na escola). Já proibir os memes parece ser tarefa ainda mais árdua do que a de acarinhar, defender e proteger o governo sempre e em tudo, diuturnamente. Eu não sei como isso poderia ser feito, mas eu, afinal, não sei nada: o governo é o papai que sabe tudo.

O que eu sei, e o amigo há de saber também, é que a velha lição ainda funciona: não reclame, não reaja, que aí é que a coisa pega. Os apelidos antigamente, os memes hoje em dia. Quanto mais o golpe é acusado, mais o golpe é redobrado. Melhor deixar pra lá. Como no bordão popular: aceitem, Governo e trupe de admiradores, que dói menos.

Aceitem, porque a alternativa – parar de taxar – parece que está fora de questão, né?

 

Orlando Tosetto Jr. é escritor

 

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  1. Achei que a criação desses memes foi fruto da criatividade brasileira, cansada de bater panelas. É a nova linguagem. Além disso, ir às ruas já foi até condenado pelo Mito. Então, o que nos sobra? Minha esperança vem apenas de ver o governo tão desmoralizado que até os extremistas fiquem com vergonha do que defendem. Neste caso, os extremistas de Esquerda.

  2. Excelente sua coluna prezado. Sempre procuro por ela na Crusoé. Aproveitando, deixo aqui uma dica pro Haddad: " Não sabe brincar, nao desce pro play".

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