ReproduçãoTocha olímpica chega a Paris: Putin e terroristas islâmicos querem estragar a festa

A tocha apagou?

O espírito olímpico em tempos de guerra
25.07.24

Quando o barão Pierre de Coubertin inventou as Olimpíadas modernas, inspirado nos jogos da Grécia Antiga, em 1894, ele deu ao evento uma simbologia global, com as cinco argolas coloridas, e um discurso carregado de intenções nobres. “Os jogos olímpicos antigos lidavam com o atletismo e promoviam a paz. Não é ser visionário olhar para eles e esperar os mesmos benefícios no futuro”, afirmou Coubertin. Para ele, os jogos seriam “um fator potente, mesmo indireto, para assegurar a paz universal”.

Nas Olimpíadas que serão inauguradas nesta sexta, 26, em Paris, terra natal de Coubertin, a paz é o que menos se encontra. Duas guerras interferem diretamente no andamento dos jogos. Atletas russos e bielorussos autorizados a competir sem mostrar a bandeira de seus países curtem e compartilham mensagens nas redes sociais a favor da guerra na Ucrânia. O grupo terrorista Estado Islâmico ameaça um ataque com drone na cidade. Um vídeo que circulava na internet mostrava um suposto terrorista do Hamas prometendo “rios de sangue” porque “sionistas” foram convidados a participar. Políticos franceses de extrema-esquerda afirmaram que atletas israelenses não seriam bem-vindos porque o Estado israelense estaria, segundo ele, “massacrando” a população palestina na Faixa de Gaza. Na quarta, 24, torcedores vaiaram o hino de Israel antes de uma partida contra o Mali.

Nem bem começou, esta é a primeira Olimpíada em que dezenas de atletas viram notícia por terem sido flagrados defendendo uma guerra nas redes sociais, um feito lamentável. Um relatório publicado no dia 18 de julho pela ONG Global Rights Compliance (GRC) afirma que, dos 59 russos e bielorussos autorizados a participar dos jogos, 33 violaram as regras de participação. Eles fazem parte de clubes ligados às Forças Armadas, participaram de eventos militares, compartilharam ou curtiram mensagens a favor da guerra deflagrada pelo ditador Vladimir Putin.

Uma ciclista e um canoísta russos são membros do Dínamo, um clube que dá treinamento para os membros da agência de segurança FSB, antiga KGB, da Nova Guarda da Rússia e do Serviço de Inteligência no Exterior — três instituições intimamente ligadas à invasão da Ucrânia. “Em termos gerais, o objetivo (do Dínamo) é aumentar a eficiência dos integrantes do serviço russo e dos militares em executar as suas funções”, afirma o relatório da GRC. A ciclista Tamara Viktorovna Dronova chegou até a treinar na Crimeia ocupada. O site do Dínamo afirma que o clube trabalha “em contato estreito com as agências de segurança”. Outro clube de atletas que foram para Paris, o CSKA, tem cinco unidades militares e está submetido ao Ministério da Defesa. Ginastas russas participaram de eventos oficiais com slogans a favor da guerra e ostentando a letra “Z”, que remete diretamente à invasão. Quase todos os atletas listados pela GRC curtiram ou compartilharam mensagens adulando Putin ou defendendo a guerra e a anexação de partes da Ucrânia.

Cerca de 450 atletas ucranianos não poderão participar dos jogos porque foram mortos no conflito inventado por Putin. Por isso o posicionamento pró-guerra dos esportistas russos e bielorussos é imoral e ofende o sentimento de compaixão humana. É uma realidade oposta ao imaginado por Coubertin e pelos aristocratas do COI. Um trecho da Carta Olímpica do Comitê, publicada em outubro de 2023, afirma que “o espírito olímpico exige uma compreensão mútua com o espírito de amizade, solidariedade e jogo limpo”.

As atitudes deploráveis também revelam uma falha do Comitê Olímpico Internacional (COI) na aplicação das próprias regras. O presidente da entidade, o advogado alemão Thomas Bach, começou a se estranhar com a Rússia ainda em 2014, quando veio à luz o programa estatal de doping em larga escala, em Sochi. O COI então estabeleceu que atletas russos só poderiam competir sem a bandeira do país e sem poder cantar seu hino. Entendeu-se que seria uma injustiça proibir a participação deles “apenas por causa do passaporte”. Enfim, evitou-se punir indivíduos apenas por sua nacionalidade.

Em fevereiro de 2022, a Rússia invadiu a Ucrânia quatro dias após o final dos jogos olímpicos de inverno em Pequim. O COI então condenou a Rússia pelo desrespeito à “trégua olímpica”. Essa tradição existia nos jogos da Grécia Antiga, quando as guerras eram paralisadas sete dias antes do início das disputas e só podiam voltar sete dias depois. Isso permitia que os atletas pudessem se deslocar para participar das provas. Em 1992, o COI decidiu reintroduzir o costume. Uma negociação feita naquele ano permitiu que os esportistas da ex-Iugoslávia participassem dos jogos em Barcelona. No ano seguinte, a Assembleia-Geral da ONU aprovou o conceito. Mas, é claro, sempre falta combinar com os ditadores, que não têm dúvidas morais antes de estourar um conflito.

Ainda em 2022, Bach se reuniu com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensy e com o secretário-geral da ONU, António Guterres, para discutir a “situação geopolítica”. No ano passado, uma resolução autorizou que só atletas russos e bielorussos “que não atuaram contra a missão de paz do Movimento Olímpico e não apoiaram ativamente a guerra na Ucrânia poderiam ser convidados”. Mas o COI falhou em sua missão de vasculhar o passado dos candidatos.

A ameaça terrorista é igualmente preocupante. Autoridades francesas frustraram vários planos de atentados. Na quarta, 24, a polícia parisiense apreendeu um russo que estaria planejando “desestabilizar as Olimpíadas” e realizava trabalho de inteligência para “uma potência estrangeira”.

Terroristas islâmicos também podem causar problemas. Um dos alvos preferenciais do Estado Islâmico são estádios esportivos ou espaços onde as pessoas se divertem, como casas de shows e restaurantes. Desde os atentados em Paris, que deixaram 130 mortos em 2015, a França sofreu mais de 40 ataques jihadistas. Ao menos 26 estavam ligados ao Estado Islâmico.

Outro grupo que poderia tentar um ataque é o palestino Hamas. Como está sob intenso ataque na Faixa de Gaza, o grupo está com limitadas condições de planejamento e tem pouca presença na Europa, mas algum lobo solitário ou jovem radicalizado poderia realizar um ato, alegando solidariedade com os palestinos. Por causa disso, atletas israelenses terão a segurança redobrada. Vários já receberam ameaças de morte pelas redes sociais ou aplicativos de mensagens. O Conselho Nacional de Segurança de Israel publicou no dia 22 um aviso alertando que jihadistas e organizações terroristas estavam pedindo aos seus membros para realizar ataques contra alvos israelenses e judeus durante os jogos.

Esta semana, foi compartilhado o vídeo de um suposto terrorista do Hamas ameaçando ataques durante os jogos. Membros do Hamas negaram a produção do vídeo. Segundo um oficial francês, a imagem foi criada por inteligência artificial e as táticas usadas mostravam alguma conexão com a Rússia. No início do mês, um relatório da Microsoft já tinha acusado operações de inteligência russas produzindo vídeos com uso de inteligência artificial para semear caos durante as Olimpíadas. “Se eles não podem participar ou ganhar nos jogos, então eles buscam sabotar, difamar ou degradar a competição internacional na mente dos participantes, espectadores e da audiência global”, diz o relatório da Microsoft. Nesta quarta, 24, Putin e o ditador chinês Xi Jinping mandaram quatro bombardeiros na direção do Alasca. As aeronaves, que não saíram do espaço aéreo internacional, foram interceptadas por caças americanos e canadenses.

Putin e os terroristas islâmicos são os mais interessados em estragar a festa em Paris. E nenhum deles ficará mais calmo ao ver aflorar o “espírito olímpico” na cerimônia no rio Sena nesta sexta, 26. O contrário é o mais provável. Afinal, talvez seja ingênuo acreditar que a índole de algumas pessoas pode ser mudada apenas com narrativas baseadas nos valores criados pelo barão Coubertin no final do século 19.

Penso que é um erro olhar para o espírito olímpico como um caminho para a paz mundial. Aqueles que pensarem assim ficarão desapontados, pois a realidade nunca corresponde aos ideais”, diz o historiador israelense Yoav Dubinsky, da Universidade do Oregon.

Se são incapazes de mudar a mentalidade de radicais como Putin e os terroristas islâmicos, as Olimpíadas ao menos permitem que as pessoas sensatas possam viver um ideal, sonhando com um mundo pacífico, ainda que imaginário. “Considerando que mais de duzentos comitês olímpicos nacionais enviaram seus atletas para competir em Paris, é relativamente seguro dizer que, apesar de qualquer turbulência ou conflito geopolítico, a maioria dos países do mundo vê mais valor em participar nos jogos olímpicos do que não participar”, diz Dubinsky.

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  1. Vai ser liiiiiindio ver de novo o Galvão Bueno chorar copiosamente com as medalhas de bronze do Brasil entregues pela diligente cumpanhêra Janja.

  2. Meio demagógico falar em união dos povos num evento que por sua própria natureza é de competição, disputa e busca de mostrar que é melhor nisso ou naquilo, como qualquer competição esportiva. Esse discurso faz mais sentido num evento mundial artístico ou científico. Como o Rock in Rio.

    1. Competição não significa inimizade

    2. Competição não significa inimizade.

  3. É impressionante a análise simplista que vcs fazem da guerra da Ucrânia. Para os comentaristas desta revista o conflito só começou porque o Putin, numa decisão espontânea e sem motivo outro que não uma aventura militar, resolveu abocanhar parte do território do país vizinho. Simples assim. A OTAN vibra com uma análise simplista dessas.

    1. Quem me dera meu país entrasse pra Otan. Ainda mais com uma ditadura do tamanho da russa fungando no meu cangote.

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