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Radicalmente moderadas

Como a francesa Marine le Pen e a italiana Giorgia Meloni trouxeram seus partidos mais para o centro
12.07.24

Quem é Giorgia Meloni, a líder de extrema-direita que deve ser a primeira mulher a governar a Itália”, dizia a manchete do jornal O Globo em 25 de setembro de 2022, reproduzindo conteúdo do The New York Times. No dia seguinte, era o Correio Braziliense: “Com Giorgia Meloni, extrema-direita triunfa nas urnas da Itália”. A revista Istoé não fez por menos: “A deputada Giorgia Meloni, da extrema-direita italiana, pode ser eleita e apavora a Europa”.

O mesmo consenso midiático se vê em relação à francesa Marine Le Pen, do partido Reagrupamento Nacional (RN). Já seus adversários nunca recebem os rótulos de extremistas, radicais ou “ultra”. No máximo, “esquerda”. Há poucos dias, a manchete do portal G1 era “Mélenchon, Tondelier, Glucksmann: quem é quem na aliança de esquerda na França”. Os outros seguiram a mesma linha ideológica, com raras exceções.

As acusações de extremismo contra Marine Le Pen e Giorgia Meloni frequentemente carecem de base factual e resultam de associações simplistas e historicamente desatualizadas com movimentos e líderes do passado.

Marine Le Pen tem adotado uma série de estratégias para modernizar seu partido e ampliar o apelo eleitoral. Essas mudanças incluem o total afastamento das posturas antissemitas de seu pai, Jean-Marie Le Pen, uma aproximação com causas feministas, um distanciamento da Rússia e um apoio declarado a Israel.

Jean-Marie Le Pen, fundador do partido originalmente chamado Frente Nacional, era conhecido por suas declarações infames e racistas. Ele chegou a minimizar o Holocausto, chamando as câmaras de gás nazistas de “detalhe” da história. Marine Le Pen, ao assumir a liderança do partido, em 2011, iniciou um processo de expurgo na sigla, que incluiu a expulsão de seu pai, do partido em 2015. Ela afirmou: “Eu não sou Jean-Marie Le Pen.”

Ela tem participado de manifestações contra o antissemitismo e adotado uma postura claramente pró-Israel, muito mais do que o governo brasileiro que não costuma ser chamado de extremista. A líder do RN descreveu os ataques terroristas do Hamas como “massacres” e apoiou a destruição do grupo pelo governo israelense.

Embora Marine Le Pen não seja amplamente reconhecida como feminista, ela tem tentado atrair o voto das francesas. Durante suas campanhas, ela abordou questões de direitos das mulheres, frequentemente criticando o que considera ser a ameaça do islamismo radical aos direitos femininos na França. “Nosso objetivo é defender a soberania nacional e proteger os franceses, mas isso não significa rejeitar os outros“, disse Le Pen, rejeitando acusações de que seria xenófoba.

Desde sua derrota para Emmanuel Macron em 2017, Marine Le Pen tem moderado seu discurso em várias áreas, incluindo a imigração e a política externa. Ela abandonou a ideia de retirar a França da União Europeia e suavizou sua retórica contra a imigração, embora continue a defender políticas rigorosas nessa área: “Eu quero unir todos os franceses, independentemente de sua origem, cor de pele ou religião“, afirmou. Marine Le Pen tem repetidamente afirmado: “Eu não sou extrema-direita.”

Giorgia Meloni, primeira-ministra da Itália e líder do Irmãos da Itália, tem dado declarações públicas contra o fascismo, equilibrando a condenação do passado fascista da Itália com a defesa de seu partido, que tem raízes no movimento.

Em uma visita ao gueto judeu em Roma, Meloni condenou uma das ações mais infames do regime de Benito Mussolini, afirmando categoricamente: “as leis raciais foram uma desgraça”. Em seu discurso inaugural no Parlamento, Meloni fez uma forte condenação ao fascismo, dizendo: “as leis raciais de Mussolini em 1938, que levaram à deportação de milhares de judeus para campos de concentração, foram o pior momento da história italiana”. Ela também afirmou: “Nunca simpatizei com regimes antidemocráticos, incluindo o fascismo”.

Meloni tem enfatizado que não há espaço para o fascismo dentro do Irmãos da Itália: “Não há espaço para o fascismo em nossas fileiras”. Em um comunicado após um escândalo envolvendo a ala jovem de seu partido, Meloni reiterou: “Não há espaço dentro do Irmãos da Itália para posições racistas e antissemitas, nem para defensores do totalitarismo do século 20 ou qualquer outra exibição de tradições ignorantes”.

No Dia da Libertação, que marca o fim do regime fascista na Itália, Meloni declarou: “Com o fim do fascismo, a Libertação lançou as bases para o retorno da democracia”. Meloni também defendeu o Movimento Social Italiano (MSI), o precursor do Irmãos da Itália, afirmando que o partido era “da direita democrática” e “conduziu milhões de italianos derrotados pela guerra em direção à democracia”.

O Irmãos da Itália mantém alguns símbolos históricos do MSI. Essas imagens são parte da identidade visual e histórica do partido e têm gerado debates acalorados sobre a continuidade ideológica entre o MSI e o Irmãos da Itália, mas sem qualquer evidência concreta de orientação política ou ideológica real do partido.

O símbolo mais notável é a Fiamma Tricolore, que foi originalmente adotada pelo MSI em 1946 e representa uma chama nas cores da bandeira italiana (verde, branco e vermelho). Giorgia Meloni tem afirmado que a imagem representa a continuidade com a história da direita republicana italiana.

Com base no programa eleitoral oficial do partido de Meloni para as eleições de 2018, o analista pode checar, na fonte, as principais propostas da primeira-ministra. Entre elas, a defesa da família tradicional com apoio às famílias numerosas e proteção da maternidade e incentivo à natalidade.

Na política econômica, propõe a redução da pressão fiscal, a simplificação do sistema tributário e apoio às pequenas e médias empresas. Em termos de imigração, Meloni defende um controle mais rigoroso das fronteiras e o combate à imigração ilegal.

Na área de segurança, propõe o reforço das forças policiais e o endurecimento das penas para crimes graves. Em política externa, defende os interesses nacionais na União Europeia e o fortalecimento da parceria transatlântica.

Na cultura e identidade nacional, valoriza o patrimônio cultural italiano e a promoção da língua e cultura do país no exterior. Em educação, propõe investimento em pesquisa e inovação e a valorização do mérito no sistema educacional. Na saúde, defende a melhoria do sistema de saúde público e combate às listas de espera. No meio ambiente e energia, promove fontes de energia renováveis e a proteção do território e prevenção de desastres naturais.

Millôr Fernandes dizia que a pornografia é “tudo aquilo que excita os moralistas”. Atualmente, o mesmo se pode falar do extremismo.

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  1. A prova dos 9 está no seu trabalho enquanto governo, até lá, devido às legítimas suspeições quanto aos seus passados, há sempre o risco de serem lobo em pele de cordeiro. Meloni está passando no teste de fazer valer seu discurso ao seu governo, veremos o que fará Le Pen se tiver a oportunidade

  2. Alexandre Borges prática aqui o velho e bom jornalismo, que trabalha com fatos. A grande imprensa atua como militante da esquerda ao classificar Marine Le Pen como extrema-direita. A imprensa só teria o direito de fazer isso se no Brasil chamasse Guilherme Boulos e o PSOL de extrema-esquerda.

    1. Marine Le Pen é tão pouco extrema-direita que se recusou a unir forças com o AfD (extrema-direita messssmo!) da Alemanha.

  3. Extremismo: PT apoia o MST que não respeita propriedade. Logo, PT é de extrema esquerda. PT apoia Boulos que não respeita propriedade. Logo, PT e Boulos são de extrema esquerda.

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