Foto: Cesar Greco/PalmeirasDudu, do Palmeiras: torcedores de seus times acusam traição e se questionam se ainda há amor à camisa

O torcedor traído

Ainda que seja injusto ou ingênuo falar em traição de profissionais remunerados na casa dos milhões de reais, é o torcedor que manda, é o torcedor que sente
21.06.24

Dudu tentou trocar o Palmeiras pelo Cruzeiro, mas deu para trás. Gabigol vestiu a camisa nova do Corinthians depois de flertar com uma transferência para o clube e perdeu a 10 de Zico no Flamengo. Carlos Miguel fechou com o Nothingham Forest dias depois de assumir o posto do histórico Cássio no gol corintiano. Os torcedores de seus times acusam traição e se questionam se ainda há amor à camisa.

Algum tipo de amor há, mas ele claramente tem limite. Dudu estava insatisfeito com a velocidade de seu retorno após grave contusão. Mais do que sua história vitoriosa com o Palmeiras, estava interessado em jogar bola. Terá decidido permanecer no clube por amor? A presidente Leila Pereira já deixou claro que a direção alviverde não tem mais qualquer sentimento em relação a ele e que seu contrato vai só até 2025.

Gabigol, em péssima fase há meses, estava incomodado no Flamengo, também por não jogar, pela competição com o artilheiro Pedro, em ótima fase. É justo que almeje novos ares, mas o atacante rubro-negro não é famoso por simplificar as coisas. E Carlos Miguel… Salvou o time em quase todas as poucas partidas que fez pelo Corinthians e se creditou ao posto de ídolo rapidamente. Mas como dizer não à Premier League, ainda mais em alternativa a um clube em frangalhos políticos e econômicos?

“Capitu e eu, involuntariamente, olhamos para a fotografia de Escobar, e depois um para o outro. Desta vez a confusão dela fez-se confissão pura. Este era aquele; havia por força alguma fotografia de Escobar pequeno que seria o nosso pequeno Ezequiel. De boca, porém, não confessou nada; repetiu as últimas palavras, puxou do filho e saíram para a missa”, diz Bentinho em Dom Casmurro, numa das várias especulações sobre a relação entre Capitu, sua mulher, e seu amigo Escobar, que teria dado no filho Ezequiel.

Há muita fantasia na relação entre jogador, time e torcida, principalmente depois que o futebol se estabeleceu como um imenso mercado. Mas restou uma última situação no Brasil em que os craques têm demonstrado amor aos seus clubes, em especial os formadores: a aposentadoria.

Lucas Moura ainda tinha mercado na Europa — ou na Arábia ou nos EUA — quando optou por voltar ao São Paulo, que ajudou a ganhar a Copa do Brasil inédita. O lateral Marcelo talvez não tivesse mais mercado no exterior depois de passar pelo Olympiacos, na Grécia, mas o fato é que optou por voltar ao Fluminense, que ajudou a ganhar a Copa Libertadores inédita.

Também veio se aposentar no envelhecido tricolor carioca o zagueiro Thiago Silva. A lista recente é longa. Kaká e Hernanes voltaram do Velho Continente para encerrar as carreiras no São Paulo — o primeiro ainda passou pela americana MLS antes de parar e o último ainda deu os últimos chutes pelo Sport antes de pendurar as chuteiras.

O meia Alex retornou para o Coritiba. Douglas Costa voltou para o Grêmio, mas não deu muito certo e girou até chegar ao Fluminense. Taison foi outro que voltou ao formador, Internacional, e não vingou, indo parar na Grécia. Robinho e Elano voltaram ao Santos, Júlio César e Juan se aposentaram no Flamengo após passagem pela Europa, entre tantas outras histórias de amor nem sempre correspondidas pelas torcidas.

E, no fim das contas, ainda que seja injusto ou ingênuo falar em traição de profissionais remunerados na casa dos milhões de reais, é o torcedor que manda, é o torcedor que sente, como constata o narrador protagonista de Machado de Assis após as mortes da mulher e do amigo:

“E bem, qualquer que seja a solução, uma coisa fica, e é a suma das sumas, ou o resto dos restos, a saber, que a minha primeira amiga e o meu maior amigo, tão extremosos ambos e tão queridos também, quis o destino que acabassem juntando-se e enganando-me… A terra lhes seja leve!”

 

As opiniões emitidas pelos colunistas não necessariamente refletem as opiniões de O Antagonista e Crusoé

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
    1. Ter ilusão de que o futebol é um esporte e não um negócio, é de uma ingenuidade preocupante…

Mais notícias
Assine agora
TOPO