Juan M Romero via Wikimedia CommonsPietá, de Michelangelo: figuras femininas têm sido celebradas e respeitadas

O cristianismo não é contra as mulheres

Na discussão sobre o aborto, ideia de que o cristianismo é contra as mulheres é um argumento comum, mas falso e estúpido.
21.06.24

A discussão sobre o PL do aborto, que equipara a interrupção da gravidez ao crime de homicídio após 22 semanas de gestação, foi adiada para o segundo semestre pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A decisão veio após intensa reação da sociedade e críticas de diferentes setores.

No calor desses debates, o cristianismo tem sido frequentemente retratado como uma força opressora contra as mulheres, especialmente em analogias cafonas que evocam obras distópicas como O Conto da Aia, que imagina uma teocracia brutal, alegadamente cristã, de nome Gileade, uma região que é citada diversas vezes na Bíblia.

A ideia de que o cristianismo é contra as mulheres é um argumento comum, mas falso e estúpido. Historicamente, o cristianismo desempenhou um papel significativo na elevação da dignidade e do valor das mulheres. Desde os primeiros tempos da Igreja, figuras femininas têm sido celebradas e respeitadas. Exemplos incluem Maria, a mãe de Jesus, e Maria Madalena, que foi a primeira a testemunhar a ressurreição de Cristo, o mais importante evento de toda a religião cristã. Essas mulheres são honradas não como figuras subservientes, mas como essenciais para a narrativa e a missão cristã.

No debate atual sobre o aborto, a religião cristã frequentemente é acusada de tentar controlar os corpos das mulheres. No entanto, essa visão simplista ignora a complexidade da ética cristã, que valoriza a vida desde a concepção até a morte natural. A oposição ao aborto, para muitos cristãos, não é uma questão de controle, mas de proteção de uma vida que consideram sagrada. O Papa Francisco, por exemplo, tem falado repetidamente sobre a necessidade de proteger os mais vulneráveis, incluindo os nascituros.

O cristianismo surgiu em um contexto histórico em que as mulheres eram tratadas como propriedade. A mensagem cristã, revolucionária para a época, proclamava que todos, independentemente de gênero, eram iguais diante de Deus. As cartas de São Paulo, quando lidas em seu contexto completo, mostram um respeito profundo pelas mulheres. Em Efésios 5:25, por exemplo, Paulo instrui os maridos a amarem suas esposas como Cristo amou a Igreja, ou seja, de forma sacrificial e altruísta.

Muitos conventos e abadias medievais, liderados por mulheres como Hildegard de Bingen, foram centros de aprendizado e cultura. Essas instituições não apenas promoviam a educação das mulheres, mas também contribuíam para a ciência e a medicina.

A Bíblia é rica em referências que demonstram o respeito e a dignidade atribuídos às mulheres. No Novo Testamento, Jesus Cristo frequentemente contrariava as normas culturais de seu tempo ao tratar as mulheres com um respeito incomum. Em João 4:7-30, Jesus conversa com a mulher samaritana no poço, quebrando várias barreiras sociais e religiosas. Em Lucas 8:1-3, várias mulheres são mencionadas como seguidoras e apoiadoras de Jesus, mostrando sua importância no ministério.

O apóstolo Paulo, frequentemente citado fora de contexto como um exemplo de misoginia, na verdade instruiu em Gálatas 3:28 que “Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”. Essa passagem sublinha a igualdade essencial de todos os crentes, independentemente de seu gênero.

A realidade é que as mulheres não são oprimidas pela Igreja. Muitas mulheres deram suas vidas pelo cristianismo, como Santa Agnes, Santa Cecília e Santa Anastácia, que são reverenciadas até hoje. No período medieval, quando a Igreja Católica era a fonte principal de cultura e ideias sociais, as mulheres desempenhavam papéis centrais. Elas possuíam propriedades e dominavam certos comércios, como o de papelaria. O entendimento cristão do casamento dava às mulheres status e dignidade como parceiras na construção da comunidade.

Contrariando o mito de que a Igreja Católica reprimiu a ciência e a liberdade durante a chamada “Idade das Trevas”, a realidade é que esse período foi de enorme criatividade e progresso. Foi a Igreja que preservou e promoveu o conhecimento científico. Os mosteiros e as universidades medievais foram centros de aprendizado onde se desenvolveu a ciência, a filosofia e a arte.

A ideia de que a Idade Média foi um período de escuridão e repressão é um mito popular, mas incorreto. A ciência floresceu sob a tutela de clérigos e monges, e o próprio capitalismo tem suas raízes na Itália renascentista, um período fortemente influenciado pela Igreja Católica.

A comparação do cristianismo com a distopia de O Conto da Aia é não apenas desonesta, mas também historicamente imprecisa. A obra de Margaret Atwood retrata uma teocracia fictícia que distorce e perverte princípios religiosos para justificar a opressão. No entanto, usar essa analogia para descrever a realidade cristã é ignorar os muitos exemplos de mulheres cristãs que lideraram movimentos sociais, defenderam direitos humanos e contribuíram para a paz e a justiça.

Figuras como Madre Teresa de Calcutá, que dedicou sua vida a servir os mais pobres entre os pobres, são testemunhos vivos do impacto positivo que o cristianismo pode ter na vida das mulheres. Madre Teresa não só liderou uma grande organização humanitária, mas também foi uma defensora incansável da dignidade humana em todas as suas formas.

A visão de que o cristianismo é intrinsecamente contra as mulheres não resiste a uma análise profunda e informada. Embora a história da Igreja não seja isenta de falhas, os princípios fundamentais do cristianismo promovem a dignidade, o respeito e a igualdade de todos os seres humanos.

No contexto do debate sobre o aborto, é essencial distinguir entre argumentos racionais e analogias falaciosas que apenas servem para polarizar ainda mais a sociedade. Em vez de perpetuar mitos, é crucial fomentar um diálogo baseado em fatos e respeito mútuo.

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  1. Infelizmente, não podemos omitir que o período medieval foi sim, um período triste da humanidade, onde a religião dominante matou muitos inocentes em nome de Deus. Pode ter havido avanço na ciência, mas foi não podemos esconder ou passar pano nas atrocidades cometidas pelos religiosos daquela época.

  2. Aqui mesmo nesta Revista foi publicado um artigo , se não me engano, com o título de "Vamos Censurar a Bíblia" onde o articulista enumerou e citou vários trechos da Bíblia que tratam a mulher como ser de segunda categoria, submissa. Meu comentário não enseja polemizar, mas trazer também à luz essa outra abordagem bíblica que não foi considerada neste artigo.

  3. O graaande Alexandre Borges, aqui, surpreendeu com um discernimento parcial e tendencioso. Invocou fatos bíblicos que "sustentam" o seu argumento, mas ignorou outros inúmeros, contraditórios. Gênesis Cap I, por exemplo, põe a mulher "no seu lugar" cristão, já na Criação. Abraão e Deus, mostraram à Sara e à Agar quem é que manda. Antes d apregoar que os maridos deveriam amar as suas mulheres, a ordem d Paulo foi a de proibir as mulheres de falarem nos templos e, só, e somente só, com a permissão dos maridos.

  4. Foram os seres humanos com poder político e/ou econômico que distorceram a doutrina cristã. Não nos esqueçamos que Jesus Cristo foi trocado por um criminoso. E a História está sempre se repetindo…

  5. citou trechos biblicos que ajudam seu argumento, desprezando varios outros (a maioria), que colocam a mulher como auxiliadora, submissa, e sujeita ao marido. tentou fazer uma magica retorica para justificar mil anos de avanços lentíssimos da ciência numa época caracterizada pela liderança de uma igreja sobre tudo e todos. não mencionou tb o sacrificio na fogueira de milhares de mulheres, promovido pela mesma igreja… artigo bem tendencioso…

  6. Gostei particularmente de ter abordado o fato da idade média ter passado longe de ser um período de "trevas" e atraso, tantas vezes associado ao domínio do cristianismo e da igreja católica na Europa ocidental. Esse mito tem mesmo que morrer, muito se progrediu e muito desse progresso se sob a benção da igreja e/por seus membros

  7. Existem pessoas que não querem, ou não conseguem, pensar e pesquisar e preferem apenas militar. Assim são a maioria dos pseudointelectuais presente na academia e na mídia. E existem raríssimas pessoas como Alexandre Borges que com coragem e inteligência expressam a verdade. Parabéns!!!

  8. Gostei muito da reportagem, resgata pontos relevantes que rechaça opiniões distorcidas a respeito do lugar das mulheres na religião cristã.

  9. A religião tem seu espaço e importância para a vida civilizada. É dificil apontar um caminho isento de críticas e erros, até porque as religiões são conduzidas por pessoas nem sempre santas

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