Foto: Alberto Ruy/Secom/TSE

O TSE pós-Xandão

Como o ministro pôs a Corte na vanguarda do controle às redes sociais no Brasil
31.05.24

Alexandre de Moraes encerra a sua passagem pela presidência do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta sexta-feira, 31. Não há dúvida que a Corte que ele deixa é bastante diferente daquela que encontrou.

Moraes começou seu mandato, em 16 de agosto de 2022, em meio ao período mais tenso da história da instituição. Estava a pleno vapor o esforço de Jair Bolsonaro para deslegitimar o uso das urnas eletrônicas nas eleições que se aproximavam. 

Assim como Edson Fachin e Luís Roberto Barroso, colegas do STF que o antecederam no cargo, caberia ao ministro fazer frente àquela campanha, mas com uma particularidade, que aumentava a inquietação no país: desde 2019, ele também conduzia os inquéritos sigilosos das fake news e dos atos democráticos, que miravam (e ainda miram) o grupo político bolsonarista.

“Penso que a gestão de Moraes foi a mais desafiadora que a Justiça Eleitoral teve em sua existência”, diz o advogado especializado em direito eleitoral Renato Ribeiro de Almeida. “As circunstâncias exigiam que ele fosse enérgico, e ele foi.” 

Por causa de sua dureza diante dos ataques ao resultado das eleições – baseados na afirmação mentirosa de que o sistema de votação é inconfiável e não pode ser auditado – mais de uma autoridade se referiu a Moraes, na despedida realizada nesta semana no TSE, como “o homem certo, no lugar certo, na hora certa” (ele também foi homenageado com um vídeo constrangedor de culto à personalidade). 

Na visão do próprio ministro, contudo, essa não foi a sua principal realização. Em seu discurso, ele preferiu dar destaque ao seu empenho para romper o que chamou de “cultura de impunidade das redes sociais”

De fato, foi sob Moraes que a Justiça Eleitoral se consolidou como um posto avançado não apenas de regulamentação das redes, mas também de monitoramento e repressão aos discursos políticos “indevidos” – sendo que a qualificação do que seja mentira, “informação gravemente descontextualizada”, ameaça à democracia ou à integridade das eleições cabe, em última análise, aos ministros do TSE.

Isso se deu tanto por meio de resoluções normativas como a 23.732, editada em fevereiro para reger a propaganda política nas eleições municipais deste ano, quanto pela estruturação de órgãos como a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED). 

Fachin criou esse órgão, em 2019, e Barroso o tornou permanente dois anos mais tarde. Mas foi sob Moraes que a AEED ganhou musculatura, chefiada por um delegado da Polícia Federal, que vasculha as redes com sua equipe em busca de postagens e perfis que os juízes, alertados, podem mandar tirar do ar. 

Também nesse caso, o trabalho de Moraes como presidente do TSE se confundiu com sua atuação como ministro encarregado de apontar culpados por fake news e atos antidemocráticos no STF. A diferença é que os inquéritos do STF, por mais intermináveis que pareçam, vão, sim, acabar um dia. Provavelmente, ainda neste ano de 2024. Mas burocracias como a AEED nascem para a vida eterna. 

Enquanto discussões sobre regulamentação das redes parecem bloqueadas no Congresso, medidas são postas em prática pela Justiça Eleitoral sem que se preste muita atenção.

Em 2022, a Procuradoria Geral da República (PGR), então encabeçada por Augusto Aras, chegou a questionar a constitucionalidade de regras sobre a exclusão de posts da internet pelo TSE. Argumentou que elas estabelecem sanções não previstas em lei, ampliam o poder de polícia da presidência da Corte e retiram do Ministério Público a iniciativa sobre medidas voltadas a proteger a normalidade das eleições. A ação foi julgada em dezembro de 2023, consolidando os novos poderes do tribunal. Não houve muito alarde sobre o fato. 

Alexandre de Moraes, portanto, está certo quanto ao seu legado mais duradouro. Foi sob a sua presidência, embora não apenas em razão do seu trabalho, que o TSE se firmou na vanguarda do controle às redes sociais no Brasil. 

Embora tenham impacto profundo, inovações institucionais desse tipo acabam ganhando menos destaque do que sentenças relacionadas a nomes de relevo da política. A presidência de Moraes também foi pródiga nessa seara – por vezes, com detalhes de argumentação jurídica ou articulação de bastidor que deram uma coloração política indesejável ao trabalho dos ministros. 

Um exemplo foi a punição aplicada ao PL, partido pelo qual Jair Bolsonaro concorreu à reeleição, em novembro de 2023. Com base num parecer técnico mambembe, a legenda qualificou milhões de votos registrados em um modelo de urna eletrônica mais antigo como “inconsistentes” e pediu que eles fossem desconsiderados. A medida deveria ser aplicada somente aos votos para presidente – o que daria a vitória ao seu candidato – e não para todos os demais cargos em disputa naquele ano, que trouxe ao PL os resultados mais expressivos de sua história.

Moraes respondeu rapidamente: disse que o pedido configurava litigância de má-fé e puniu o partido com uma multa pesada. O fato de o valor, 22 milhões de reais, repetir o número de Bolsonaro nas urnas foi visto como demonstração de sarcasmo.

Não há dúvida que o julgamento com maior importância política conduzido por Moraes foi o que resultou na condenação de Jair Bolsonaro a oito anos de inelegibilidade, o que o afasta de eleições até 2030. Foi a primeira vez que a Justiça Eleitoral tornou um ex-presidente inelegível.

Nesse caso, o que chamou atenção foi o timing do julgamento. O ministro Benedito Gonçalves, relator do processo e voto certo em desfavor de Bolsonaro, liberou o caso para o plenário do TSE na semana em que dois novos magistrados chegaram ao tribunal, ambos com o apadrinhamento de Moraes: André Ramos Tavares e Floriano de Azevedo Marques.

Quem assistiu às sessões ou consultou os votos sabe que a condenação tem um embasamento sólido: ao convocar embaixadores de países estrangeiros para ouvir uma arenga sobre a suposta inconfiabilidade do sistema eleitoral brasileiro, utilizando equipamentos públicos, Bolsonaro abusou dos poderes da Presidência da República e se aproveitou do evento em seu próprio benefício político-eleitoral. 

É inegável, porém, que a composição da Corte, com dois recém-chegados próximos de Moraes, impediu que houvesse surpresa ou placar apertado. O resultado foi de 5 a 2 pela inelegibilidade de Bolsonaro. 

A cassação do mandato de deputado federal de Deltan Dallagnol em maio de 2023, por sua vez, mostrou o TSE promovendo uma injustiça flagrante. O ex-integrante da Lava Jato deixou a carreira de procurador mais de um ano antes de concorrer a uma vaga no Congresso. Há uma regra clara a respeito desses casos: se alguém se desliga do Ministério Público em meio a um Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), fica impedido de disputar eleições. 

Não havia PAD contra Dallagnol quando ele se desligou do MP. Ponto. Mesmo assim, ele foi punido num julgamento relâmpago, concluído em cerca de 1h30, com base em uma hipótese: havia pedidos de investigação que poderiam se converter em PADs no futuro. Foi uma clara situação se sobrepôs ao que dizem as leis e os fatos.  

Em sua última edição, Crusoé mostrou que Alexandre de Moraes realizou um recuo tático na reta final de sua presidência. Diante da animosidade crescente dos parlamentares em relação aos ministros do STF e do TSE, ele fez gestos de apaziguamento.

Talvez mais importante do que votar a favor de Sergio Moro (União-PR), no julgamento que o livrou de perder o mandato no Senado, ele manobrou para adiar o julgamento do senador Jorge Seif (PL-SC). 

Assim, quando o processo for analisado, possivelmente em junho, o tribunal terá uma composição mais simpática ao político bolsonarista, ao menos em tese. Kassio Nunes Marques e André Mendonça estão ingressando na Corte, enquanto Moraes vai embora.

Moraes continua à frente dos processos no STF que podem levar Jair Bolsonaro à cadeia. Isso significa que ainda há muito conflito político no seu horizonte. As articulações em torno do julgamento de Jorge Seif, no entanto, mostraram um ministro disposto a compor, e não apenas a partir para o embate.

Como a acochambração política é a grande especialidade de Brasília, há que esperar para ver qual será o comportamento de Alexandre de Moraes nos próximos meses e para onde se encaminha o relacionamento entre o STF e os parlamentares, especialmente os de direita. 

Enquanto isso, no TSE, é a ministra Cármen Lúcia quem assume a presidência. Ela é mais discreta que Alexandre de Moraes, mas também é tida como linha dura. Deve sentir-se à vontade na estrutura montada por seu antecessor. Não precisará avançar nem retroceder, apenas desfrutar do legado de Xandão.  

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  1. A CONDENAÇÃO DE DELTAN FOI INSCONSTITUCIONAL E DESPROVIDA DE PROVAS. SÓ CONJECTURAS. TIPICO DE UM PAÍS DE BANANAS.

  2. O CNJ tendo como corregedor este bost@ Salomão afastou 2 desembargadores que julgaram processos da Lava Jato. Sem processo administrativo, alegando que não obedeceram decisões de Bostoffoli. Não há nada que preste no judiciário.

  3. Seu legado é péssimo. Transformou a justiça eleitoral em censura das redes sociais inclusive para além do período eleitoral e intensificou a percepção de que as instâncias superiores são políticas e não de justiça. O gênio que ele soltou da lâmpada, com a censura escancarada já não volta para dentro dela. Não tenho fé alguma na Cármen Lúcia, a ministra que admitiu que estava instaurando censura e mesmo assim votou a favor da mesma. Os demais ao menos tinham a desfaçatez de não o admitir

  4. Carmen Lúcia se omitiu diante dos desmandos de alguns ministros. Não só ela. TODOS SE OMITEM DIANTE DE BIZARRICES DE 3 OU 4 TOGADOS. Parece que o stf inteiro gostou das bizarrices. Um lidera a derrota do bolsonarismo, outro perdoa multas bilionárias de corruptos confessos, outro ofende a tudo e a todos, viaja para a Europa para cuidar de seus negócios, outro lidera um inquérito sem pé nem cabeça referendado pelo pleno e por aí vai

  5. O Moraes trabalhou muito no TSE. Gostaria desse empenho nos casos de políticos corruptos pra tentar melhor horizonte pro país

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