Todos contra Dodge: os bastidores da sucessão na PGR
Há cinco anos em evidência na cena nacional graças à Lava Jato e aos seus desdobramentos, o Ministério Público goza de um prestígio incomum à maioria das instituições brasileiras. Incumbido de atuar como fiscal da lei, só em decorrência da operação, procuradores denunciaram quatro ex-presidentes da República, dois ex-presidentes da Câmara, uma centena de políticos...
Há cinco anos em evidência na cena nacional graças à Lava Jato e aos seus desdobramentos, o Ministério Público goza de um prestígio incomum à maioria das instituições brasileiras. Incumbido de atuar como fiscal da lei, só em decorrência da operação, procuradores denunciaram quatro ex-presidentes da República, dois ex-presidentes da Câmara, uma centena de políticos e empresários e recuperaram mais de 13 bilhões de reais por meio de acordos de colaboração. Mesmo surfando nesses números, e na popularidade que eles trazem, o ambiente interno não é lá dos mais pacíficos. No momento, o órgão vive a disputa mais acirrada de sua história para definir quem o chefiará pelos próximos dois anos.
O presidente Jair Bolsonaro tem até setembro para definir quem será o próximo procurador-geral da República, responsável por comandar o Ministério Público da União, que engloba o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios. Trata-se de uma máquina poderosa graças ao conhecido poder da caneta de seu chefe e graças a seu gigantismo no universo do serviço público – são mais de 21 mil funcionários, dos quais quase 3 mil são procuradores, e um orçamento anual que passa dos 4 bilhões de reais (na foto acima, a sede da PGR, em Brasília).
Parte dos ânimos exaltados na corrida pela cadeira de procurador-geral, ora ocupada por Raquel Dodge, é consequência do clima de acirramento político que o país vive, com disputas ideológicas que se refletem internamente no órgão. Além disso, a disputa esquentou graças ao movimento da própria Dodge de romper com uma prática que vinha sendo adotada há 16 anos, ao anunciar seu interesse de ser reconduzida ao cargo sem participar da eleição interna organizada pela categoria por meio da Associação Nacional dos Procuradores da República, a ANPR. “Eu estou à disposição, tanto da minha instituição quanto do país, para uma eventual recondução, eu não sei se isso vai acontecer”, disse Raquel a jornalistas na semana passada, em São Paulo.
A eleição está marcada para esta terça-feira, 18. Dez procuradores se inscreveram. Embora não haja qualquer norma legal que obrigue o presidente a escolher o nome entre os mais votados na eleição interna, tem sido tradição nos últimos anos que o PGR saia da lista tríplice elaborada a partir do resultado do pleito. Dodge, que sucedeu Rodrigo Janot, foi escolhida por Michel Temer. Ela não havia sido a mais votada, mas ao menos integrava a lista tríplice – ficou em segundo lugar.
Embora não tenha garantido que baseará sua decisão no resultado da tradicional eleição interna, Bolsonaro já indicou que vai aguardar a lista para anunciar sua escolha. Enquanto isso, na campanha interna para a eleição desta terça, todos se unem contra Dodge – especialmente por ela estar se posicionando por fora na corrida, ainda que sem muito alarde, sem submeter seu nome ao crivo dos colegas.
Avessa a holofotes e sem encampar a bandeira da Lava Jato de forma enfática como fazia seu antecessor, Raquel Dodge goza da simpatia dos políticos. De perfil discreto e centralizadora, ela conta com apoios relevantes para ser reconduzida. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e o presidente do Supremo, Dias Toffoli, estão entre os que querem vê-la no cargo por mais dois anos. A procuradora também tem como defensor Ronaldo Caiado, o governador de Goiás, seu estado natal. Caiado é aliado de primeira hora do presidente da República.
Ainda na campanha presidencial, Bolsonaro chegou a sinalizar que não tinha interesse em reconduzi-la ao cargo. Hoje, porém, o presidente já dá sinais de que pode mudar de ideia. Recentemente, ele declarou que “todos são bons nomes” ao ser indagado sobre a disputa e, especificamente, sobre a situação da atual procuradora-geral.
No Palácio do Planalto, Dodge tem outro defensor cuja opinião pode ser importante na decisão do presidente. Trata-se do subchefe de Assuntos Jurídicos da Casa Civil, Jorge Antônio de Oliveira Francisco, cuja mulher é funcionária de carreira da PGR, e subordinada à atual chefe da casa. Policial Militar na reserva e advogado, Oliveira trabalhou por muitos anos no Congresso e assessorou o então deputado Jair Bolsonaro e seu filho, Eduardo Bolsonaro, antes de ser chamado para o posto na Casa Civil. Homem de confiança do presidente, ele foi padrinho de casamento de Eduardo e tem apresentado Dodge ao presidente como uma pessoa “previsível” que não causará transtornos ao governo. No domingo, 9, ele visitou Bolsonaro na Granja do Torto e reforçou o nome de Raquel.
Se por um lado o perfil de Raquel é atrativo para o mundo político, por outro, os dez procuradores que concorrem a um lugar na lista tríplice são unânimes em considerar que o gesto dela de tentar a recondução “por fora” é prejudicial à categoria e à própria instituição.
Dos dez candidatos à lista, seis são subprocuradores-gerais e estão, portanto, no topo da carreira: Antônio Carlos Fonseca da Silva, Mário Bonsaglia, José Bonifácio de Andrada, Luiza Frischeisen, Nívio de Freitas e Paulo Eduardo Bueno. Outros quatro são procuradores regionais, com atuação na segunda instância do Poder Judiciário: Blal Dallou, José Robalinho Cavalcanti, Vladimir Aras e Lauro Cardoso.
Os “candidatos”, em público ou nos bastidores, compartilham do entendimento de que a escolha da atual PGR ou de algum outro outsider seria um tiro no pé do próprio presidente, eleito com o discurso de combate à corrupção e de respeito à independência do MP e da PF. Eles têm dito, ainda, que o desconforto da categoria poderia deixar a instituição fora de controle.
À diferença do Judiciário, onde há uma hierarquia mais rígida entre as diferentes instâncias, no caso do MPF cada procurador tem autonomia para atuar, sem necessariamente ter de obedecer à cadeia de comando da instituição. Isso pode fazer com que os descontentes se rebelem, causando transtornos com ações contra medidas do governo.
Outra crítica recorrente que os candidatos fazem a Dodge guarda relação direta com a Lava Jato. Eles dizem que ela teria atuado para “frear” a Lava Jato desde assumiu o cargo, por indicação de Temer em 2017. Se, por um lado, ela teve que corrigir alguns equívocos da gestão Janot, como os episódios da delação da JBS conduzida por Marcelo Miller e de outras colaborações consideradas frágeis, por outro é inegável que, sob seu comando, a operação deixou de ser prioridade absoluta na PGR.
Também há menções recorrentes à atuação de Dodge na condução de investigações contra políticos proeminentes. O principal exemplo é o inquérito que investiga Rodrigo Maia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, concluído pela PF em 2017 e que até hoje não virou denúncia. Esse é um dos motivos pelos quais as forças-tarefa das principais operações do MPF emitiram uma nota conjunta em defesa da lista tríplice logo após Dodge anunciar sua disposição em ser reconduzida.
Mais do que as críticas à atual PGR e a defesa da importância da lista, entre os candidatos que disputam a eleição interna é unanime a avaliação de que os nomes da lista tríplice não podem ter um perfil que destoe da linha ideológica de Bolsonaro. Foi por essa razão, aliás, que o subprocurador-geral Nicolao Dino, um dos principais auxiliares de Janot e irmão do governador do Maranhão Flávio Dino, do PCdoB, abriu mão da disputa. Com chances de figurar entre os três mais votados, ele sabia que não teria chance de ser escolhido pelo presidente devido à oposição ferrenha que o irmão faz ao Planalto. Abriu mão da candidatura para não queimar uma das vagas da lista.
Por outro lado, passou a subir na bolsa de apostas o nome de José Bonifácio Borges de Andrada, vice-procurador-geral na gestão de Janot. Da tradicional família mineira Andrada, que está há quase 200 anos na política, Bonifácio é conservador e ligado à Igreja. Por isso, é considerado uma opção mais palatável a Bolsonaro e a sua base de apoio, além de ter também um bom trânsito dentro do MPF. Outro que também pode surpreender pelo perfil mais alinhado aos critérios do presidente é Lauro Cardoso, que já foi oficial das forças especiais do Exército.
Vladimir Aras, que cuidava dos processos de cooperação internacional durante os anos de Janot na PGR, é tido como nome certo na lista tríplice. Nos bastidores, também é apontado como o favorito do ministro da Justiça, Sergio Moro, pela contribuição que deu à Lava Jato. Outros que podem aparecer bem no resultado da eleição desta terça são Luiza Frischeisen, única mulher na disputa, e Mario Bonsaglia, que esteve entre os três mais votados nas duas últimas eleições internas para a formação da lista tríplice.
Assim como Dodge, há mais gente correndo por fora. É o caso do chefe do Ministério Público Militar, Jaime de Cássio Miranda, que chegou a encaminhar ofícios ao presidente e a senadores tratando da possibilidade de um procurador militar assumir a chefia da PGR. Nessa mesma situação está o subprocurador-geral Augusto Aras. Crítico da lista, ele tenta se aproximar do espectro ideológico de Bolsonaro, enviou currículo para o Planalto e chegou até a defender a “democracia militar” em entrevista. Quem o conhece, porém, sabe que ele nunca foi, de fato, de direita e chegou até a promover um jantar em sua casa, em 2013, com lideranças do PT, incluindo o ex-ministro José Dirceu.
Bolsonaro, vale repetir, não tem obrigação de escolher alguém da lista. Embora todos os últimos escolhidos fossem subprocuradores-gerais -- integrantes, portanto, do topo da carreira do MP --, a Constituição diz que o presidente pode escolher qualquer membro do MPU que tenha mais de 35 anos de idade. O passo seguinte à decisão do presidente é o envio do nome ao Senado, onde o escolhido deve ser sabatinado e, depois, submetido ao crivo do plenário. Para sentar na cadeira, ele precisa dos votos de ao menos 41 dos 81 senadores.
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Comentários (10)
Aderbal
2019-06-18 21:01:08Está na cara que a Dodge é uma engavetadora!!!
Jaime
2019-06-18 15:29:05Chega de pasmaceira e pamonhice na PGR. Dodge fora.
Roberto
2019-06-18 08:57:28Dodge, depois dos 100.00 começa a "pifar"...Sou mais pela renovação...
José
2019-06-18 02:45:13Isto está me lembrando os tempos da ditadura militar, quando se aproximava a escolha do próximo 'General Presidente'. Era tudo resolvido nos quartéis e depois levavam para a chancela do Congresso. João Figueiredo, por exemplo, não liderava as apostas da época porque era 'General Três Estrelas'. Ganhou sua quarta estrela um pouco antes da indicação do Comando Militar para ser o último presidente, que deveria promover a abertura política do país. O povo, como sempre, de fora destas decisões.
Jazz
2019-06-18 01:27:31Tendo o apoio do Toffoli e do Rodrigo Maia, já se tem um ótimo motivo para não ser escolhida.
Jales
2019-06-17 20:20:49A escolha certamente deve um profissional alinhado com as ideias de mudança e prática mais republicana, rigor da lei, principalmente por aqueles agentes públicos que ocupam cargos chaves na estrutura organizacional do Estado.
Lúcia
2019-06-17 17:54:56O Presidente deve colocar Deltan Dallagnol 👏👏
Marcos
2019-06-17 16:49:22#Deltan Dallagnol, Presidente!
Carlos
2019-06-17 15:38:27MITO vai escolher um Promotor Militar! kkkkkk Chora PETRALHADA
Sidney
2019-06-17 14:50:09O Presidente soo n pode ser Amador nessa decisão importantíssima tal qual descreve tão bem a Excelente Reportagem da Crusoe ( Parabéns sempre ) Um baita abraco