Queda de Assad mostra o que decide o jogo no Oriente Médio
Não há motivos para ter esperanças democráticas nos novos acontecimentos do Oriente Médio. São os rifles, os drones e os mísseis antitanque que decidem o futuro daqueles povos
A derrubada do ditador sírio Bashar Assad neste domingo, 8 de dezembro, mostra qual é o fator que decide o jogo no Oriente Médio: a força.
Assad foi deposto por terroristas armados com rifles, drones e mísseis antitanque.
O grupo Hayat Tahrir al-Sham, HTS, uma dissidência da Al Qaeda, foi treinado e financiado pelo autoritário Recep Tayyp Erdogan, presidente da Turquia.
A ilusão da Primavera Árabe
O acontecimento histórico deste domingo, 8, é a realização de um sonho que foi nutrido na Primavera Árabe, em 2011.
Contudo, os jovens que naquela época saíram para protestar contra a ditadura de Assad foram todos mortos.
A onda de protestos em países árabes que teve início em 2010, quando um vendedor de frutas ateou fogo ao próprio corpo na Tunísia, prometia derrubar ditaduras e espalhar democracia pela região.
Naquela época, falava-se muito do potencial democrático das redes sociais em ajudar a comunicação entre as pessoas — argumento oposto ao que é usado pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, STF.
Barack Obama
O presidente americano Barack Obama foi um dos que ingenuamente deixou se encantar pelas manchetes dos veículos de imprensa do Ocidente.
"Por seis meses, testemunhamos uma mudança extraordinária acontecendo no Oriente Médio e no Norte da África. Quadra por quadra, cidade por cidade, país por país, o povo se levantou para exigir seus direitos humanos básicos. Dois líderes se afastaram. Mais podem seguir", disse Obama em um discurso em maio de 2011.
A ilusão não durmou muito.
O Oriente Médio não se tornou uma região mais democrática depois da Primavera Árabe.
Na Tunísia, protestos levaram à queda do presidente Zine el Abidine Ben Ali. Os governos que se seguiram, contudo, temem a tomada por islamistas radicais.
No Egito, o ditador Mubarak foi deposto para a ascensão, por via eleitoral, da Irmandade Muçulmana. Com o país à beira de se tornar uma teocracia, os militares tomaram novamente o poder.
Na Líbia, o ditador líbio Muammar Kadafi caiu, e o território passou a ser disputado por líderes tribais comandando milícias bem armadas.
Pós-Assad
Não há qualquer sinal de que haverá algo de democracia no cenário pós-Assad na Síria.
O HTS quer implantar um regime baseado na lei islâmica, a sharia — objetivo de todos os grupos terroristas muçulmanos.
O padrinho do grupo, Erdogan, empurrou a Turquia — que já foi elogiada em um passado distante como sendo uma exceção democrática entre países muçulmanos — para o autoritarismo.
Ele ainda passa boa parte do seu tempo promovendo grupos terroristas, como o HTS e o Hamas.
Curdos e drusos
Vídeos publicados redes sociais mostraram mulheres jovens festejando a queda do regime de Assad ao sul da Síria, em regiões que foram tomadas por soldados curdos e drusos.
Não há dúvida de que o fim do governo de Assad é um alívio para muitas minorias, principalmente curdos e drusos.
Mas um governo comandado por terroristas pode ser muito pior.
Curdos e drusos poderão ser trucidados em seguida.
O chefe do HTS tem dito que a tomada de Damasco é um caminho para a conquista de toda a Síria.
Se curdos e drusos quiserem viver em paz, eles não terão outra alternativa a não ser pegar em armas (os israelenses, se não tivessem feito isso, hoje nem sequer existiriam).
A perspectiva para os curdos não é nada boa, uma vez que o presidente eleito Donald Trump disse nas redes sociais que essa não é uma guerra para os Estados Unidos.
"A Síria é uma bagunça, mas não é nossa amiga, e OS ESTADOS UNIDOS NÃO DEVEM TER NADA A VER COM ISSO. ESTA NÃO É NOSSA LUTA. VAMOS DEIXAR ROLAR. NÃO SE ENVOLVA!", publicou Trump nas redes sociais neste sábado, 7.
Finalmente, um Estado para um povo
Os curdos sempre foram conhecidos como um povo sem Estado, com sua população dividida entre Iraque, Síria, Turquia e Irã.
A queda de Assad, por sua vez, dá esperança de que o território ao leste da Síria permaneça sob domínio curdo por mais tempo e possa governar a si própria.
Esse povo que valoriza o papel da mulher na sociedade e tem inspirações democráticas, enfim, poderia constituir um Estado.
O problema é que, se quiserem alcançar esse objetivo, os curdos terão que brigar com quase todo mundo.
Um dos principais motivos para Erdogan ter financiado o HTS foi conter os curdos, principalmente o grupo terrorista PKK, que atua dentro da Turquia e no norte do Iraque.
Mahsa Amini
O Irã teme que a sua região curda se torne um foco de instabilidade.
Vale lembrar que Mahsa Amini, a menina que foi assassinada pela polícia iraniana por se recusar a usar o véu, era curda. Vários protestos ocorreram na sua região.
Curdos turcos, iranianos e iraquianos provavelmente tentarão ajudar seus amigos e parentes na Síria.
Ocidente
Israel historicamente tem sido simpático à causa dos curdos.
Há hoje 900 militares auxiliando os curdos na Síria. Se Trump decidir tirá-los de lá, as chances de um Estado curdo diminuem consideravelmente.
Infelizmente, as ilusões não costumam durar muito no Oriente Médio.
Afinal, nessa região, o que decide o jogo são os rifles, os drones e os mísseis antitanque.
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Comentários (5)
João Bento Corrêa Lima
2024-12-08 16:41:45Gostei! Excelente matéria
ALDO FERREIRA DE MORAES ARAUJO
2024-12-08 16:40:15A grande chance de um estado curdo independente se deu ao fim da Primeira Guerra Mundial, mas militares e diplomatas ocidentais acharam melhor manter uma Turquia (que era aliada da Alemanha na guerra) forte junto à fronteira com a URSS. Armênios e curdos foram traídos no processo. A Turquia mantêm uma política de hostilidade à minorias desde 1913, ano em que perdeu os territórios que ainda controlava nos Bálcãs sobrando só a pequena parte que ainda detém. Os territórios que hoje compõem a Síria, Iraque, Líbano, Israel e Jordânia foram divididos entre a Grã-Bretanha e França, só ficando independentes bem depois. É, os árabes que ajudaram a derrotar os turcos também foram traídos.
Mara
2024-12-08 16:00:04Duda, nos relembre sempre desses fatos. Por ora, obrigada!
Marcio de LIma Coimbra
2024-12-08 15:19:48Um dia e espero que seja brevemente, alguém mostrará que 'grande estadista' foi ?Barack Obama. De fala fácil mas brilhantemente $%&$!
Marcio de LIma Coimbra
2024-12-08 15:17:35Que novidade! Jamais pensei que a força fosse algo a ser considerado exceto no Castelo de Greyskull ou na série de George Lukas...