Alexandre Loureiro/COBO uniforme, criado pela Riachuelo, vem sendo amplamente criticado

Por que o uniforme do Brasil nas Olimpíadas é tão, mas tão ruim?

26.07.24 09:37

Um dos pressupostos mais conhecidos da moda diz, resumidamente, que “roupas falam” — isso é, que as peças usadas por um indivíduo carregam uma mensagem tão poderosa que podem sobrepor quem ele realmente é. Por isso, durante a cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris nesta sexta-feira, 26, os 274 atletas brasileiros passarão uma mensagem de desânimo ou mesmo de uma falta de inspiração na sua maneira de se expor ao mundo. Tudo graças a seu uniforme — que virou o tema da semana e uma unanimidade nacional: todo mundo odiou.

As peças, desenhadas pela loja de departamento Riachuelo, compõem um projeto especialmente trabalhado ao menos desde 2021 junto ao Comitê Olímpico Brasileiro (COB). O resultado final da parceria, apresentado em abril, passou agora da crítica à repulsa: os torcedores chamaram a atenção para a falta de identificação brasileira nas peças, que carregam poucos símbolos brasileiros ou uma noção mais ousada de design.

Atletas e ex-atletas chamaram a atenção para a falta de cuidado com a própria apresentação das vestimentas — que poderiam representar a importância do momento. Fernando “Balotelli”, do decatlo, chamou a atenção para o tamanho da mochila dada pela Puma para que ele (que disputa dez esportes) carregue seu material. Márcia Fu, a desbocada medalha de bronze em Atlanta 1996 pelo vôlei, foi Márcia Fu ao reagir. “Péssimo gosto. Uma porcaria, não gostei. Eu acho que as meninas mereciam coisa melhor. A nossa delegação merecia, com certeza, coisa melhor. Horrível”  

Em uma época de redes sociais, a comparação foi inevitável. A delegação da Mongólia, com cerca de 30 atletas, deixou o uniforme na mão de uma dupla de designers locais conhecido como a “Chanel Mongol”. Eles colocaram nas peças detalhes tradicionais da cultura local.  Ao menos neste quesito, o país (que tem apenas dois ouros em toda a história olímpica) já é uma campeã no soft power, e terá os holofotes sobre si na cerimônia de hoje.

A Coreia do Sul apostou em um uniforme moderno de alfaiataria para sua delegação. E os Estados Unidos contrataram a Ralph Lauren para expor sua imagem— que, se não ficou excepcional, ao menos mostrou uma variedade justa de peças.

Em uma entrevista ao portal Uol, a responsável pelo marketing da Riachuelo, Cathyelle Schoreder, tentou explicar que a peça buscou passar simplicidade e teve sim inspirações na moda parisiense — mais especificamente no chamado New Look“, conjunto eternizado por Christian Dior em 1947. Com a saraivada de críticas, a marca entrou em contenção de uma crise inesperada. “Queremos ouvir, acolher as opiniões dos consumidores e aprender. São muitas pessoas envolvidas nesse processo [de criação] e todo mundo que participou se entregou de alma e de coração. Todo mundo colocou o seu melhor”, disse.

Discurso vestimentar

Um quipá, um lenço árabe ou uma jaqueta de couro cheia de tachinhas: a mensagem que qualquer vestuário passa simplesmente por ser existir é chamada de “discurso vestimentar” e serve a diversos propósitos — para identificação de grupos (como com camisas de futebol), pudor (como a função de cuecas, calcinhas e capacetes),ou projeção de alguma imagem (pense na luxuosa roupa de um papa, ou no político que tenta parecer popular ao usar roupas leves). O uniforme brasileiro tem o seu discurso vestimentar — ele, no entanto, é o mais fraco possível.

“Quando olhei, pensei que não passa essa imagem de simplicidade, mas sim de conservadorismo”, analisou Kledir Salgado, professor de design de moda na ESPM, Senac e na Etec Carlos de Campos, em São Paulo. “Um design de moda se equilibra em forma, material e cor— e [no caso do uniforme] todos eles são rasos. Em forma é raso, em material é óbvio e em cor, previsível.”

Mesmo o único ponto que a Riachuelo tenta se defender — o uso de artesãs do sertão do Rio Grande do Norte, que bordaram a parte de trás da peça — foi criticado por Salgado, que lembra que as peças foram feitas por artesãs com o auxílio de máquinas de costura automáticas, com uma técnica que poderia ser repetida em qualquer parte do globo. Especialistas no setor também contestam a informação da empresa de que o uniforme é feito 100% com algodão reciclado, feito de sobras de outras peças. Uma investigação, no entanto, mostrou que as peças não teriam mais de 23% de sua composição com tecido reciclado, vindos de uma das fábricas da empresa.

De brasileiro e elogiável, apenas o chinelo: “Aquilo é brasileiro, é simples e sofisticado, com uma forma nossa. Não é feio, é uma forma brasileira”, afirma Kledir.

Fast fashion

O presidente do COB, Paulo Wanderley, parece não se importar com a crise que ficou quase toda de responsabilidade da loja. “Aqui não é Paris Fashion Week”, disse a jornalistas na capital francesa. Mas a cidade é, há 120 anos, a capital mundial da moda e celeiro das grandes novidades que vemos no setor. Delegações de vários países viram, nessa relação, a possibilidade de mostrar seus dotes na moda a partir da cerimônia de abertura. O Haiti pode estar em convulsão social há anos, mas seu uniforme inspirado em um pintor local, de tão bonito, deverá ser exposto em um museu em Porto Príncipe após os jogos.

O Brasil, parece, se esqueceu de ir fantasiado à caráter.

A escolha pelo patrocínio da Riachuelo, selada em 2021, acabou de maneira desastrosa, e lembrando que empresas de fast fashion — grandes lojas de departamento especializadas em produções de vestuário em grande quantidade, caso da Riachuelo, Zara, Shein e C&A, para citar algumas— não conseguem equilibrar a sua capacidade de produzir milhões de camisetas e calças com peças exclusivas ou originais, como se esperava neste momento das Olimpíadas. A jaqueta jeans no centro da polêmica está à venda no site da empresa a 600 reais, quase o triplo do preço de uma peça do tipo, graças ao apelo olímpico.

A crise causada pelo uniforme mostra uma falha, principalmente, na direção criativa do projeto — literalmente, o conceito que originou a proposta. Em um país coalhado de novos nomes na moda — e velhos nomes igualmente relevantes e ousados — essa crise poderia não existir se designers brasileiros menores, menos preocupados com volume de negócios e mais preocupados em criação de conceitos, pudessem desenvolver peças mais originais ou, pelo menos, mais ligados com nossa própria identidade.

José Guilherme Diniz, também professor de moda no Senac São Paulo e na Etec Carlos de Campos, não chega a concordar totalmente que a peça seja sem identidade. “O comentário ‘sem identidade’ é mais fatalista, mais inquisidor. Tem sim uma identidade, mas a questão é: quanto essa identidade, colocada, ela representa o Brasil na totalidade dele”, diz. “A reflexão melhor seria: essa identidade da roupa é para quem? Criar esta imagem deste país para quem se sentir representado?”

A fala no processo de criação, aponta Alves, vem da racionalidade dos processos de uma fast fashion. “Não havia interesse nenhum em fazer com que, plasticamente, ficasse agradável, sofisticado. E talvez o processo de criação fosse operacionalizado e racionalizado demais”, continua.

Tanto ele quanto Salgado definem o look final como “conservador”, “OK” e “modesto” e que uma peça ideal não necessariamente precisa ser de vanguarda, mas sim “modernidade”. Ambos entendem que, dado o tamanho do COB e da Riachuelo — e a quantidade de pessoas envolvidas na decisão — a escolha pelo resultado final da peça foi intencional. E que a peça não é cabível para um evento do tamanho da cerimônia de abertura das Olimpíadas. A roupa —e seus bordados de arara e onça cercado de folhas—fala o que os brasileiros não necessariamente gostariam de dizer. 

Ao fim, a mensagem que o uniforme passará na cerimônia não é muito diferente de como o país se vê em diversos outros aspectos. “É uma vitrine muito forte que mostra que a gente não tem tecnologia, que só exporta commodity e que só sabe costurar o que vem de fora, que vai mandar algodão para todo mundo e não vai saber fazer roupa.” afirma Kledir.

Leia, na Crusoé 325: A tocha apagou?

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. O que nos representa? A Amazônia, o Pantanal, as praias, o Cristo ou tudo junto e misturado? A exemplo do Haiti, poderíamos ter aproveitado isso tudo em estampas, usando peças de alfaiataria. Faltou criatividade, competência e principalmente respeito e amor ao povo brasileiro.

  2. Como designer e professora que fui durante 35 anos na PUCPR, eu mandaria essa equipe que desenhou o uniforme refazer o trabalho. A começar pela conceituação. Não diz nada sobre Brasil de hoje. De onde que jaqueta jeans representa o Brasil? E esse bordado? Se quer representar Brasil que trouxesse gente de todos os cantos do país para mostrar sua cultura. E Janja falou que esses bordados foram feitos à mão, e não com máquina como aqui descobri. Nem vou me estender a outros detalhes, não há espaço

  3. Olha eu estar lendo isso no aplicativo, e ao clicar no leia mais ser direcionado para fora e pedir a assinatura, é um absurdo.como assim?

    1. Isso acontece agora comigo. Mas agora precisamos ir na nossa conta (lado direito, superior) e refazer e-mail e senha. Talvez seja para maior segurança ao acessar o site.

Mais notícias
Assine agora
TOPO