Por que Giorgia Meloni não fará um governo radical, muito menos fascista
A líder do partido Irmãos da Itália, Giorgia Meloni (foto), de 45 anos, é a grande vencedora das eleições deste domingo, 25, e se tornará a primeira mulher a chefiar o governo do país. Sua ascensão na política italiana suscitou preocupações por causa das raízes fascistas de seu partido e de sua retórica contra imigrantes,...
A líder do partido Irmãos da Itália, Giorgia Meloni (foto), de 45 anos, é a grande vencedora das eleições deste domingo, 25, e se tornará a primeira mulher a chefiar o governo do país. Sua ascensão na política italiana suscitou preocupações por causa das raízes fascistas de seu partido e de sua retórica contra imigrantes, o "lobby LGBT" e a "ideologia de gênero". Mas as chances de que Meloni faça um governo radical ou fascista são ínfimas.
Antes de se juntar ao partido Irmãos da Itália, Meloni foi uma figura-chave da Aliança Nacional, a sucessora do partido neofascista Movimento Social Italiano, MSI. O logotipo, que mostra uma chama vermelha, branca e verde, não mudou desde então. Como a Itália nunca fez uma limpeza de seu passado fascista, como ocorreu na Alemanha, ainda há pessoas que idolatram abertamente Benito Mussolini dentro do Irmãos da Itália e de outros grupos mais extremistas.
Mas Meloni, na condição de líder do seu partido, expulsou os seus integrantes mais radicais e fez campanha tranquilizando a população. Ela insiste que seu partido não é fascista, respeita as normas democráticas e condena o antissemitismo. Suas principais inspirações são o Partido Republicano, dos Estados Unidos, e o Partido Conservador, do Reino Unido. Seu governo será de coalizão com outros dois partidos, o Forza Itália, de Silvio Berlusconi e perfil de centro-direita, e o Liga, de Matteo Salvini, sendo que nenhum deles tem como meta sepultar a democracia.
O momento internacional também não parece propício para uma onda desse tipo. Ainda que partidos da direita radical tenham tido um bom desempenho em algumas eleições, como na Suécia, não se vislumbra uma tendência populista de direita no mundo, como ocorreu após a eleição do americano Donald Trump, em 2016. Na França, Marine Le Pen foi derrotada pelo presidente Emmanuel Macron em abril deste ano, com uma diferença de dezesseis pontos percentuais. A direita radical, do Alternativa para a Alemanha, desapontou nas urnas em outubro do ano passado. Quem assumiu o governo em Berlim foi Olaf Scholz, de esquerda.
"A vitória de Meloni é interessante porque não ocorre durante uma maré populista ou de extrema-direita na Europa. É um resultado que tem explicações puramente domésticas", diz o cientista político italiano Marco Improta, professor da Libera Università Internazionale degli Studi Sociali, LUISS, em Roma. "O partido dela ficou na oposição mesmo quando seus parceiros de centro-direita se juntaram ao governo. Enquanto esses governos registravam uma baixa aprovação, Meloni explorou isso eleitoralmente."
Segundo Improta, não há motivos para acreditar que Meloni fará um governo radical. "Com ela, não há dúvida de que a Itália experimentará uma mudança para posições mais de direita na questão da imigração e direitos civis. No entanto, as instituições italianas, a mídia, as instituições europeias, os partidos da oposição e a opinião pública serão capazes de exercer um efeito moderador sobre ela", diz Improta. "Foi isso o que aconteceu em relação ao populista Movimento Cinco Estrelas e ao partido de extrema-direita Liga no passado. Então, é muito provável que essa moderação ocorrerá novamente."
A futura primeira-ministra já propôs um bloqueio naval para impedir a chegada de imigrantes ilegais da África. Mas as regras da União Europeia (UE) impedem medidas consideradas desumanas. Em 2019, o então ministro do Interior Matteo Salvini, da Liga, impediu que um barco com 147 migrantes vindos da Espanha atracasse em um porto italiano. Os migrantes, ao final, foram autorizados a desembarcar e Salvini foi julgado por um tribunal na Sicília.
A Itália precisa da UE, e Meloni sabe disso. O país recebeu 200 bilhões de euros para executar reformas e para se recuperar após a pandemia de Covid. Meloni já disse que pretende renegociar as condições desses acordos, mas não pode simplesmente abrir mão do dinheiro. "Déficits orçamentários e dívidas também podem ser um potencial freio para políticas radicais. Giulio Tremonti, que já foi ministro da Economia e Finanças de 1994 a 1995, de 2001 a 2004, de 2005 a 2006 e de 2008 a 2011 agora se juntou ao partido de Meloni. Ter um ministro experiente também pode limitar algumas das ambições radicais anteriores", diz Matthew Bergman, professor de política comparada na Universidade de Viena, na Áustria.
Além dos limites institucionais e financeiros, Meloni deve se deparar com barreiras na opinião pública italiana. Mais de 70% dos italianos aprovam o euro, a moeda que circula no bloco. Bater de frente com a União Europeia, portanto, não é uma tática inteligente. Meloni se disse contra o "lobby LGBT", contra a "ideologia de gênero" e a favor da família. Mas a lei que permite o aborto existe desde 1978 e conta com apoio de 73%. Não por acaso, ela afirmou que não tem planos de acabar com essa legislação. As uniões entre pessoas do mesmo sexo são reconhecidas desde 2016 e são aprovadas por seis em cada dez italianos.
Seu ponto que mais pode ecoar na população é a oposição à adoção de crianças por casais do mesmo sexo. Quase 70% dos italianos são contra essa possibilidade. Meloni pode insistir nesse ponto para agradar os italianos mais conservadores, num país ainda bastante católico, mas ela certamente terá muito mais o que fazer.
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Comentários (8)
ROGERIO
2022-09-29 11:26:47O fascismo nasceu da esquerda. É um de seus frutos. Não tem como alguém ser de direita e ser fascista. É uma contradição de termos.
Ivan
2022-09-26 19:59:57Ela, claramente, não é idiota e boçal como Bolsonaro. Tem inteligência para manter sua base conservadora sem fazer discursos raivosos voltados apenas para o nicho da extrema direita.
PAULO JOSE DE SOUZA MEIRELES
2022-09-26 17:49:27O fato de termos a ascensão destas lideranças, preocupa. Às instituições na Itália e a interdependência entre os países, consegue de certa forma moderar os extremistas; mas aumenta cada vez mais a insatisfação e angústia de parte da população, que são presas fáceis de populistas inescrupulosos que elegem culpados de ocasião, buscando avançar contra seus direitos humanos. Sim🇧🇷ne 15
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2022-09-26 17:04:14Análise certeira. A própria integração no projeto europeu desencoraja fortemente aventuras radicais, vejamos como a UE está apertando o cerco a volta do Orban na Hungria.
Nyco
2022-09-26 16:28:12"Dio, Patria, Famiglia", essa onda pega e vai longe.
Odete6
2022-09-26 13:40:59Na Europa - salvo algumas poucas exceções - ninguém consegue governar apenas para o seu grupelho, por isso, não importa a tendência política, os líderes são - sempre - obrigados a dosar o atendimento à diversidade de expectativas para que perdurem no poder. É o que acontece com as democracias consolidadas, é o normal para a governabilidade nos verdadeiros Estados Democráticos de Direito.
Max
2022-09-26 13:12:17Parabéns pela matéria.
Alexandre
2022-09-26 13:06:50Se a oposição na Itália realmente fizer oposição não haverá risco. Mas se a oposição de lá for igual a daqui (mancomunada com o governo), aí, ferrou.