Por que é tão difícil falar sobre eutanásia
O filme "O Quarto ao Lado", de Pedro Almodóvar e disponível na Netflix, trata com beleza de um dos temas mais perturbadores da atualidade

O filme O Quarto ao Lado (foto), do cineasta espanhol Pedro Almodóvar e disponível na Netflix, trata de um dos temas mais perturbadores no mundo de hoje: a eutanásia.
Perturbador porque suscita interrogações de todos, e não há uma resposta definitiva.
Para aqueles mais religiosos, decidir livremente pela própria morte seria um ato contra a vontade de Deus, que teria criado a vida.
Mas, mesmo entre os que têm fé, há quem pense que Deus fez sua parte apenas criando o mundo, deixando para que cada um exercesse o seu livre-arbítrio.
Entre os não religiosos, também há muita rejeição.
Admitir que qualquer um possa recorrer a uma atitude tão drástica implicaria aceitar que um ente querido — como uma amiga, no caso do filme — poderia exercer tal liberdade.
E pouca gente estaria disposta a perder pessoas amadas, mesmo que em graus avançados de uma doença, como um câncer.
Vertigem
A questão da eutanásia ainda levanta perguntas de foro íntimo.
Se a eutanásia é uma opção, então qualquer um poderia assumir esse gesto que muitas vezes é comparado ao suicídio.
Manter-se vivo, da mesma forma, não seria a realização de um projeto divino para toda a humanidade, mas o resultado de uma opção plenamente individual.
Essa liberdade para escolher entre a vida e a morte, levada ao seu extremo, chega a gerar vertigem.
Daí tantas tentativas de tentar proibir a eutanásia.
No Brasil, a eutanásia é tipificada como homicídio, dentro o artigo 121 do Código Penal.
Sócrates
Condenado por corromper a juventude e desrespeitar os deuses da cidade, o filósofo ateniense Sócrates foi condenado à morte, em 399 a.C.
Apesar de a sentença ser contrária ao seu desejo individual, Sócrates tomou a cicuta sem pestanejar.
Suas últimas horas foram descritas por Platão no texto Apologia de Sócrates.
O filósofo resignado entendia que era imperativo obedecer às leis da cidade, e agiu com calma, filosofando com amigos enquanto ainda estava saudável.
Nos seus momentos finais, Sócrates proferiu uma curiosa declaração.
"Devemos um galo a Asclépio", disse.
Remédio ou veneno
A frase, que cita o deus da Medicina Asclépio (Esculápio, para os romanos), tem múltiplas interpretações.
Uma delas é que Sócrates estaria pedindo um sacrifício em homenagem a Asclépio, cuja droga — remédio ou veneno? — estaria produzindo o efeito pretendido.
No mundo de hoje, ninguém aceitaria se submeter a uma ordem estatal para tirar a própria vida, apenas por respeito às leis da cidade, como fez Sócrates.
Da mesma forma, ainda que a lei hoje vá no sentido oposto — de proibir a eutanásia —, sua mera existência já indica que algumas pessoas estão dispostas a subvertê-la.
A pergunta que o filme de Almovódar faz para todos é como seria um mundo em que as drogas que podem tirar uma vida são baratas e podem ser facilmente compradas pela internet.
Esse mundo, se já não existe, pode estar muito perto de acontecer.
Assista ao trailer de O Quarto ao Lado:
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