Por que a USP está preocupada com Alexandre de Moraes
A mera exposição reputacional com a Lei Magnitsky pode levar parceiros internacionais da universidade a adotar medidas preventivas

A Universidade Estadual de São Paulo (USP) divulgou uma nota nesta segunda, 4, em solidariedade ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes (foto).
Desde a quarta, 30, Moraes é alvo de sanções impostas pelo governo Trump, sob a Lei Magnitsky.
"A medida impõe restrições sobre propriedades e contas bancárias nos Estados Unidos, com repercussão internacional. Essas ações visam a criar constrangimento e ferir a autonomia de um dos mais destacados juízes brasileiros", diz a nota pública da USP.
Como universidade pública, não cabe à USP proferir discursos políticos.
Em um dado momento da nota, a USP afirma que Moraes é vítima de "perseguição" e que a decisão da Casa Branca seria uma "agressão despropositada".
"O ministro Alexandre de Moraes sofre perseguição porque cumpre seu dever legal, conduzindo o processo em que, não é demais lembrar, se assegura amplo e total direito de defesa aos acusados e que será analisado de forma colegiada pelo STF", diz a nota.
Mas é bem possível que a publicação da nota tenha a ver com uma preocupação da universidade sobre a sua própria situação.
Reputação e sanções indiretas
Alexandre de Moraes é professor titular de direito eleitoral na USP, em São Paulo.
A nota da USP, aliás, termina com a seguinte frase: "O professor Alexandre de Moraes sabe que não está sozinho. A USP está solidária, em sinal de respeito e admiração, por sua atuação como professor e como juiz do STF".
De acordo com as sanções impostas pela Magnitsky, "instituições financeiras e outras pessoas podem se expor a sanções por se envolverem em determinadas transações ou atividades envolvendo pessoas designadas ou bloqueadas".
"As proibições incluem a realização de qualquer contribuição ou fornecimento de fundos, bens ou serviços por, para ou em benefício de qualquer pessoa designada ou bloqueada, ou o recebimento de qualquer contribuição ou fornecimento de fundos, bens ou serviços de qualquer uma dessas pessoas", afirma a nota oficial do Tesouro Americano.
Como instituições bancárias podem perder acesso ao sistema financeiro americano caso tenham alguma relação com um alvo da Magnitsky, o esperado é que essas empresas cancelem qualquer conta de Moraes.
Crusoé perguntou para a assessoria de imprensa da USP se a universidade paga o salário de Moraes por meio de uma conta no Banco do Brasil (BB) e aguarda a resposta.
Por se tratar de um banco estatal com interferência política, o BB poderia tentar enfrentar a Magnitsky.
Contudo, o custo de uma represália americana pode ser alto demais, e o banco poderia considerar melhor fechar qualquer conta de Moraes.
Se isso ocorrer, a USP teria problemas para pagar o próximo salário de seu professor ilustre do STF.
Mas a crise pode ser ainda maior, caso fundações e empresas americanas decidam cortar laços com a universidade paulista, com medo de ter desentendimentos com o governo americano no futuro.
"As sanções previstas na Lei Magnitsky podem atingir terceiros que mantenham relações com pessoas ou entidades designadas, inclusive estrangeiros, caso seja caracterizado apoio financeiro, material ou tecnológico relevante", diz Daniela Poli Vlavianos, sócia do escritório Poli Advogados e Associados.
Impactos indiretos
"No caso da USP, uma universidade pública estadual, a manutenção de vínculo empregatício e o pagamento de salário a Alexandre de Moraes não configuram, em princípio, uma operação financeira com conexão direta aos Estados Unidos. Portanto, não há risco automático de sanções apenas por esse motivo. No entanto, se a USP mantém parcerias, convênios, intercâmbios, financiamentos ou projetos com instituições americanas, pode ocorrer um impacto indireto, uma vez que essas instituições podem ser obrigadas a rever ou suspender acordos para não violarem restrições impostas pelo governo norte-americano", afirma Daniela.
"A jurisprudência administrativa do Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (Ofac) demonstra que terceiros estrangeiros podem ser alvo de sanções secundárias caso forneçam suporte material ou financeiro significativo a um alvo de sanções. Embora o vínculo empregatício da USP com Moraes não seja, por si só, enquadrado como 'apoio material' relevante para fins da Lei Magnitsky, a mera exposição reputacional pode levar parceiros internacionais a adotar medidas preventivas, como suspensão de acordos ou programas conjuntos, para evitar riscos jurídicos e financeiros."
"Portanto, juridicamente é correto afirmar que existe um risco indireto e reputacional, sobretudo no que diz respeito às relações da USP com instituições americanas, mas não há previsão legal de que o simples pagamento de salário a um professor sancionado enseje, por si só, a imposição de penalidades à universidade. O risco maior seria a dificuldade de manutenção de parcerias e financiamentos internacionais", diz Daniela Poli Vlavianos, da Poli Advogados e Associados.
O advogado Enrique Natalino, especialista em direito internacional, concorda que há um risco para a universidade.
"Caso a USP mantenha remuneração, cooperação acadêmica ou transações financeiras com o professor sob sanções — especialmente se envolverem instituições, serviços ou moedas sob jurisdição americana —, ela poderá ser, em tese, enquadrada como entidade associada a um alvo de sanções, sujeita a sanções secundárias, como bloqueio de repasses, suspensão de convênios e restrições no sistema financeiro internacional", diz Natalino.
"A USP pode, institucionalmente, acionar o Ministério das Relações Exteriores, a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil e organismos multilaterais para questionar a legitimidade e a compatibilidade das sanções com o direito internacional, com base nos princípios da soberania e da não intervenção. Internamente, pode ainda produzir pareceres jurídicos sustentando a autonomia universitária prevista no art. 207 da Constituição Federal, reafirmando a legalidade de suas decisões administrativas e defendendo sua independência diante de imposições externas sem respaldo no ordenamento jurídico nacional. De todo modo, o enquadramento de Alexandre de Moraes e uma possível extensão de sanções para entidades como o STF ou a USP criam embaraços jurídicos e institucionais inéditos, já que até hoje nenhum brasileiro, especialmente um agente público, um magistrado ou um professor de universidade pública, foram punidos pela Lei Magnitsky ou por qualquer outra legislação de caráter unilateral semelhante", diz Natalino.
Leia em Crusoé: Castigo Magnitsky
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Comentários (1)
Alexandre Ataliba Do Couto Resende
2025-08-04 16:28:11Esse pessoal ainda não foi capaz de entender o que é essa tal lei. Na no dia em que, de uma hora para outra, perderem toda conexão com entidades externas, vai sobrar somente o "jus sperniandis". Nada mais poderá ser feito.