O que realmente pensa a AfD
Conheça o partido de direita alemão vigiado como “extremista” pelo serviço de inteligência

A Alemanha vive um teste institucional raro. Em 2 de maio, o órgão que cuida da proteção da Constituição passou a tratar a Alternative für Deutschland (Alternativa para a Alemanha, ou AfD) como grupo "extremista" de direita, decisão que autoriza escutas e infiltrações.
Apesar do alarme, há quem enxergue tratamento desigual.
Em 2008, Christel Wegner, deputada comunista pelo Die Linke, elogiou o Muro de Berlim e defendeu a recriação de uma polícia política à moda da Stasi – nem ela e nem seu partido foram alvo do mesmo rigor.
Mais tarde, Sahra Wagenknecht ignorou homenagem a Shimon Peres, atacou sanções contra Moscou e chamou Gaza de "prisão a céu aberto". Nenhum inquérito.
Colegas do Die Linke visitaram Donetsk e Lugansk, fizeram campanha pela dissolução da Otan e continuam livres de monitoramento. A discrepância alimenta a tese dos diferentes pesos e medidas.
Coalizão
O anúncio do monitoramento da AfD partiu no primeiro mês do governo de coalizão entre democrata‑cristãos e social‑democratas, formado para enfrentar inflação alta, insegurança e queda de confiança na União Europeia. A AfD recorreu à Justiça, alegando perseguição política e violação da liberdade partidária.
Fora da Alemanha, a AfD recebeu manifestações explícitas de apoio. Em 20 de dezembro de 2024, Elon Musk publicou na rede X a frase “Só a AfD pode salvar a Alemanha”, apoio reiterado em vários posts nas semanas seguintes.
Em janeiro, o bilionário voltou ao tema durante uma conversa transmitida ao vivo com a candidata Alice Weidel (foto), lider do partido, elogiando a defesa de fronteiras rígidas e o retorno da energia nuclear.
Viktor Orbán
O respaldo também veio de Budapeste. Em fevereiro, o primeiro‑ministro húngaro Viktor Orbán recebeu Weidel na sede do governo e descreveu a convidada como “o futuro da Alemanha”, chamando a Hungria de “guarda de fronteira” do país vizinho e saudando a convergência entre as posições dos dois partidos em imigração, energia e política familiar.
Nos Estados Unidos, a decisão dos serviços de segurança alemães de rotular a AfD como extremista foi questionada por representantes do primeiro escalão do governo Trump.
O secretário de estado Marco Rubio escreveu que a medida revelava “tirania disfarçada” e deveria ser revista; no dia seguinte, o vice‑presidente JD Vance acusou a burocracia alemã de “tentar destruir a oposição” e comparou o monitoramento do partido à volta de um “muro de Berlim político”.
Criação
O partido nasceu em 2013 com economistas que denunciavam a economia da zona do euro.
No primeiro manifesto, declaravam que o euro “fracassou” e pediam a volta do marco alemão. O fluxo de refugiados de 2015 deslocou o eixo do discurso.
A AfD passou a defender fronteiras rígidas, cultura nacional baseada na tradição cristã e consultas populares sobre decisões europeias. Hoje, frequenta o segundo lugar nas sondagens nacionais e lidera em quatro estados do leste.
Os três pilares da AfD
No programa aprovado para as eleições de 2025, três ideias aparecem de forma repetida.
A primeira é a soberania. O texto critica a União Europeia por concentrar poder e exige a devolução de competências.
Se isso não ocorrer, propõe plebiscito sobre a permanência alemã no bloco e mantém a possibilidade de um “Dexit” como último recurso.
A segunda ideia é a identidade cultural. A AfD quer a língua alemã reconhecida na Constituição e afirma em seu programa que “a Alemanha é um país de raízes ocidentais e cristãs”.
A terceira é a defesa da família formada por pai, mãe e filhos. O partido promete incentivos fiscais para elevar a taxa de natalidade de alemães nativos, vista como alternativa ao uso de imigração para suprir mão de obra.
Alice Weidel
O curioso é que Alice Weidel, a líder do partido, é homossexual assumida, casada com Sarah Bossard, uma cineasta natural do Sri Lanka. Elas têm dois filhos e vivem na Suíça, alegadamente por questões de segurança.
Fronteiras e cidadania aparecem como tema central no programa da AfD.
O projeto eleitoral pede controles rigorosos, limita os pedidos de asilo a perseguições diretas e retira o direito à naturalização automática por nascimento.
Deportações
Anuncia um “programa amplo de deportações” que começaria por estrangeiros condenados por crimes graves. O partido também quer proibir a dupla cidadania fora de casos muito específicos e exigir proficiência em alemão para qualquer pedido de residência permanente.
No capítulo sobre a União Europeia, a sigla descreve o euro como “construção falha” e defende caminho organizado para restaurar uma moeda nacional.
A AfD questiona o Fundo de Recuperação europeu, classificando‑o como mutualização de dívidas que pune contribuintes alemães.
No plano interno, propõe uma alíquota de imposto de renda mais baixa, simplificação do código tributário e fim de impostos sobre herança e patrimônio.
A política ambiental segue uma linha cética.
A AfD escreve que “não existe emergência climática causada pelo homem” e quer retirar o país do Acordo de Paris.
Defende a reabertura de usinas nucleares desativadas, manutenção do uso do carvão como combustível e importação de gás russo barato. Para justificar, sustenta que os preços de energia elevados estão afugentando a indústria pesada.
Sobre segurança interna, o programa da AfD pede aumento do efetivo policial, redução da maioridade penal para doze anos em casos graves e classificação de grupos antifascistas radicais como organizações terroristas.
Na política externa, a sigla fala em pragmatismo, maior investimento nas Forças Armadas e independência estratégica em relação aos Estados Unidos, sem romper com a Otan.
"Extremista"
A decisão do serviço de inteligência de classificar a AfD como "extremista" se sustenta em dois argumentos centrais.
Primeiro, afirma que a AfD adota visão de povo baseada em origem étnica e, portanto, fere o artigo 1º da Lei Fundamental, que garante dignidade a todos.
Segundo, vê incitação contra muçulmanos e estrangeiros em discursos de dirigentes. O relatório destaca o uso recorrente da palavra “remigração” em atas internas, entendida como projeto de expulsão em larga escala.
Mesmo assim, as frases mais citadas pelos críticos vêm de figuras regionais que já foram desautorizadas pela própria sigla.
Holocausto
“Não queremos um monumento da vergonha bem no coração de Berlim”, disse Björn Höcke em 2017, referindo‑se ao Memorial do Holocausto.
A direção nacional reagiu na hora: divulgou nota reafirmando que “a responsabilidade alemã pelos crimes do nacional‑socialismo é inegociável” e alertou que a fala não reflete a linha oficial do partido.
Outro exemplo recente: em 2024, o eurodeputado Maximilian Krah declarou que “nem todo integrante da SS foi automaticamente criminoso”.
A repercussão interna foi imediata. Krah perdeu espaço na campanha europeia e se retirou da linha de frente, enquanto a executiva classificou a frase como “historicamente insensível e contrária aos nossos princípios estatutários”.
Defesa
O partido responde que opera sempre por meios democráticos, participa de eleições regulares e nunca propôs abolir instituições.
Diz que “remigração” significa apenas cumprir leis existentes e deportar quem está ilegalmente no país.
Ressalta que seus programas oficiais condenam “qualquer forma de ditadura, passada ou futura” e que debates históricos sobre o nazismo pertencem à liberdade de opinião, não ao incentivo ao crime.
Sem acordo político, a disputa sobre o que realmente quer a AfD e seu compromisso com a democracia segue em duas arenas.
Nos tribunais, juízes avaliarão se a classificação de extremismo respeitou critérios legais ou extrapolou avaliação política. Nas urnas, o eleitor decidirá se as promessas de soberania, fronteiras firmes e ceticismo climático representam alternativa legítima ou radicalismo inaceitável.
O texto dos programas dá pistas claras do caminho que a AfD defende para a Alemanha.
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