O poder dos palavrões ao redor do mundo
Xingar é uma prática presente em todas as culturas, mas os temas e os limites variam de forma surpreendente

Outro dia, lendo uma antiga reportagem de 2015 do jornalista James Harbeck, da BBC, fiquei fascinado pelo seu tema universal, embora frequentemente marginalizado: os palavrões.
Com base em estudos linguísticos, observações antropológicas e exemplos culturais, ele mostra como a linguagem ofensiva é uma expressão profundamente humana — e variada — com raízes que vão muito além do mero vocabulário vulgar.
O texto destaca que xingar é uma prática presente em todas as culturas, mas os temas e os limites variam de forma surpreendente. O linguista Steven Pinker, citado na matéria, organiza o uso dos palavrões em cinco funções distintas: descritiva, idiomática, abusiva, enfática e catártica.
Isso ajuda a entender por que xingar não é apenas "falar feio", mas sim um instrumento de expressão emocional, muitas vezes com implicações sociais e culturais.
No mundo ocidental, especialmente nas línguas de origem latina e eslava, os xingamentos e palavrões frequentemente recorrem à sexualidade — principalmente à figura da mãe e à prostituição.
Expressões como “f... sua mãe” não são apenas insultos: elas tocam estruturas patriarcais e familiares profundamente enraizadas. Nessas culturas, a família estendida tem forte presença, o que explica por que xingamentos podem incluir o avô, os ancestrais ou toda a árvore genealógica.
Já na Finlândia, sob influência histórica do cristianismo luterano, os insultos mais pesados envolvem referências religiosas. Palavras como saatana (Satanás) e helvetti (Inferno) são mais impactantes do que insultos sexuais.
Essa herança linguística remonta à atuação de missionários e ao rígido controle moral imposto pela Igreja na região. O mesmo padrão pode ser visto em outros países nórdicos e até nos de língua inglesa, onde no passado se evitava referências diretas ao corpo de Cristo, como God’s wounds, que evoluiu para zounds.
Outra observação muito interessante é o uso da doença, um tema bastante delicado e controverso, como fonte de xingamento. Em línguas germânicas, como o holandês, termos como kanker (câncer) e tifo (tifoide) são alguns dos mais ofensivos possíveis.
O mesmo ocorre no polonês (cholera) e no tailandês, onde desejar uma doença grave a alguém é uma forma bastante enfática de insulto. Esses exemplos revelam como a linguagem ofensiva pode refletir medos sociais profundos — da morte, da dor, do castigo divino.
Outros idiomas utilizam transformações gramaticais para criar ofensas. No luganda, falado em Uganda, um prefixo pode transformar uma palavra comum em um xingamento.
No japonês, basta escolher a forma errada de se referir a alguém, especialmente usando termos inapropriados para “você”, para gerar uma ofensa séria.
Nem todo tabu é palavrão, lembra a BBC. Termos discriminatórios, como aqueles baseados em raça, deficiência ou orientação sexual, carregam peso ofensivo mesmo fora do contexto de um xingamento explícito.
Já expressões vulgares envolvendo genitália, embora comuns, variam em seu grau de aceitação: na China e na Rússia, por exemplo, referir-se ao órgão sexual feminino é uma forma usual de extravasar raiva; nas Filipinas, há até expressões envolvendo a “vagina da mãe” ditas quase com naturalidade, entre amigos.
Curiosamente, em culturas onde a higiene é um valor histórico, como na rota Inglaterra-França-Alemanha, palavrões relacionados a fezes são mais impactantes. Mas mesmo aqui há exceções: o termo skit (fezes) em sueco é usado com mais leveza.
Ao final, a reportagem sugere que, se a linguagem cotidiana é o solo onde crescemos, os palavrões seriam os vulcões — intensos, perigosos, mas reveladores. Eles mostram não só o que é proibido em uma cultura, mas também o que é sagrado, temido ou valorizado.
Ao estudar os palavrões, entendemos melhor o que é ser humano em diferentes partes do mundo e como o uso do palavrão, ao mesmo tempo, nos aproxima no sentimento de explosão emocional, mas afasta, seja pelas peculiaridades locais, seja, é claro, pelo palavrão em si, algo que quem ouve nunca gosta!
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Comentários (2)
Eliane ☆
2025-07-09 15:58:48Quando você bate o dedinho do pé ,dá uma vontade de falar um palavrão,né. Mas eu não falo, dou risada na maioria das vezes; se eu não acordo de "pá virada ".Prefiro falar paralelepípedo. Eu lembrei da "primeira dama "... Sei lá,entende ?
Liana
2025-07-09 13:18:29Muito interessante! Adorei!