"O narcotráfico na Bolívia já é terrorismo de Estado"
Crusoé conversou com o economista que teve a candidatura barrada sobre a infiltração do crime e os desafios do novo governo
A exclusão do economista Jaime Dunn (foto) da corrida presidencial da Bolívia, por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), redesenhou o Tabuleiro político do país.
Eleito com o discurso de combate ao narcotráfico e de reabertura econômica da Bolívia, Rodrigo Paz enfrentará uma grave crise institucional, de segurança e financeira.
Crusoé conversou com Jaime Dunn sobre os desafios do novo governo, a presença do narcotráfico nas estruturas estatais e os processos envolvendo os ex-presidentes Evo Morales e Jeanine Áñez.
De que forma sua inabilitação fortaleceu Rodrigo Paz?
A vitória do Rodrigo Paz não reflete uma adesão ideológica sólida, mas o resultado de uma conjuntura deformada pela crise e pela ausência real do MAS. Ele acabou se beneficiando de ambos os fatores: o colapso do velho modelo estatista e a inabilitação da candidatura que eu encabeçava. Estava forte em muitas pesquisas que tivemos acesso.
Apesar de não terem sido publicadas, mostravam com clareza que nossa proposta ampliava de maneira importante a distância entre o velho e o novo. Quando o Tribunal Supremo Eleitoral me inabilitou, milhões de eleitores ficaram órfãos.
A que o senhor atribui a alta taxa de votos nulos?
Esse eleitorado jovem, independente, aristocrático, rebelde, ansioso por liberdade, não se sentiu representado nem pelo MAS nem pela velha classe política. Por isso, muitos se refugiaram no voto nulo, que acabou sendo quase cinco ou seis vezes maior que o normal.
Outros buscaram o [Edman] Lara. Buscaram o Lara porque ele ia ser meu vice e eu também fui candidato do PDC juntamente com o Rodrigo ao mesmo tempo. Houve uma busca por renovação, que faz com que o grupo de eleitores liberais não vote pelo Rodrigo do PDC, mas vote pelo Lara, por vê-lo como símbolo do novo e pelo vínculo que mantinha comigo.
Qual é a dimensão do narcotráfico na Bolívia? Como enfrentá-lo?
Se o narcotráfico não for declarado imediatamente como atividade terrorista, não vejo a possibilidade de uma vitória completa, rápida e contundente. O narcotráfico na Bolívia já não é mais um crime comum. É uma estrutura política, econômica e paramilitar que infiltra a justiça, corrompe a polícia e está permeado por todo o âmbito político.
No meu programa de governo, está expressamente estabelecido que o narcotráfico é terrorismo de Estado, porque destrói a República da Bolívia por dentro. Está muito enraizado em tudo.
De que forma os EUA e a DEA podem auxiliar Paz nesse combate?
Há uma diferença importante. No caso do Rodrigo, fala-se muito em uma “luta integral”, em uma nova estratégia nacional. Mas, se a política antinarcóticos dele se limitar a controles aéreos, convênios burocráticos e acordos com a DEA, isso será insuficiente. A DEA é importante, mas também a OFAC, a Interpol e a inteligência regional dos países vizinhos.
Os Estados Unidos não devem ser vistos como inimigos, a DEA deve ser uma aliada indispensável nessa luta. Então, eu celebro muito que ele esteja avançando no tema da DEA, mas tem que ser, como te digo, um tema de resultados.
Se o narcotráfico tivesse sido declarado — ou se fosse declarado — como terrorismo, a ajuda seria muito maior.
O que o novo governo deve fazer em relação a Evo Morales?
Sempre disse que ele deveria ser preso na primeira hora do governo. Há dois mandados de prisão vigentes e qualquer mandatário comprometido com o Estado de Direito tem que fazer cumprir. Porque a justiça já decidiu que tem que prender. O presidente tem que declarar a justiça independente e pedir que todas as ordens de prisão sigam seu curso.
Tudo que ficou no ar por intromissão durante o governo Arce e Evo deve seguir seu curso. Se não for dada uma sinalização assim, vai parecer que ele continua impune.
Por que o senhor defende que Paz seja contundente nesse tema?
Por uma questão de ordem, por respeito à verdade e às vítimas do saque institucional. Um país onde um ex‑presidente acusado de corrupção, de abuso — eu me refiro aqui a corrupção de menores, pedofilia, estupro — não pode ficar livre.
Então, se quem for eleito optar por olhar para o outro lado ou demorar muito com esse tema, vai se tornar um garantidor dessa impunidade, não é?
Como o senhor avalia o caso de Jeanine Áñez?
É um tema importante e deve seguir a linha certa. Constitucionalmente, Jeanine Añez chegou a ser presidente em um momento crítico. O que se deve evitar é que o tema se torne um símbolo de revanchismo.
Importante ter cuidado para que não se polarize em torno da Añez, porque há pessoas — obviamente, especialmente as supostas vítimas de todos os acontecimentos durante o governo da Añez — que veem que ela assumiu a presidência de forma ilegal.
Pode ser um momento de revisão de tudo, de reconciliação e de fazer o que é justo e o que precisa ser feito. Ela está injustamente encarcerada. Ela, junto a outros, foi e continua sendo uma prisioneira política.
Não pode ser julgada pela Justiça comum como ex-mandatária do Estado. É preciso revisar essa injustiça, que misturou legalidade com vingança política. Esse caso precisa ser resolvido com equilíbrio, reforçando a institucionalidade e afastando o revanchismo que levou à sua prisão.
Qual sua avaliação da crise econômica que o governo Paz hederá?
A Bolívia chega a Rodrigo em um país com uma economia muito debilitada, inflação elevada, já rondando os 20% no ano até agora.
As exportações de hidrocarbonetos estão em declínio, as reservas internacionais nos níveis mais baixos, o acesso a dólares é restrito e a carga do Estado cresceu muito sob o modelo do MAS.
O novo presidente mostrou uma agenda de capitalismo para todos e descentralização do orçamento, por exemplo, 50/50 na repartição entre o Estado central e os governos subnacionais para mobilizar a economia. Desafios importantes incluem restaurar o equilíbrio fiscal e a estabilidade monetária.
Qual deve ser a prioridade econômica imediata do governo?
É muito importante fazer isso, obviamente resolvendo ao mesmo tempo, desde o primeiro dia, como ele prometeu, o tema dos combustíveis. A Bolívia realmente precisa também restaurar o marco legal de entrada — mais do que um choque econômico, é um choque de justiça, mais do que um pacote econômico, precisa de um pacote judicial. E aí entram os temas das perguntas anteriores, certo?
É preciso incentivar a empresa privada e os empreendedores, reduzir a burocracia, liberalizar os mercados, preços, eliminar cotas de exportação. É essencial dar sinais de contundência e ação rápida.
O grande inimigo de Rodrigo Paz pode ser a lentidão. Se as mudanças demorarem, podem gerar decepção, fuga de capitais e distorções de difícil correção. Se forem implementadas com rapidez, os resultados positivos também virão rapidamente. Caso contrário, o país pode enfrentar crescimento negativo e inflação ainda maior em 2026.
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