O ano das pirralhas
Este é um resumo radicalmente condensado no qual espero te ajudar a evitar ser chamado de "cringe" (o medo de qualquer pessoa com mais de 30 anos hoje em dia) e, até quem sabe, se inteirar um pouco do idioma falado pela estagiária do seu escritório e os termos cada vez mais confusos que ela...
Este é um resumo radicalmente condensado no qual espero te ajudar a evitar ser chamado de "cringe" (o medo de qualquer pessoa com mais de 30 anos hoje em dia) e, até quem sabe, se inteirar um pouco do idioma falado pela estagiária do seu escritório e os termos cada vez mais confusos que ela anda dizendo em voz alta na copa da empresa. Vamos lá:
O ano de 2024 parecia destinado a mais um domínio do duopólio de Beyoncé e Taylor Swift. A primeira dava vida a um disco de country music, parte de um ambicioso projeto de raízes da música negra. A segunda...bem, a segunda anunciou que iria lançar outro disco — e, para sua multidão de fãs que a tornam incontornável, isso é informação o bastante. Ambos foram louvados no seu lançamento mas, após quatro meses, Cowboy Carter nem The Tortured Poets Department estão na mente de ninguém, nem de todos os fãs.
A internet parece, no lugar, ter sido varrida por uma irritante gosma verde-limão, escrita em fonte Arial e sem muita definição, escorrendo por todos os lados que se olhe. De repente, estamos cercados de "Brat" ("pirralha" em inglês) por todos os lados.
O fenômeno "Brat" é um fruto aparentemente descompromissado da cantora britânica Charli XCX (lê-se "ex-ci-ess", como em "excesso"). "Aparentemente" descompromissado porque...bem, a julgar o disco pela capa desleixada, não se nutria grandes esperanças do que sairia dali.
Menos de dois meses após o lançamento, e o disco é um dos ícones culturais mais reconhecíveis de 2024. A primeira semana da agora candidata a presidente dos Estados Unidos Kamala Harris foi baseada em memes com a estética do disco — o que deixou analistas da CNN americana com mais de 60 anos claramente perdidos na curva.
— Kamala HQ (@KamalaHQ) July 22, 2024
A crítica foi unânime ao Brat (um site que reúne críticas deu uma média de 95/100 entre 24 análises, uma aclamação quase universal). E as imagens com exatamente esta estética, altamente genérica e saturada, agora parecem ter incorporado a cor mais artificial já vista na retina de qualquer pessoa com um acesso a internet.
Musicalmente falando, o disco não é dos mais fáceis de engolir por dois motivos. O primeiro é que se trata, às vezes, de um estética experimental, bem acelerada e muito mais frenética, com vozes distorcidas e clipes com luzes piscantes com o aviso de "pode causar ataques em quem tem epilepsia".
O segundo motivo é justamente o que o torna revolucionário: poucas vezes um artista se mostrou tão disposta a se mostrar insegura na sua obra — e nenhuma de uma maneira tão ousada quanto em Brat. O pop é o campo das estrelas, dos modelos inalcançáveis de beleza e da felicidade eterna, não de uma cantora expondo seus medos sobre estar ficando velha demais para ter um filho.
Que, aliás, é exatamente o que ela se dispõe em I think it about it all the time (ou "Eu penso sobre isso o tempo todo"). É estranhíssimo imaginar que, em algum lugar do mundo neste momento, pode haver uma balada onde jovens estão dançando e se divertindo essa uma música no último volume, enquanto a cantora diz:
E eu estou tão assustada de estar perdendo algo
Então, deveria parar meu anticoncepcional?
Porque minha carreira parece tão pequena no meio do esquema
[existencial disso tudo
Para uma geração ansiosa e insegura como a que temos na rua, tão conectada a produtores de conteúdo sul-coreanos quanto incapazes de ler um mapa, uma artista pop abertamente insegura e humana parece ter encontrado o eco perfeito com seu ouvinte. É por enquanto, a principal, mas não será a única por muito tempo.
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Comentários (1)
Carlos Renato Cardoso Da Costa
2024-07-27 19:57:39Gosto muito dos artigos sobre música, por favor continue com eles. Despertou a minha atenção para esse Brat do qual nunca tinha ouvido falar. Vou procurar por ele. PS: coincidentemente estou lendo este artigo ao som de "Deuce" de Rory Gallagher. PPS: já agora, fica a sugestão de tentar encontrar na música moderna onde anda a guitarra, instrumento seminal na história da música do século passado.