Na eleição, vá de Epiteto
Com moderação, o estoicismo que o governador de Minas Romeu Zema diz admirar pode ser bastante útil no Brasil de hoje

Há cerca de uma semana, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), deu uma entrevista à Folha de S. Paulo e falou sobre o fato de seu vice, Paulo Brant (PSDB), ter passado para a oposição.
"Uma das coisas que mais leio na vida é sobre os estoicos”, disse Zema. “Marco Aurélio, Epiteto e Sêneca. O que eles falam é: do ser humano, espere traições e ingratidão, sempre."
Até ler isso, meu conhecimento sobre estoicismo vinha do dicionário. Se alguém dizia que Fulano era estoico, eu entendia tratar-se de um sujeito que aguentava qualquer tranco, impassível. Agora, se me obrigassem a dizer algo mais sobre o assunto, eu responderia que o estoicismo é aquela filosofia antiga que não é o epicurismo. E vice-versa, ora pois.
A possibilidade de termos, se não um rei filósofo como recomendava Platão, ao menos um governador filósofo vivendo logo atrás da Mantiqueira, me fez iniciar uma das batalhas sempre inglórias contra a minha ignorância.
A primeira descoberta foi que os livros sobre estoicismo estão hoje distribuídos entre as estantes de filosofia e as de autoajuda. Principalmente as de autoajuda. E não chega a ser absurdo. Segundo o estudioso francês Pierre Hadot, gregos e romanos tratavam a filosofia não apenas como exploração de temas abstratos, mas como um "modo de vida", que incluía a prática de "exercícios espirituais" e até mesmo regras de alimentação, vestimenta e higiene. Esse viés prático é especialmente visível nos estoicos.
Há uma indústria de tamanho considerável dedicada a fazer com que a sapiência do estoicismo ilumine o caminho do homem moderno. Alguns filósofos profissionais, como o americano William Irvine, se dedicam a popularizar a doutrina. Mas o grande best seller do pedaço é um espertalhão de 35 anos chamado Ryan Holiday, que fugiu da faculdade e de um emprego chato de relações públicas para escrever livros como Diário Estóico, O Obstáculo É o Caminho e O Ego é Seu Inimigo, todos já lançados no Brasil.
O Diário Estoico oferece uma citação filosófica comentada para cada dia do ano, ao estilo daquelas folhinhas da Seicho-no-ie distribuídas antigamente. E lá se foi minha imagem de Zema folheando velhos tomos de papel amarelado, com uma página escrita em grego ou latim e outra no português de Odorico Mendes. Jamais cultive uma imagem elevada dos políticos.
Por deformação profissional, também fui puxar a capivara dos grandes expoentes do estoicismo - aqueles três nomes citados por Zema. Jornalista gosta de fofoca. Em relação a Sêneca, parece haver consenso nos estudos mais recentes de que ele era um hipócrita, que fingia virtude enquanto acumulava um volume indecente de riquezas e ajudava Nero a governar Roma como um tirano. Quanto a Marco Aurélio, o imperador filósofo, convém analisar a coluna comemorativa que ele mandou erigir depois de subjugar as tribos germânicas. Decorada com cenas de batalhas que foram especialmente brutais, ela é um pouco mais alta que outra coluna, erguida meio século antes em comemoração aos feitos de Trajano, imperador que levou o Roma à sua maior extensão territorial. Tudo é vaidade.
Essas investigações prévias fizeram com que eu me aproximasse do estoicismo com reservas, que não perdi completamente. Até onde consegui compreender, a meta do estoicismo é transformar tudo que existe e acontece à nossa volta em "coisas indiferentes". Devemos compreender que o mundo é comandado por forças contra as quais nada podemos. Incapazes de controlar nossas circunstâncias, somos capazes, no entanto, de controlar nossa atitude em relação a elas. Segundo a lição de Epiteto, “não espere que os eventos sigam os seus desejos; em vez disso, deseje que eles ocorram como precisam ocorrer e você se sentirá tranquilo.”
Levada ao extremo, essa atitude deságua no “e daí?” e no “todos vamos morrer um dia”, frases célebres de Jair Bolsonaro durante a pandemia. Obviamente, não sou o primeiro a registrar que o estoicismo pode ter um lado escuro. Como observou a historiadora inglesa Mary Beard, “o estoicismo linha dura era uma doutrina fatalista, determinística, (...) que não concedia quase nada às fragilidades humanas.” Essa espécie de dureza não cai bem num governante. Mas não há dúvida que um estoicismo comedido pode ajudar a enfrentar as agruras do mundo - como a traição de um aliado, no caso de Romeu Zema, ou as ligações automáticas do telemarketing, no caso de todos nós.
Dos exercícios espirituais propostos pelo estoicismo como meios de alcançar aquele estado desejado de impassibilidade, o mais divertido, de longe, é o "premeditatio malorum". Ele consiste em imaginar, em um momento de quietude, que as piores desventuras possíveis atingem você. "Precisamos refletir sobre cada possibilidade e nos fortalecer contra quaisquer desventuras que possamos encontrar”, diz, mais uma vez, Epiteto. "Projete os males em sua mente: exílio, tortura, guerra, naufrágio." Está fácil. Comece a praticar na manhã deste domingo, 2 de outubro, antes de sair de casa.
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Comentários (10)
Eduardo
2022-10-02 11:08:29lendo o artigo, consolido o q já metabolizava na minha análise sobre a qualidade conteúdo do articulista: vejo a marca de um grande profissional afundando-se na pesquisa para trazer mais conhecimento para mim, leitor "não só de pé de página", sobre um caráter do comportamento do sapiens e de mestres desta ciência. Obrigado. Isto tirado de uma frase de um "mineirinho, come quieto" q a fez da traição (parte integrante da "ética" política dos idens) um modus vivente. Só uma pergunta ao mineirim:
Renato Garcia
2022-10-02 08:27:51Eleitor que preza pela ética, se for de esquerda vota em Ciro, se for de centro ou direita vota em Simone ou D'Ávila. Simples assim ...
Ivan
2022-10-02 06:46:48Só pra lembrar que anular ou se abster no primeiro turno significa facilitar a vitória no promeiro turno de Lula pois o número de votos válidos diminui.
Régis
2022-10-01 19:12:38Faltou citar que saiu da religião, a filosofia, a política e o direito sendo que a filosofia teve dois filhos um chamado de antropologia e o outro de sociologia. O direito teve suas crias desde o direito draconiano e a política e suas proles sendo a Crusoé sua fiel escriba.
VARLICE
2022-10-01 17:58:58Exílio, tortura, guerra, naufrágio... Tenho males mais palpáveis para projetar e dos quais, na real, não tenho como me livrar. Duvida? Lula juntamente com Sarney, Calheiros, Barbalho, José Dirceu... Ou Bolsonaro e seus filhos, mais Arthur Lira, Pacheco, Valdemar da Costa Neto, Ciro Nogueira... Você há de concordar que a minha projeção é bem mais terrível. E, pior, não importa para onde corra, não há saída. Nem um, nem outro.
Joao
2022-10-01 17:54:48Zema pode ser eleito em primeiro turno graças à tragédia de Brumadinho que matou um 252 pessoas. Está usando um bom quinhão dos 37,7 bilhões de indenização da Vale em obras de infraestrutura. Espero que a irresponsabilidade e insensibilidade da Vale com a vida tenham acabado. É ver agora a eficiência de Zema em condições normais de temperatura e pressão.
Odete6
2022-10-01 16:38:37Delícia de texto, Carlos Graieb!! Perfeito para ilustrar esse momento insuportavelmente degradante que NÓS BRASILEIROS vivenciamos.
Thalles Telles
2022-10-01 16:16:01Esse texto foi muito satisfatório de se ler (O título causou-me estranheza, mas foi excelente). Embora o Carlos Graieb não seja um dos melhores apresentadores, ele é um escritor portentoso.
André
2022-10-01 15:12:16Vamos ser estóicos mas não burros! Precisamos nos manter duplamente alertas contra as atuações diretas de Lula e seus petistas zumbís- esquerdistas e Bozo com seus fanáticos-zumbís ignorantes. Nunca trabalharão em prol do progresso do nosso país. Só roubarão e criarão o caos. Lembram dos petistas "Black blocs"? Do MST invadindo fazendas e destruíndo laboratórios e plantações? Precisamos também vigiar o Executivo, o Legislativo e sobretudo o STF! SIMONE TEBET em 2022!
Carlos Roberto Pereira
2022-10-01 15:07:18O ser humano deu errado....