Vice-presidência da RepúblicaDeveríamos nos atentar também sobre o modelo adotado por Pequim para blindar sua economia contra os recursos predatórios

Investimento Externo e Diversificação Comercial

15.06.24 09:43

O giro de Geraldo Alckmin pelo Oriente teve como objetivo estreitar o relacionamento com os chineses e sauditas com foco em buscar investimentos estrangeiros para o país. Ele faz um movimento necessário para nossa economia, carente de recursos e refém de um déficit de poupança interna que torna praticamente mandatória a busca por investimentos internacionais.

Atualmente 65% de nossas exportações concentram-se em apenas cinco parceiros comerciais: China, União Europeia, Estados Unidos, Mercosul e Japão. Se considerarmos apenas a China, o percentual é de 29%, tornando o país oriental o principal parceiro comercial do Brasil. Uma realidade que gera ganhos no curto prazo e preocupações no longo, uma vez que a excessiva dependência exportadora para somente um país gera incerteza e insegurança dentro da economia.

Ao contrário do Brasil, a China cerca sua economia de cuidados, diversificando parceiros, sem criar dependência de qualquer nação, algo que protege Pequim de solavancos e crises. Nenhum país possui uma fatia maior do que 9% nas importações chinesas e no tocante ao percentual exportado, o principal parceiro são os americanos, com cerca de 16%, seguidos por Japão e Coreia do Sul com pouco menos de 5%. Uma forma hábil de evitar dependências excessivas, blindando a economia por meio da diversificação.

Além disso, a China controla também o fluxo de investimento estrangeiro por meio da avaliação criteriosa da origem e objetivos dos recursos que aportam no país. Pequim é uma das nações que possui um sistema de avaliação dos investimentos externos, um mecanismo que se tornou um importante instrumento de defesa contra aquisições de caráter predatório e entrada de capitais sem origem comprovada.

Além da China, não são poucas as nações que adotam este mecanismo de verificação. Os exemplos mais conhecidos são África do Sul, Austrália, Canadá, Coreia do Sul, Estados Unidos, Índia, Japão, México, Reino Unido, Rússia e União Europeia, que adota o instrumento em legislação comunitária, criando uma camada dupla de avaliação, uma vez que países membros também adotam o sistema internamente, como Alemanha, Espanha e Portugal.

O objetivo dos instrumentos de avaliação não é afastar o investimento estrangeiro. Pelo contrário, o mecanismo serve para que os países que o adotem sejam destino de investimentos de qualidade, com capitais de origem lícita, evitando que recursos sujos, oriundos de corrupção e outros crimes transnacionais sejam lavados na economia, ao mesmo tempo que protege a infraestrutura de recursos predatórios, que podem afetar as soberanias nacionais.

A OCDE vem acompanhando a implementação destes mecanismos, especialmente porque são adotados por seus membros, países desenvolvidos e em desenvolvimento, grandes exportadores e importadores de capital externo. Se no início o foco destas legislações era controlar o investimento nos setores militar e de defesa, hoje o foco se ampliou para os setores de energia, transporte, telecomunicações, abastecimento de água, recursos minerais e especialmente acesso de investidores estrangeiros a dados confidenciais de cidadãos nacionais.

O Brasil é uma daquelas nações que ainda não possui em sua legislação qualquer um dos diversos mecanismos de avaliação de investimento estrangeiro, uma falha que precisa rapidamente ser sanada. Nosso país iniciou esta discussão mediante um estudo chamado “Instrumentos de Avaliação dos Investimentos Externos (IAIE) em Diversos Países: Recomendações para o Brasil”, publicado em 2020 pelo IPEA, que mapeou quinze modelos de diferentes países para análise descritiva de suas estruturas organizacionais.

O estudo observou tendências convergentes quanto aos motivos de controle e avaliação do investimento externo, ancorados no conceito de segurança nacional e suas derivações. No caso português, por exemplo, é estabelecido o regime de salvaguarda de ativos estratégicos essenciais para garantir segurança país em serviços fundamentais. O governo pode opor-se a qualquer transação da qual resulte, direta ou indiretamente, a aquisição ou controle de terceiros à União Europeia sobre ativos estratégicos nos setores de energia, transportes e comunicações.

Diante das novas tecnologias e dos investimentos predatórios que circulam pelo mundo, já é momento de nosso Congresso Nacional se debruçar sobre este tema, observar as experiências externas e introduzir em nossa legislação mecanismos que deixem o Brasil menos vulnerável e nossa economia e cidadãos mais protegidos.

Portanto, para além da busca de investimentos chineses para o Brasil, deveríamos nos atentar também sobre o modelo adotado por Pequim para blindar sua economia contra os recursos predatórios, instrumentos e atitudes que salvaguardam o país e a segurança dos ativos nacionais. Não há dúvidas que um sistema moderno e confiável tornaria o Brasil ainda mais atrativo para a chegada de investimentos de qualidade, evitando a entrada de recursos de origem duvidosa que podem, ao fim e ao cabo, enfraquecer nossa economia e afetar a soberania do país em setores estratégicos.

A diversificação é outra estratégia que deveríamos implementar em nossa política comercial e o caminho para isso passa por abrir mercados, celebrar acordos e parcerias. Na dinâmica das cadeias globais de valor é prudente evitar um modelo de dependência excessiva, algo que torna o país vulnerável. Desta forma, qualquer tipo de instabilidade internacional teria menor potencial de atingir nossas exportações. Atualmente sofremos de uma perigosa sinodependência que deixa o Brasil extremamente vulnerável. A própria China evita este caminho, assim como Estados Unidos, Japão e União Europeia.

É provável que além de investimentos, Alckmin tenha retornado do Oriente com impressões e leituras atentas sobre o modelo de verificação na atração de recursos e a necessidade de diversificação para um modelo econômico sadio, dois pontos cruciais de nosso comércio exterior e de nosso processo de internacionalização. Sabemos que o potencial do Brasil é imenso, porém devemos estar atentos para evitar que nossos ativos em comunicação, energia, transportes e dados se tornem bens vulneráveis em um mundo onde recursos predatórios de governos estrangeiros, grupos criminosos transnacionais e capitais sujos impulsionados pela corrupção circulam em busca de porto seguro.

Márcio Coimbra é CEO do Instituto Monitor da Democracia e ex-diretor da Apex.

As opiniões emitidas pelos colunistas não necessariamente refletem as opiniões de O Antagonista e Crusoé

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Artigo que me parece é tremamente importante para abrir os olhos do governo sobre os investimentos estrangeiros.

Mais notícias
Assine agora
TOPO