Entre Zambelli e a Caverna: a obtusidade da Direita inculta
"Tal como na alegoria da caverna platônica, onde os prisioneiros tomam as sombras por realidade, boa parte da nova direita brasileira se recusa a sair do mundo das projeções ideológicas"

Há uma forma de cegueira que não é produto da ausência de luz, de ilustração intelectual, de percurso formativo, mas da recusa deliberada/teimosa em vê-la. Tal como na alegoria da caverna platônica, onde os prisioneiros tomam as sombras por realidade, boa parte da nova direita brasileira se recusa a sair do mundo das projeções ideológicas e se submete à servidão de mitos, slogans e líderes personalistas. Carla Zambelli é, nesse contexto, não uma causa, mas um sintoma agudo dessa degenerescência epistemológica que teima em não ir embora.
Sob o manto de uma retórica moralista e anticorrupção, figuras como Zambelli converteram a política em arena de performatividade, de entretenimento de qualidade duvidosa, não de razão, sensatez ou bom senso. Em vez de defesa da liberdade individual, da responsabilidade civil e da limitação do poder estatal (fundamentos de uma boa defesa de valores) temos gritos, cortes virais e ações parlamentares de um simplismo pueril. A Direita que deveria ser herdeira da racionalidade clássica, da tradição platônico-aristotélica, do ethos civilizatório e da prudência jurídica, torna-se reativa, ressentida e, sobretudo, anti-intelectual. Chega a dar pena...
O princípio basilar de uma sociedade livre é o reconhecimento dos direitos individuais à vida, à liberdade e à propriedade, derivados da natureza racional do homem. Qualquer defensor limitado da liberdade sabe disso. Esse ideal exige uma tensão racionalista e autocrítica, incompatível com a lógica do espetáculo e do culto à personalidade. O problema de Zambelli e congêneres, portanto, não é meramente de método ou de estilo: é de fundamento filosófico. Ao agir como sacerdotisa de uma causa sem conteúdo claro (ou de conteúdo difuso, que mistura interesses pessoais com atuação pública controversa, para usar um eufemismo) ela manifesta o triunfo do homem-massa: aquele que se recusa a transcender sua própria ignorância e que, então, está condenado, cedo ou tarde, a meter os pés pelas mãos por bobagens absolutamente irracionais.
É evidente que há entre os conservadores sinceros e liberais clássicos brasileiros – que ainda não enchem uma kombi – uma crescente frustração com esse populismo raso. O que se tem diante de nós é o deslocamento da pauta pela liberdade para uma obsessão por guerra cultural desprovida de fundamento antropológico ou filosófico. Ao invés de buscar fundamentos no pensamento de Mises, Hayek, ou mesmo de Tocqueville e Burke, essa nova direita alimenta-se de um anti-esquerdismo tribal, cujo motor não é a razão, mas a repulsa instintiva e a vaidade pueril. E, como ensina a imagem da ferradura, em algum momento esses extremos passam a se parecer sobremaneira.
No teatro político brasileiro, Carla Zambelli encarna a tragédia da direita que quis vencer a hegemonia progressista, mas, ao fazê-lo, copiou-lhe os vícios: o messianismo, o emocionalismo, o desprezo pelo saber e a politização total da vida.
Na tradição grega, gnôthi seautón (conhece-te a ti mesmo) era o início da verdadeira vida política, pois somente quem conhece seus próprios limites pode participar do logos comum. A direita brasileira (se quiser sobreviver ao seu próprio colapso) deve reencontrar sua raiz filosófica e abandonar o pântano de performances vazias. Sem isso, continuará presa nas sombras, onde Carla Zambelli é apenas mais uma projeção deformada... e agora, literalmente presa.
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Comentários (1)
FRUTUOZO BARROS GONÇALVES
2025-07-30 09:20:00Belíssima análise da conjuntura atual.