Foto: Caio Mattos/ CrusoéManifestação na Cidade do México pela autonomia do Instituto Nacional Eleitoral e em apoio à candidatura presidencial de Xóchitl Gálvez - 19/05/2024. Foto: Caio Mattos/ Crusoé

Eleições no México: Oposição mobiliza 95 mil pela autonomia do TSE mexicano

Órgão foi alvo de duas investidas frustradas de aparelhamento pelo governo de Andrés Manuel López Obrador
20.05.24 16:34

A principal coalizão opositora nestas eleições gerais no México mobilizou 95 mil pessoas na frente do palácio presidencial, no centro da capital mexicana, neste domingo, 19 de maio, segundo as autoridades locais. 

A duas semanas da votação, marcada para 2 de junho, o objetivo foi associar a presidenciável da oposição, a senadora Xóchitl Gálvez, à defesa da autonomia do Instituto Nacional Eleitoral (INE).

O INE, que tem funções equivalentes ao Tribunal Superior Eleitoral, foi alvo de duas investidas frustradas de aparelhamento pelo governo de Andrés Manuel López Obrador, que deixará a Presidência em 2024 — o mandato é de seis anos sem reeleição.

A candidata da situação, Claudia Sheinbaum, é a favorita para o 2 de junho. Recém licenciada chefe de governo da Cidade do México, Sheinbaum tem 20 pontos percentuais de vantagem sobre Gálvez nas pesquisas. A eleição se dá em turno único.

Durante a manifestação deste domingo, Gálvez e o candidato da oposição a governador do Distrito Federal, que também corre atrás nas pesquisas, firmaram um acordo simbólico com o movimento Marea Rosa.

Foto: Caio Mattos/ CrusoéFoto: Caio Mattos/ CrusoéCandidata da oposição à Presidência do México, Xóchitl Gálvez, conduz manifestação na Cidade do México em nome da autonomia do Instituto Nacional Eleitoral – 19/05/2024. Foto: Caio Mattos/ Crusoé
 

Sem nenhuma ligação com governos de esquerda da América Latina, essa “Maré Rosa” foi fundada por organizações da sociedade civil mexicana em 2022, quando López Obrador apresentou seus primeiros planos de reforma eleitoral. 

Desde então, o movimento mobilizou dezenas de milhares de pessoas em múltiplas ocasiões em nome da autonomia do INE. O nome Marea Rosa é uma referência à cor do órgão eleitoral.

“O INE é a única instituição de contrapeso no México que tem conseguido levar muita gente às ruas”, diz Leopoldo Maldonado, diretor da seção mexicana da Artigo 19, uma organização não governamental britânica voltada à liberdade de expressão e acesso à informação.

Os atos se intensificaram com a aproximação das eleições. O último até então havia ocorrido em fevereiro. Gálvez participou na ocasião, mas, a diferença deste domingo, não houve declaração de apoio formal do movimento à candidatura.

“Protestamos desde muito antes mesmo de Xóchitl ser candidata”, diz Daphne, de 24 anos, que participa das marchas desde o início. 

Ela e sua mãe, Mônica, de 60 anos, estiveram entre os primeiros a chegar na mobilização na frente do palácio presidencial. Manifestações menores foram convocadas em outras 100 cidades pelo país e exterior.

“O INE é cidadão”, diz Mônica, em referência à participação cidadã no processo eleitoral. No México, os mesários são escolhidos por sorteio e se responsabilizam pela contagem dos votos. O país usa o voto impresso. 

Mônica e Daphne serão mesárias no pleito de 2 de junho.

Foto: Caio Mattos/ CrusoéFoto: Caio Mattos/ CrusoéDaphne e Mônica participam de manifestação na Cidade do México pela candidatura de Xóchitl Gálvez à Presidência do México e pela autonomia do Instituto Nacional Eleitoral – 19/05/2024. Foto: Caio Mattos/ Crusoé
 

O ato deste domingo pode render uma penalidade à campanha da coalizão opositora. O INE a advertiu para evitar o uso da cor rosa, visto como uma apropriação partidária de uma instituição do Estado. 

Um coordenador da campanha de Gálvez, que foi vestida de rosa, confirmou que ela incluirá o evento como gasto de campanha se o órgão eleitoral o determinar.

De fato, grande parte dos presentes vestiam rosa. Camisetas, bonés e cartazes usavam a cor para pedir voto à presidenciável. Rosa também era visto no palanque principal, onde discursou a candidata. 

Antes da chegada de Gálvez, os organizadores chegaram a mostrar no telão o personagem animado Pantera Cor-de-Rosa com a música tema do desenho tocando nos alto falantes. Ele é o mascote do movimento Marea Rosa.

Também se fizeram presentes as cores dos partidos que compõem a coalizão opositora, em especial o azul, do Partido da Ação Nacional (PAN), sigla de Gálvez. Militantes ascenderam ao menos um sinalizador azul durante os discursos.

“Para um candidato chegar à Presidência, ele precisa dos partidos. Apoiamos a Xóchitl, porque ela apoia o nosso projeto”, diz Daphne. 

O programa de governo da candidata não tem nenhuma medida referente ao INE nem menção à autonomia do processo eleitoral. O apoio do movimento Marea Rosa aparenta decorrer mais da oposição a López Obrador. 

De fato, os gritos mais altos e frequentes na mobilização na frente do palácio presidencial incluíam “narco-presidente” e “fora Morena”, em referência ao partido do atual mandatário. 

O que López Obrador fez com o INE?

 

O atual presidente mexicano, conhecido também por suas iniciais, AMLO, tentou duas vezes implementar uma reforma eleitoral. A primeira fracassou em 2022 por falta de votos e a segunda, no ano seguinte por decisão da Suprema Corte.

Um terceiro texto foi apresentado ao Congresso em fevereiro e segue em trâmite.

As principais medidas que López Obrador tenta impor envolvem o sucateamento do INE por meio de cortes no orçamento e de eliminação de funções e dependências.

Quase um terço de todos os seus funcionários teriam sido despedidos se a segunda reforma não fosse suspensa nos tribunais, informou o órgão eleitoral na época.

AMLO alega encolhimento da máquina pública e maior eficiência para defender sua reforma, mas o sucateamento teria prejudicado diversos aspectos do processo eleitoral.

Dentre eles, estão a formação dos mesários e o recenseamento dos distritos eleitorais. 

Além disso, a extinção de autoridades eleitorais distritais e estaduais, incluída nos planos de López Obrador, concentraria toda a regulamentação eleitoral na esfera federal.

“Minar o INE faz parte de uma estratégia de construção de uma hegemonia. É um ponto em comum com governos de corte autoritário na América Latina”, diz Leopoldo Maldonado, o diretor da ONG Artigo 19.

Tanto o Poder Judiciário quanto o Legislativo também são alvos de reformas que AMLO tenta aprovar, ainda sem sucesso. 

O presidente quer que os juízes nos mais altos tribunais sejam eleitos por voto popular. Isso impediria a autonomia do Judiciário para escrutinar os outros Poderes ao submetê-lo a pressões eleitorais.

Quanto ao Congresso, López Obrador propõe substituir o voto proporcional para a Câmara dos Deputados pelo sistema eleitoral americano, que sobre-representa os partidos mais fortes.

Algumas investidas de AMLO sobre contrapesos da democracia mexicana foram bem sucedidas. 

Ele nomeou um ex-assessor de campanha a procurador-chefe do Ministério Público, assim como inutilizou parte do órgão federal de transparência ao ignorar pedidos de acesso à informação.

O INE é forte demais?

 

Algumas críticas ao INE são pertinentes para Maldonado: “O que me parece desnecessário é a auditoria dos meios de comunicação”. 

“O INE gasta recursos para monitorar até o equilíbrio no tempo de menção a cada candidato nos canais de televisão”, acrescenta.

O que explica o atual tamanho do órgão eleitoral é o histórico de fraudes que marcaram a política mexicana no século 20, que começou com o país sob uma ditadura militar. Esse regime é o motivo da proibição à reeleição no México.

Depois, por 70 anos ininterruptos, até 2000, o Partido Revolucionário Institucional (PRI) se manteve na Presidência — a sigla chegou também a controlar todos os governos estaduais durante parte daquele período.

Fraudes definiram as sucessões presidenciais entre 1929 e 1994, com o PRI intervindo diretamente no órgão eleitoral desde a década de 1940.

Hoje, o partido integra a coalizão opositora que apoia a candidatura de  Xóchitl Gálvez e participou do ato pela autonomia do INE na frente do palácio presidencial neste domingo.

Foto: Caio Mattos/ CrusoéFoto: Caio Mattos/ CrusoéBandeiras dos partidos da coalizão opositora, PAN e PRI, em manifestação na Cidade do México pela candidatura de Xóchitl Gálvez à Presidência do México e pela autonomia do Instituto Eleitoral Nacional – 19/05/2024. Foto: Caio Mattos/ Crusoé
 

Apesar de as eleições agora serem livres, o lopezobradorismo explora o trauma das fraudes do século 20 para descredibilizar o sistema eleitoral

López Obrador nunca reconheceu suas derrotas nas eleições presidenciais de 2006 e 2012. As alegações de fraude ecoam com naturalidade entre os apoiadores de AMLO, incluindo a sua candidata à sucessão, Claudia Sheinbaum.

De fato, López Obrador foi alvo de um processo judicial para tirá-lo da cédula em 2006 por causa de uma reforma de uma rua durante a sua administração do governo da Cidade do México, mas o litígio fracassou. 

Não há nenhuma evidência de fraude nas eleições de 2006 e 2012.

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  1. A América Latina é pródiga em governos populistas. Todos usam desvios dos opositores pra justificar excessos próprios

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