Coreia do Norte forma agentes para delatar cristãos
Crusoé conversou com Kim Sang-Hwa, norte-coreana que casou-se com um jovem pastor e mudou-se para a Coreia do Sul
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A ditadura norte-coreana lidera a lista de países que mais persegue cristãos no mundo.
No início de 2024, o regime de Kim Jong-un anunciou punições ainda mais severas contra quem professa sua fé.
Crusoé conversou com Kim Sang-Hwa, uma cristã norte-coreana, que casou-se com um jovem pastor e se mudou para a Coreia do Sul.
Kim Sang-Hwa é um nome fictício, pois ela ainda teme a perseguição de seu país.
Segue a entrevista.
Como foi seu primeiro contato com a Bíblia?
Eu sou a terceira geração de cristãos na minha família, pois meu pai e meus avós se converteram antes da Guerra da Coreia, entre 1950 e 1953.
Mas, eu já nasci em um contexto de extremo controle do governo sobre todo cidadão norte-coreano e, principalmente, sobre o cristão que é visto como traidor do sistema, do governo e do país.
É difícil até explicar como o cidadão norte-coreano define a família Kim, pois não temos outra referência e tudo o que nos é ensinado, desde que nascemos, sobre nossos patriarcas tem a ver com a cultura do país.
Desde brincadeiras, cantigas infantis, folclore sobe a guerra, tudo tem a ver em como a família deve ser tratada com semi-deuses, sem sequer utilizar esse termo.
Pois isso iria acarretar uma série de perguntas, como: o que é um deus, o que significa ser um e, sobretudo, se existe algo mais potente e poderoso do que os governantes do país, eles não podem ser tão poderosos assim. Eu cresci nesse contexto de pleno medo e plena vigilância.
Até os 9 anos, eu não tinha ouvido sobre Jesus. As crianças norte-coreanas são estimuladas a entregar seus pais, caso encontrem uma Bíblia (livro preto) em casa ou encontrem seus pais em atitudes suspeitas.
Um dia, vasculhando uma gaveta de uma mesa de escritório, vi que essa mesa tinha um fundo falso. Enfiei a mão e senti um papel diferente e achei que fosse dinheiro. Ao puxar, veio um livro preto sem inscrição alguma na capa.
Abri e li: no princípio, Deus criou os céus e a terra. Fechei rapidamente e entendi que aquele era o livro preto. Tremi, chorei, fiquei confusa.
Existe algum órgão governamental específico responsável por perseguir os cristãos?
Todos os órgãos do governo estão aptos a perseguir cristãos na Coreia do Norte.
Mas há um órgão no governo responsável em identificar crianças prodígios que tenha um QI avançado e isso é considerado como algo geneticamente avançado. Essas crianças são separadas, educadas e treinadas para servirem ao governo em diversas camadas, de acordo com seus talentos.
Algumas crianças, quando que se tornam jovens, são separadas como agentes secretos, os quais são plantados nas comunidades para detectarem e delatarem cristãos.
Entre 1994 e 1998, houve um período de grande fome na Coreia do Norte, conhecido como Marcha Árdua.
Os números são confusos sobre quantos mortos houve, por ser um país muito fechado. Mas, certamente, mais de 250 mil pessoas morreram de fome no país nessa época.
Não foi diferente na nossa comunidade. Nosso vizinho, da casa ao lado, sofreu com a morte da esposa e filhos. E havia 30 anos que o meu pai o evangelizava, falava de Jesus a ele.
Na cama, para morrer, ele chamou meu pai, que foi orar por ele em seu leito de morte.
O homem então revelou que era uma dessas crianças que havia sido treinada para servir ao país e ele foi designado para investigar o meu pai e nossa família. Ele sabia que éramos cristãos e por 30 anos não nos delatou.
Antes de morrer, ele disse ao meu pai que o governo enviaria outro agente secreto para investigar e perseguir a nossa família. Foi o que aconteceu.
Um jovem solteiro mudou-se para lá em poucas semanas. Ele fez amizade com a nossa família, descobriu que éramos cristãos, converteu-se ao cristianismo e nos casamos. Mudamos daquela vila e, mais tarde, fugimos da Coreia do Norte.
Há alguma igreja clandestina na Coreia do Norte?
A igreja foi fechada e proibida na Coreia do Norte após a Guerra da Coreia, na década de 50. Não é permitido que norte-coreanos frequentem ou construam e cadastrem igrejas. Desde a separação entre as duas Coreias, os cristãos foram perseguidos e mortos.
Os que não foram mortos, foram banidos da capital ou de metrópoles para cidades afastadas. E essas cidades são as mais vigiadas pelo governo.
Nessas cidades, como em todas as cidades do país, os cidadãos são vigiados permanentemente por agentes do governo. Você pode até conhecer e ver igrejas cristãs na Coreia do Norte, mas elas são de fachada e têm cultos para estrangeiros.
Nessas igrejas, os ‘membros’ são atores treinados por departamentos do governo para estar a postos sempre que são chamados para encenar os cultos a turistas estrangeiros.
A verdadeira igreja na Coreia do Norte é secreta. Os negócios de família são utilizados para encontros de cristãos e para evangelismo.
Mas isso também é muito perigoso e, sempre que descoberto, os cristãos são mortos ou enviados para campos de trabalhos forçados. Quase nunca saem vivos de lá.
Como os norte-coreanos professam sua fé?
Os cristãos vivem sua fé secretamente. Muitas vezes, o marido é cristão e a esposa também é cristã e nenhum dos dois sabe da condição de fé do outro.
Às vezes, eles descobrem quando um dos filhos fala algo relacionado à Bíblia que o pai ou a mãe ensinou.
Por exemplo, eu perguntei ao meu pai como poderia falar de Jesus a meus amigos na escola e ele disse para eu orar a Deus e pedir sabedoria sobre isso.
E Deus me deu uma estratégia. Eu chegava a um amigo e perguntava qual animal ele considerava o mais perigoso no mundo. Eles respondiam: o tigre, o leão, o urso.
E eu falava da serpente e contava a história de Gênesis, Adão, Eva, a serpente e Jesus. Muitas vezes, eles respondiam ‘a serpente’ e eu já sabia que eram cristãos. Apenas sorríamos tímidos uns aos outros e não falávamos mais sobre aquilo.
A perseguição que os cristãos enfrentam na Coreia do Norte é não poder, sequer, revelar que são cristãos, não poderem escolher sua fé e sequer orar ou cantar um louvor em voz alta dentro de casa. O que eles sofrem: a separação da família, prisões, trabalhos forçados, torturas e morte.
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