Como a PGR enquadrou Jair Bolsonaro na trama golpista
Apesar de não ter sido encontrada ordem direta do ex-presidente, denúncia afirma que ele tinha ciência dos atos e criticou urnas para preparar o mundo para um golpe
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Uma das principais dúvidas sobre a denúncia da Procuradoria-Geral da República divulgada nesta terça, 18, era como o órgão de acusação ligaria o ex-presidente Jair Bolsonaro à trama golpista.
Afinal, não foram encontradas mensagens enviadas por Jair Bolsonaro dando ordens para seus subordinados realizarem um golpe de Estado ou coisa parecida.
Nesse sentido, a defesa do ex-presidente Jair Bolsonaro divulgou uma nota na noite de terça, 18, afirmando que a Procuradoria-Geral da República não encontrou "nenhum elemento que conectasse minimamente o presidente à narrativa construída na denúncia".
"A despeito dos quase dois anos de investigações — período em que foi alvo de exaustivas diligências investigatórias, amplamente suportadas por medidas cautelares de cunho invasivo, contemplando, inclusive, a custódia preventiva de apoiadores próximos —, nenhum elemento que conectasse minimamente o presidente à narrativa construída na denúncia, foi encontrado. Não há qualquer mensagem do presidente da República que embase a acusação, apesar de uma verdadeira devassa que foi feita em seus telefones pessoais", diz a nota, divulgada pelo advogado Paulo Cunha Bueno na rede X.
“A inepta denúncia chega ao cúmulo de lhe atribuir participação em planos contraditórios entre si e baseada numa única delação premiada, diversas vezes alteradas, por um delator que questiona a sua própria voluntariedade. Não por acaso ele mudou sua versão por inúmeras vezes para construir uma narrativa fantasiosa”, diz a nota.
Apresentação da minuta aos militares
A delação premiada citada pela defesa de Jair Bolsonaro e a de Mauro Cid.
Na página 182 da denúncia da PGR, Cid afirma que Jair Bolsonaro recebeu do assessor Filipe Martins uma minuta de decreto, que convocava novas eleições e ordenava a prisão do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, e dos magistradaos Gilmar Mendes e Alexandre de Moraes, do STF.
Bolsonaro, então, teria feitos ajustes na minuta, mantendo apenas a prisão de Moraes e convocando novas eleições.
"Com o decreto concluído, Jair Bolsonaro iniciou a fase de reuniões com os militares de alta patente, a fim de lhes apresentar o documento e de convencê-los a fornecer o suporte necessário. No dia 7.12.2022, o decreto foi apresentado pela primeira vez a integrantes do alto escalão do governo federal. As informações prestadas pelo colaborador Mauro Cid indicam que a primeira versão do documento foi submetida à apreciação de representantes das Forças Armadas em reunião realizada no Palácio da Alvorada, na manhã do dia 7.12.2022. Na ocasião, Jair Bolsonaro, com auxílio de Filipe Martins, apresentou a minuta ao general Freire Gomes, ao almirante de esquadra Almir Garnier e ao general e ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira", diz a denúncia.
A reunião seria uma demonstração de que, mais do que cogitar e pensar em promover um golpe, Bolsonaro teria começado a tomar as ações necessárias para tanto.
"A gente já perdeu tantas oportunidades"
De acordo com a denúncia da PGR, o documento Punhal Verde Amarelo, que tinha um plano para neutralizar autoridades públicas (o presidente Lula, o vice Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes) foi impresso no Palácio do Planalto pelo general da reserva Mário Fernandes no dia 9 de novembro de 2022.
Em seguida, o documento foi levado ao Palácio da Alvorada, a residência oficial, para ser mostrado ao presidente e a Mauro Cid.
As presenças de Mário Fernandes e de Mauro Cid no Palácio do Alvorada nesse dia foram comprovadas por registros de entrada.
"A ciência do plano pelo presidente da República e a sua anuência a ele são evidenciadas por diálogos posteriores, comprobatórios de que Jair Bolsonaro acompanhou a evolução do esquema e a possível data de sua execução integral. Assim, em áudio por WhatsApp de 8.12.2022, Mário Fernandes relata a Mauro Cid que havia estado pessoalmente com Jair Bolsonaro e debatido o momento ideal de serem ultimadas as ações tramadas", diz a PGR na página 127.
O áudio traz a seguinte mensagem, enviada por Mário Fernandes: "Durante a conversa que eu tive com o presidente, ele citou que o dia 12, pela diplomação do vagabundo (Lula), não seria uma restrição, que isso pode, que qualquer ação nossa pode acontecer até 31 de dezembro e tudo. Mas (…) aí na hora eu disse, pô presidente, mas o quanto antes, a gente já perdeu tantas oportunidades".
A PGR também argumenta que, quando o documento Punhal Verde Amarelo foi impresso e levado a Bolsonaro, as ações de monitoramento já estavam em curso, "o que igualmente reforça a ciência prévia da alta cúpula da organização criminosa".
A alta cúpula da organização criminosa, segundo a PGR, era composta por Jair Bolsonaro e o ministro da Defesa Walter Braga Netto.
"01 sabe disso?"
A PGR também afirma na página 169 que Jair Bolsonaro teve conhecimento da elaboração, em novembro de 2022, de uma carta endereçada aos militares.
Segundo a denúncia, a Carta ao Comandante do Exército de Oficiais Superiores da Ativa do Exército Brasileiro seria uma maneira de "garantir a adesão do Alto Comando do Exército às iniciativas golpistas", uma vez que havia comandantes renitentes.
"Em 26.11.2022, assim que tomou conhecimento sobre a ideia do documento, Sérgio Cavaliere indagou a Mauro Cid: '01 sabe disso?', e foi respondido positivamente: 'sabe…'. A plena ciência de Jair Messias Bolsonaro sobre a ação dos denunciados foi confirmada no depoimento prestado por Sérgio Ricardo Cavaliere de Medeiros à Polícia Federal", diz o documento.
"01" era uma maneira de os generais se referirem a Jair Bolsonaro.
"Indo para o sacrifício"
Após a divulgação da carta, Sérgio Cavaliere informa Mauro Cid sobre a resistência entre alguns oficiais do Comando Militar do Sul.
Cavaliere, então afirmou: “Espero que o PR não se esqueça dos que estão indo para o sacrifício”.
Mauro Cid retrucou: “Cara, ele mesmo sabe o que é isso, né. Ele tomou vinte dias de cadeia quando era Capitão, porque escreveu carta à Veja. Foi pra Conselho de Justificação porque botaram na conta dele aquela, aquela operação pra, pra explodir Guandu, né. Se fodeu a vida toda. Então, ele sabe o que que é”.
Cavaliere, em depoimento para a PF, confirmou que "PR" era uma referência ao então presidente Jair Bolsonaro.
"Sempre dava esperanças"
Mauro Cid também afirma em sua delação que Jair Bolsonaro incentivava os manifestantes que estavam acampados nas frentes dos quartéis.
“O então presidente sempre dava esperanças que algo fosse acontecer para convencer as Forças Armadas a concretizarem o golpe. O colaborador inclusive afirma que esse foi um dos motivos pelos quais o então presidente Jair Bolsonaro não desmobilizou as pessoas que ficavam na frente dos quarteis. Em relação a isso, o colaborador também se recorda que os comandantes das Três Forças assinaram uma nota autorizando a manutenção da permanência das pessoas na frente dos quarteis por ordem do então presidente Jair Bolsonaro”, diz a denúncia, na página 139.
Urnas eletrônicas
Na denúncia, a PGR também procura mostrar uma participação mais ativa de Jair Bolsonaro em atitudes que estariam ligadas à tentativa de golpe de Estado.
Uma delas é a divulgação de desinformação sobre as urnas eletrônicas na reunião com os embaixadores no dia 18 de julho de 2022.
"O que parecia, à época, um lance eleitoreiro, em si mesmo ilícito e causador de sanções eleitorais, mostrou-se, a partir da trama desvendada no inquérito policial, um passo a mais de execução do plano de solapar o resultado previsto e temido do sufrágio a acontecer logo adiante", diz a denúncia na página 13.
A vontade de permanecer no poder, segundo a PGR, teria sido expressada por Bolsonaro na ocasião: "Estamos tentando antecipar um problema que interessa para todo mundo. O mundo todo quer estabilidade democrática no Brasil".
O que se estaria buscando na reunião com os embaixadores não seria apenas fazer propaganda eleitoral (atitude que rendeu a inelegibilidade de Bolsonaro), mas preparar o mundo para um eventual golpe de Estado.
Polícia Rodoviária Federal
A PGR também busca mostrar que Jair Bolsonaro seria o maior beneficiário das ações da Polícia Rodoviária Federal em redutos eleitorais do presidente Lula, no pleito de 2022.
"As investigações revelaram, afinal, uma forte rede de comunicações desenvolvida pelos denunciados, com evidências de reuniões e decisões tomadas para garantir, por meio de ações conjuntas, apoiadas na força até policial, a vitória de Jair Bolsonaro. A análise das comunicações confirma o esforço incessante, crescente e coordenado para manipular o processo eleitoral – não somente pelas narrativas infundadas de fraude, mas também pelo empenho de força material impeditiva do acesso de presumidos eleitores do adversário às urnas temidas", diz o texto na página 87.
Teoria do domínio do fato não aparece
A PGR não citou a "teoria do domínio do fato", usada no mensalão no julgamento do petista José Dirceu.
Segundo essa teoria, uma pessoa pode ser incriminada por ter controle de uma ação, mesmo que não seja um dos seus executores.
A denúncia, contudo, buscou mostrar a conexão de Jair Bolsonaro em diversas ações, que estariam ligadas com as acusações principais, como a de que ele integrou uma organização criminosa que buscou derrubar o estado democrático de direito e dar um golpe de Estado.
"Não foi trazida a teoria do domínio do fato de maneira expressa, O procurador-geral teve a cautela de não mencionar essa teoria como fundamento para processar o presidente. Mas é possível ver na denúncia que o Bolsonaro está numa posição de liderança e várias vezes o procurador usa essa posição para justificar as acusações. Além disso, deixa claro que ele seria o principal beneficiário se o plano fosse concretizado", diz o advogado criminalista Rafael Valentini.
"O procurador-geral faz várias menções que dão a entender que Jair Bolsonaro tinha um poder de mando, que ele estava ciente e tinha avalizado alguns contatos e alguns movimentos dos seus subordinados para dar continuidade a esse plano de tomada de poder", diz Valentini.
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Comentários (2)
MARCOS
2025-02-19 11:24:08A PGR NÃO TEM NADA MAS NO JUDICIÁRIO TUDO É POSSÍVEL, BASTA QUERER E O FAZEM. NÃO EXISTE A VERDADEIRA JUSTIÇA NO BRASIL. ESTÁ TUDO DOMINADO.
Daniela_RS
2025-02-19 10:41:57Essa denúncia do PGR Paulo Gonet serve para duas coisas: formalizar um pretexto para que o STF faça o que quer (meter Bolsonaro na cadeia) e transformar Jair Bolsonaro em um mártir. É a maneira mais fácil de ressuscitá-lo politicamente. Não tenho nenhuma simpatia por Bolsonaro, mas é fácil ver que essa denúncia é fraquíssima, porque Bolsonaro nunca se comprometeu com nada e não deixou rastros de seu envolvimento. Uma coisa é o que todo mundo sabe, outra coisa o que se pode provar. Será, enfim, além de uma tremenda arbitrariedade, uma grande burrice. O STF está fazendo questão de "ajudar" o Brasil a não se livrar de Bolsonaro e do bolsonarismo. Triste Brasil. 🇧🇷😥