Como a esquerda dificultou o julgamento de Jair Bolsonaro
Advogado que participou do desenho dos tipos penais lamenta que crime de conspiração tenha sido barrado por esquerdistas

O advogado Alexandre Wunderlich, professor de direito no IDP em Brasília, participou da comissão de juristas que ajudou a criar os tipos penais tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (359-L) e tentativa de golpe de Estado (359-M).
A lei, aprovada pelo presidente Jair Bolsonaro em 2021, substituiu a antiga Lei de Segurança Nacional, e foi usada na condenação do próprio Bolsonaro a 27 anos de prisão na quinta, 11.
Crusoé conversou com Wunderlich para saber como ele viu a aplicação dos tipos penais no caso de Jair Bolsonaro e dos outros sete réus.
Como o sr. viu a aplicação dos tipos penais 359-L e 359-M no julgamento da trama golpista?
Os cinco ministros que votaram no julgamento na Primeira Turma esta semana admitiram que houve tentativa de golpe de Estado.
Esse é um ponto que pouca gente está se dando conta.
Foram quatro votos pela condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro e um voto pela não condenação. Contudo, o voto divergente [de Luiz Fux] condenando duas pessoas, também reconheceu que houve uma tentativa de golpe.
Então, houve unanimidade em relação à existência de uma tentativa de golpe.
Os cinco ministros admitiram isso, e nenhum deles disse que não ocorreu nada. Foi cinco a zero.
Dentro disso, vimos que o Supremo Tribunal aplicou uma legislação que defende a regularidade e o funcionamento das instituições democráticas. Todos os países civilizados têm algo do tipo.
Ganhou a democracia e todos aqueles que não querem um retorno à ditadura militar.
A legislação provou-se pertinente. Esse é o primeiro ponto.
As penas foram altas demais?
Essa legislação foi aprovada pelo Congresso e sancionada pelo próprio ex-presidente.
Além disso, esses crimes que estão sendo impostos agora ao ex-presidente foram impactados pela legislação do pacote anticrime do [então ministro da Justiça] Sergio Moro, que levou a um incremento do lapso temporal do cumprimento da pena.
Se hoje essas pessoas vão cumprir um quarto da pena, e não um sexto, isso se deve ao endurecimento do sistema político que se deu durante o governo Bolsonaro, a partir de Sergio Moro.
Eu não concordo com as penas tão elevadas e concordo com o voto do ministro Fux na linha do que o ministro Luís Roberto Barroso já havia defendido: a absorção de um tipo penal pelo outro.
Também não encontrei elementos para punir alguns dos acusados pelos crimes tecnicamente de dano e de violência praticada no 8 de janeiro.
Faltou o elemento da "violência ou grave ameaça" na tipificação por tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito e tentativa de golpe de Estado?
Quando esses crimes foram desenhados, o objetivo era substituir a Lei de Segurança Nacional. Eu conversei muito com o jurista Miguel Real Jr. nessa época.
Na última versão dos projetos, com a deputada Margarete Coelho e depois com o senador Rogério Carvalho, tudo se deu a toque de caixa.
Seguiram na discussão os tipos penais dentro de uma lógica do possível. Várias coisas ficaram de fora.
Por exemplo, o disparo em massa de informações não foi sancionado pelo presidente.
Outra questão que não virou lei é a conspiração, que é a tentativa da derrubada do governo sem violência ou grave ameaça.
Se a conspiração tivesse sido aprovada, ficaria mais fácil enquadrar Bolsonaro e os outros réus?
Nós sugerimos que houvesse um crime sem grave ameaça à pessoa ou sem grave ameaça às instituições, mas os movimentos de esquerda não queriam isso.
Os grupos de esquerda achavam que isso poderia criminalizar os movimentos sociais.
Por causa disso, os dois tipos discutidos no julgamento da semana exigem como um elemento essencial a violência ou ameaça grave.
Se o crime de conspiração tivesse sido aprovado, Bolsonaro e os outros réus teriam pego penas mais baixas.
A maneira como o julgamento ocorreu traz problemas para o direito no futuro?
Um juiz precisa sempre ser imparcial. Mas o Supremo legitimou as perguntas excessivas do magistrado Alexandre de Moraes, que não foi um mero espectador do processo.
Na minha visão, isso foi uma violação muito clara do sistema acusatório. Penso que esse deve ser o pior impacto do julgamento.
O Supremo também legitimou, por quatro votos contra um, que se pode juntar um número excessivo de provas digitais.
Esse tipo de coisa tem acontecido muito nos chamados mega processos, em que a defesa tem que se contentar em curto espaço de tempo e examinar tudo da forma que for possível.
Na minha opinião, há violação ao sistema acusatório e cerceamento de defesa com o chamado tsunami das provas digitais. É algo absolutamente preocupante.
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