CIDH faz ressalvas ao inquérito das fake news
"As autoridades que exercem poderes significativos devem demonstrar um grau particularmente elevado de tolerância à crítica", diz o relatório
O artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal é o coração do inquérito das fake news.
Em 2019, o ministro Dias Toffoli evocou esse trecho do regulamento, que autoriza o presidetne da Corte a começar um procedimento de forma excepcional, com poderes investigativos, em caso de infração à lei penal na sede ou nas dependências do STF.
Graças a Toffoli, a norma interna passou a ser aplicada a todo e qualquer brasileiro, em qualquer lugar, com a desculpa que agora é possível cometer crimes dentro do tribunal, por vias digitais.
No relatório sobre a situação da liberdade de expressão no Brasil, feito sob orientação do advogado Pedro Vaga, relator da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, discute-se a aplicação do artigo 43.
De início, a CIDH traz as desculpas dadas pelo Estado brasileiro. Pedro Vaca, vale lembrar, conversou com os ministros do STF em sua visita ao Brasil.
"Em resposta às críticas de suposto excesso de poder por parte do Tribunal, o Estado [brasileiro] informou à Relatoria que o artigo 43 do Regimento Interno, que é citado como conferindo essa autoridade ao Supremo Tribunal Federal, tem 'força e eficácia de norma jurídica', uma vez que o Regimento foi considerado como recepcionado, ou compatível, pela Constituição de 1988", diz o relatório.
"O Estado também informou que a aplicação do artigo 43 foi motivada pela natureza 'grave e excepcional' da 'incitação ao fechamento do STF, ameaças de morte ou prisão contra seus membros e proclamação de desobediência às decisões judiciais", segue o texto.
Em seguida, a CIDH critica essa interpretação ampla do artigo 43.
"Por outro lado, a interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal a este artigo, a fim de exercer sua jurisdição sobre as publicações na internet como se elas estivessem incluídas no conceito de 'sede do Tribunal', gerou controvérsia no Brasil. Embora essa interpretação possa ser justificada pela gravidade excepcional invocada pelo Estado, a Relatoria enfatiza a necessidade de garantir que o uso desses mecanismos coercitivos extraordinários não restrinja as críticas legítimas dos cidadãos ao Tribunal, nem interprete ou trate tais críticas como um ataque à instituição. Nesse sentido, as autoridades que exercem poderes significativos devem demonstrar um grau particularmente elevado de tolerância à crítica, com atenção à proporcionalidade. Esse dever é acentuado quando questões de importância primordial estão sendo decididas pelo Tribunal."
Tentativa de golpe não justifica censura
Pedro Vaca também entendeu que não faz sentido argumentar que a repressão à liberdade de expressão foi necessária para impedir um golpe de Estado em 8 janeiro de 2023.
Isso porque a censura é anterior ao vandalismo nas sedes dos Três Poderes. O inquérito das fake news começou em 2019.
Na página 64 do relatório, lê-se: "Embora a organização de crimes graves, como atos que visavam atentar contra as instituições, exija uma resposta do Estado, o Poder Judiciário deve ter cuidado para não expandir o escopo destas limitações extraordinárias para sancionar opiniões políticas legítimas. Nesse contexto, a Relatoria chama a atenção para os desafios de longa data do Brasil, em distintos órgãos do Poder Judiciário, no que diz respeito às restrições à expressão de pessoas defensoras de direitos humanos, jornalistas e ativistas políticas. Esses desafios são anteriores à investigação de um possível golpe e de atentados contra as instituições brasileiras. O Poder Judiciário deve se esforçar para criar precedentes que busquem ativamente diferenciar entre esses comportamentos ilícitos e críticas legítimas."
Esse trecho final mostra que o ex-ministro do STF, Luís Roberto Barroso, não conseguiu enganar Pedro Vaca.
Em conversa com Pedro Vaca na sede do STF em Brasília, Barroso tentou convencê-lo que ferramentas extraordinárias, como a censura, foram necessárias para evitar um golpe.
Mas, como diz o relatório da CIDH: Esses desafios são anteriores à investigação de um possível golpe e de atentados contra as instituições brasileiras".
Leia em Crusoé: A desonestidade intelectual de Barroso
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