Censura ao UOL: a imprensa não é uma repartição pública
Jair Bolsonaro (foto) fez campanha em Minas Gerais nesta sexta-feira e se apresentou, mais uma vez, como paladino das liberdades. Ao público que assistia ao seu discurso, ele disse: "Vocês sabem que estão tendo cada dia mais a sua liberdade ameaçada por outro Poder, que não é o Poder Executivo. E nós sabemos que devemos...
Jair Bolsonaro (foto) fez campanha em Minas Gerais nesta sexta-feira e se apresentou, mais uma vez, como paladino das liberdades. Ao público que assistia ao seu discurso, ele disse: "Vocês sabem que estão tendo cada dia mais a sua liberdade ameaçada por outro Poder, que não é o Poder Executivo. E nós sabemos que devemos pôr um ponto final nesse abuso." Todos sabem que é ao Poder Judiciário que Bolsonaro se refere nessas diatribes.
Talvez no mesmo instante em que Bolsonaro falava, o desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, mandou retirar do ar duas reportagens publicadas pelo UOL, a respeito do uso de dinheiro vivo na compra de 51 imóveis da família presidencial. O autor da ação bem acolhida pelo desembargador Cavalcanti é o senador Flávio Bolsonaro, o filho 01.
É mesmo para ficar confuso. O filho do presidente que venera a liberdade — a de expressão em particular — pediu que a Justiça censure um órgão de imprensa. Talvez Flávio tenha sido um menino traquinas, procurando o tribunal sem a autorização do pai. Nesse caso, merece receber um pito em público. No meio de uma campanha eleitoral, e sendo a questão dos imóveis delicadíssima, essa hipótese é improvável. Nesse caso, é o próprio Bolsonaro quem deve uma explicação: é ou não para levar a sério essa história de que "a liberdade é mais importante que a própria vida"?
A equipe de Bolsonaro já produziu uma explicação para o processo e a sentença: não houve censura, porque as reportagens eram fake news.
A primeira reportagem sobre a compra dos imóveis trazia uma grave imprecisão, que pôs em dúvida as conclusões da investigação, como mostrou O Antagonista. O texto usou a expressão "em moeda corrente nacional", presente nas escrituras das casas e apartamentos, como se fosse sinônima de "dinheiro vivo". Não é o caso. A "moeda corrente" pode ser entregue em cheques ou transferência bancária, não precisa ser em notas de real transportadas em uma mala. Não seria possível afirmar com certeza, portanto, que as compras dos Bolsonaro foram feitas com dinheiro vivo.
Diante dos questionamentos, o UOL publicou outro texto, explicando que as alegações da primeira reportagem não se embasavam apenas na expressão "em moeda corrente nacional" contida nas escrituras, mas também em viagens, entrevistas e mais de mil páginas de documentos.
Essa discussão tem relevância política e jornalística, mas não tem nada a ver com os argumentos do desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti. Apesar do que dizem os bolsonaristas, ele não afirma que as reportagens trazem informações falsas. O que o perturbou foi o fato de que elas se valem de dados contidos nas investigações do Ministério Público sobre o esquema de rachadinhas no gabinete de Flávio Bolsonaro. Como a utilização desses dados foi proibida na Justiça, por razões processuais, o desembargador acha que ela também deve ser proibida na imprensa. Como se a imprensa fosse um órgão governamental, sujeito às regras do funcionalismo público.
Essa não é uma discussão inédita na nossa história recente. Quem tem o dever de zelar pelo sigilo de documentos públicos é o agente que detém a guarda deles. Se a imprensa recebe os documentos e os publica, não pode ser punida por isso. Certamente não com a censura. O dever da imprensa — mais ainda, sua razão de existir — é prestar informações, não ocultá-las.
A decisão do desembargador faz menos sentido ainda porque toda essa papelada esteve apensada, por muito tempo, a um processo que corria normalmente. Se o processo foi anulado, não significa que o trabalho da imprensa também precisa ser.
Infelizmente, decisões como a do desembargador Demetrius Gomes Cavalcanti são comuns no Brasil. Na cabeça de muito juiz, a privacidade de pessoas públicas — mesmo aquelas que ocupam cargos políticos e estão sendo investigadas por alguma falcatrua — se sobrepõe invariavelmente ao direito dos cidadãos de serem informados sobre seus representantes. Nos períodos eleitorais, para esses mesmos juízes, a livre circulação de informações é menos importante do que o interesse dos candidatos de não serem afetados pela divulgação de histórias incômodas.
Até Bolsonaro, vejam só, às vezes tem razão. A Justiça brasileira se excede com frequência no tratamento da liberdade de expressão. Veda o acesso de pessoas a redes sociais em razão de conversas privadas, manda investigar partidos políticos por sua ideologia e, sim, pratica a censura. Nunca é demais lembrar que o próprio Antagonista teve uma reportagem baseada em documentos oficiais tirada do ar pelo STF, que depois precisou reverter a decisão.
Mas a maneira como o clã Bolsonaro instrumentalizou a Justiça em seu próprio interesse, fazendo tirar do ar informação de relevância política no meio de uma eleição, mostra o quanto há de teatro nas bravatas libertárias do presidente.
As reportagens do UOL não foram censuradas porque um juiz concluiu que elas são fake news, mas porque ele entende que a imprensa deve atuar como uma repartição pública. O Brasil é um brejo.
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Comentários (10)
Marcia
2022-09-24 18:38:58Texto bem esclarecedor. Muito bom, Graieb!
NESTOR
2022-09-24 17:45:35Estranha mídia...apoia claramente um ladrão julgado e condenado e persegue descaradamente um candidato que pode ter seus podres, mas nunca foi denunciado ou julgado. Corrupto seletivo??
Roberto Lima Oliveira
2022-09-24 16:06:21O nome Messias deve ser cassado do nome Jair Messias Bolsonaro. Em lugar de Messias deve ser registrado "Imobiliária". Messias significa "Salvador" e deveria ser usado sómente ao inigualável Jesus, o filho do Criador de tudo. Este atual presidente do Brasil é um amante do dinheiro e por ele não conhece escrúpulos. Nada explica quanto a suas péssimas escolhas. Ai dos brasileiros e do mundo se esse analfabeto fosse o presidente brasileiro durante a WWII. Tomaria o lado do Eixo contra os Aliados.
Nefelibata Atávico
2022-09-24 14:07:17c. Boa oportunidade para explicar a acusação feita por Diogo Mainardi sobre a CENSURA que o UL teria feito a uma reportagem sobre GILMAR MENDES. Afinal, que reportagem é essa? Realmente ela existiu/existe? Se existiu, foi censurada? Nesse caso, qual é o conteúdo dela? Cala a boca já morreu, ou ainda está vivinho na cleptocracia tupiniquim?
Nyco
2022-09-24 10:52:58Alguém sabe me dizer o que houve ontem em Divinópolis (MG)? __ É que em plena sexta-feira, tinha um mar de gente nas ruas vestindo verde-amarelo, teria chance de ser uma data cívica da cidade? -- Corram todos lá no jco online e descubram por vocês mesmos e já se inscrevam no canal, ... kkkk!
Marcelo
2022-09-24 10:08:15Relógio parado também marca hora certa 2 Vezes por dia
Amaury G Feitosa
2022-09-24 08:57:38No CENSOR please ..... a UOL é um lixo impune porque a quadrilha e tentáculos na sua guerra suja usam a plataforma ... sabem que nenhum imóvel neste país é comprado em dinheiro vivo e nenhum cartório viu isto apenas um termo usado nas escrituras ... comprei um imóvel por transferencia bancária e consta como "moeda corrente" e foram reais é claro ... isto é canalhice indigna de uma imprensa livre .. em que "moeda" a finada deixou $12milhões ao ladrão amado? ganhou como? vendendo Avon? canalhas !!
Sillvia2
2022-09-23 23:57:19Notícia alentadora de que o ministro relator Mendonça derrubou a liminar do magistrado/servidor, restabelece a esperança de que os supremos SEMPRE cumpram seu dever primordial de cumprir os mandamentos da CF/88. Venham de onde vierem, estão lá para isso!
Ivan
2022-09-23 23:40:34Segundo os bolsominions noticiar a verdade sobre os crimes do clã Bolsonaro é fakenews da esquerda. Não é não. É exercer a liberdade de imprensa com coragem e independência. Coisa que verdadeiros liberais e conservadores devem defender vigorosamente. Quem defende censura são fascistas, comunistas e ditaduras em geral. Tenham vergonha na cara bozistas.
Wilde
2022-09-23 22:58:55A liminar do TJDFT acaba de ser derrubada por André Mendonça.