As derrotas de Trump
Quantas vezes o presidente dos Estados Unidos pode fingir que não perdeu até conseguir conquistar seus objetivos — seja lá quais forem?

Uma das sátiras que melhor captaram o Donald Trump político foi feita pelo programa Saturday Night Live após sua segunda eleição para a presidência dos Estados Unidos.
A propaganda dos Trump Sneakers, que foi ao ar em fevereiro, mostra como os tênis de Trump não são capazes de melhorar o desempenho de quem os usa na quadra de basquete, mas dão a capacidade de convencer todos ao redor de que você acertou uma cesta de três pontos mesmo depois de um arremesso errado.
Trump recuou de seu tarifaço na semana passada, como ele próprio admitiu, ao dizer que "as pessoas estavam ficando um pouco agitadas". Alguns de seus subordinados, como o secretário do Tesouro, Scott Bessent, disseram, contudo, que estava tudo planejado desde o início.
No domingo, 13, o presidente americano disse que "não houve nenhuma 'exceção' tarifária anunciada na sexta-feira", mas apenas uma mudança no "balde tarifário" imposto aos países, ao se referir a outra mudança.
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Caos
Combinadas a um discurso muito agressivo, essas idas e vindas são apresentadas e interpretadas por muitos como parte de uma estratégia, até porque não faltam apoiadores para explicar o que Trump deliberadamente prefere deixar confuso.
"Podem ser permanentes e podem ser para negociações, porque há coisas que precisamos além das tarifas", disse Trump na terça-feira, 8, ao ser questionado sobre o tarifaço durante reunião com o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, um dia antes de reduzir as tarifas impostas a todos os países, com exceção da China.
Professor de direito, o americano Glenn H. Reynolds publicou um artigo para dizer que “a reviravolta econômica de Trump é um choque para o sistema – que pode valer a pena”.
O próprio autor destacou que “a Casa Branca ainda não divulgou um documento único que detalhe seu plano econômico”, mas, para ele, os movimentos já implementados e declarações de assessores revelam o caminho.
China
Apoiadores mais críticos a Trump, como Ben Shapiro, vinham cobrando uma posição mais clara do presidente: a meta é reduzir as tarifas mundiais, o que incentivaria o comércio global e agradaria aos investidores que tentam navegar em bolsas de valores com a bússola quebrada, ou proteger o mercado americano, com criação de empregos e reindustrialização?
A julgar por mensagem publicada em sua rede social, Truth Social, no domingo, é a segunda opção:
"Estamos analisando os semicondutores e toda a CADEIA DE SUPRIMENTOS DE ELETRÔNICOS nas próximas investigações sobre tarifas de segurança nacional. O que foi exposto é que precisamos fabricar produtos nos Estados Unidos e que não seremos reféns de outros países, especialmente nações comerciais hostis como a China, que farão tudo ao seu alcance para desrespeitar o povo americano. Também não podemos permitir que continuem a nos abusar no comércio, como fazem há décadas. ESSES DIAS ACABARAM! A Era de Ouro dos Estados Unidos, que inclui os próximos cortes de impostos e regulamentações, uma parte substancial dos quais acaba de ser aprovada pela Câmara e pelo Senado, significará mais empregos e melhores salários, a fabricação de produtos em nossa nação e o tratamento dado a outros países, em particular à China, da mesma forma que nos trataram. O resultado final é que nosso país será maior, melhor e mais forte do que nunca. Nós faremos a América grande novamente!"
Esse discurso agrada à base eleitoral do republicano, mas soa ingênuo diante do fato de que as fábricas estão em tendência acelerada de mecanização, mesmo na China.
Quem confia em Trump celebra, agora, o foco que ele deu sobre os chineses, mas essa batalha parece ter um horizonte tão longo quanto o de uma possível reindustrialização dos Estados Unidos, e o republicano tem apenas quatro anos de governo, enquanto o Partido Comunista Chinês joga na perspectiva da eternidade.
E a Rússia?
Trump recebeu elogios de seus apoiadores mais críticos ao corrigir a rota das tarifas. "A disposição de ajustar uma estratégia com base em novos fatos e dados é um sinal da força de um líder. Não é uma indicação de fraqueza", disse o bilionário Bill Ackman, contrariando o que o próprio Trump indicou ao negar que tenha mudado de estratégia.
Enquanto isso, os russos bombardeavam a cidade ucraniana de Sumy, matando dezenas de civis durante o Domingo de Ramos, semanas depois de Trump falhar na tentativa de mediar um cessar fogo — tudo o que o presidente americano conseguiu com sua arte da negociação foi desgastar ainda mais o governo de Volodymyr Zelensky.
Esse fracasso diplomático foi obscurecido, contudo, pelo tarifaço, que monopoliza as atenções do mundo inteiro há duas semanas — e por meio do qual os Estados Unidos perderam boa parte da credibilidade construída ao longo do último século, como referência de estabilidade.
Pode ser que haja motivos para Trump se comportar assim — o mundo é, de fato, um lugar muito confuso —, mas, diante da estratégia caótica, é de se perguntar quantas vezes o presidente dos Estados Unidos pode fingir que não perdeu até conseguir conquistar seus objetivos — seja lá quais forem.
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