Acabou a era dos presidentes da Câmara superpoderosos?
Hugo Motta, o candidato que desponta para o cargo, não terá orçamento secreto à disposição nem deve ser um grande entrave para as vontades do Executivo
Acompanhar disputa pela presidência da Câmara dos Deputados dá uma preguiça danada. É um monte de gente obscura lutando pela sorte grande.
O assunto, no entanto, importa. Há que fazer algum esforço.
No governo Jair Bolsonaro, primeiro houve Rodrigo Maia (União-RJ) comandando a Casa, depois Arthur Lira (PP-AL).
Maia foi um contraponto ao poder do presidente recém-eleito. Bloqueou o avanço das pautas comportamentais mais polêmicas que Bolsonaro trazia da campanha eleitoral. Ao mesmo tempo, fez avançar questões importantes que não estavam no topo da agenda bolsonarista, como reforma da Previdência e criação de um novo marco do saneamento.
Lira teve convivência mais pacífica com Bolsonaro. Ajudou-o na aprovação de projetos fundamentais para a sustentação do governo, como a PEC Kamikaze, que turbinou benefícios sociais a menos de três meses das eleições de 2022. Justiça seja feita, porém, traçou com clareza uma linha no chão todas as vezes que o ex-presidente se exaltou com ideias de ruptura institucional.
Com a chegada de Lula ao Planalto, Lira entrou em modo defensivo. Procurou, antes de mais nada, impedir que o governo pudesse prescindir dele ou suplantá-lo nas negociações com os demais deputados. Conseguiu impor-se em diversas ocasiões. Criou dificuldades até mesmo para a PEC que estruturava o governo.
Essa, portanto, é a primeira questão relevante sobre o presidente da Câmara: em qual medida ele vai ser um entrave às vontades do Executivo.
Há uma segunda interrogação em relação ao próximo ocupante do cargo. Até que ponto ele vai conseguir reproduzir o esquema de comando de Arthur Lira?
Lira pode entrar para a história como o presidente mais poderoso que já passou pela Câmara, devido ao controle que teve sobre as emendas parlamentares – primeiro as do relator, depois as de comissão.
Ele compartilhou esse controle com um grupo seleto de deputados, especialmente os líderes de partidos, e com isso conseguiu mobilizar maiorias para aprovar ou barrar projetos de lei.
A força do próximo presidente da Câmara vai depender de quanta influência ele terá na distribuição de dinheiro entre seus colegas.
Ainda falta muito tempo para a eleição, que acontece em fevereiro de 2025. Mas nesta sexta-feira, 6 de agosto, há um nome que desponta pela primeira vez na liderança da corrida: o paraibano Hugo Motta (foto), do Republicanos. Ele é um parlamentar bastante jovem, que completa 35 anos no próximo dia 11.
Motta deixou para trás duas figuras mais experientes que desejavam muito sentar na cadeira: Elmar Nascimento (União-BA) e o presidente do seu próprio partido, Marcos Pereira (Republicanos-SP).
Uma das razões é que não foi visto como uma figura ameaçadora pelo Planalto. Nascimento, além de ser amigão de Lira, é visto como muito próximo de posições bolsonaristas. Pereira, embora tenha bom relacionamento com Lula, comanda o partido do governador de São Paulo Tarcísio de Freitas, potencial concorrente à presidência em 2026.
A resposta à primeira pergunta, portanto, é que Motta não desponta como um grande entrave aos interesses do governo. Ao que tudo indica, não será para Lula o que Rodrigo Maia foi para Bolsonaro.
E as suas chances de repetir o padrão Lira?
Indicado por Lula ao STF, o ministro Flávio Dino suspendeu o pagamento de todas as emendas no começo de agosto. Com isso, forçou o Congresso a se sentar com o Executivo e redefinir a maneira como o dinheiro do orçamento é usado pelos parlamentares.
Ainda não se sabe exatamente qual o arranjo que vai sair daí. Pode até ser que o presidente da Câmara preserve algum grau de ingerência sobre a distribuição da grana, mas não será como Lira, que desfrutou das delícias do orçamento secreto.
Com isso, há mais chances de que seja tutelado pelos cardeais que abrirem caminho para a sua ascensão, como o próprio Marcos Pereira.
Há muita coisa para acontecer nos próximos meses. Parece razoável dizer, no entanto, que a era dos presidentes superpoderosos da Câmara dos Deputados não irá além de 2024.
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