Por que os tuiteiros comunistas estão magoados com 'Stranger Things'
Um espectro ronda o Brasil: o espectro do anticomunismo. Foi o que li outro dia em um site de notícias: entre outros males espirituais reforçados pelo bolsonarismo, pontificava um jornalista, está a “demonização" dos comunistas. O texto nada dizia sobre os grandes feitos históricos do comunismo – Holodomor, julgamentos de Moscou, Gulag, para citar só...
Um espectro ronda o Brasil: o espectro do anticomunismo. Foi o que li outro dia em um site de notícias: entre outros males espirituais reforçados pelo bolsonarismo, pontificava um jornalista, está a “demonização" dos comunistas. O texto nada dizia sobre os grandes feitos históricos do comunismo – Holodomor, julgamentos de Moscou, Gulag, para citar só umas poucas glórias da saudosa União Soviética –, mas lembrava que comunistas ocuparam postos elevados no Brasil democrático sem que se produzissem abalos sísmicos. Um comunista, veja só, foi até ministro da Defesa, mandando nos milicos que em 1964 deram um golpe sob pretexto de salvar o país do comunismo. Faltou dizer que esse comunista é Aldo Rebelo, cujo temor paranoide de intervenções estrangeiras na Amazônia guarda uma curiosa convergência com o pensamento (se cabe a palavra) que o atual presidente tem sobre a região. Mas nada disso vem ao caso: importa apenas combater o anticomunismo, que não tem razão de ser, pois os comunistas hoje são inofensivos.
A julgar pela bolha comunista do Twitter, realmente não há o que temer. O jovem marxista-leninista não vai se embrenhar no Araguaia, pois no meio do mato pode não haver WiFi para acompanhar Stranger Things. A série da Netflix despertou um interesse intenso e indignado na nova geração vermelha.
O leitor que não convive com crianças ou adolescentes talvez não conheça Stranger Things. Pois trata-se de uma história de ficção científica ambientada nos anos 1980, na qual um grupo de crianças americanas (já adolescentes na quarta temporada, que estreou no fim de maio) descobre que sua cidadezinha oculta portais para o Mundo Invertido, uma dimensão paralela infestada de monstros. Os irmãos Matt e Ross Duffer, criadores da série, entremeiam o enredo com várias referências aos filmes da época, de ET a Alien. Graças a essa nostalgia pop, é até provável que o leitor que não tem filhos adolescentes na verdade conheça Stranger Things.
Passei alguns minutos divertidos lendo tuítes comunas sobre a série. A crítica marxista acadêmica busca desvendar relações sociais insuspeitas nas obras que analisa. E então temos Robinson Crusoé personificando a industriosidade burguesa em sua ilha, ou Fausto convertendo-se em emblema do espírito dominador e expansionista da mesma burguesia. Mas os tuiteiros, coitadinhos, não têm fôlego para tanto. Limitam-se a acusar Stranger Things de – lá vem a palavra maldita! – anticomunismo.
A série se passa durante a Guerra Fria, o que deu aos criadores a oportunidade de infiltrar agentes soviéticos na cidade fictícia de Hawkins, Indiana. Na terceira temporada, os russos montam uma imensa estrutura subterrânea sob um shopping center para explorar os portais que conduzem ao Mundo Invertido. Nas duas temporadas anteriores, uma agência secreta do governo americano também investigava o Mundo Invertido com intenções cavilosas, e ainda explorava uma menina com poderes telecinéticos – ela era forçada a cometer assassinatos políticos à distância. Mesmo assim, os tuiteiros estão convencidos de que a série é uma peça de propaganda ideológica americana (ou, como eles preferem, “estadunidense").
A quarta temporada traz sequências em uma prisão soviética, e foi isso que detonou a raiva dos comunistas. Todos professam uma nova variedade de negacionismo histórico stalinista, segundo a qual a historiografia burguesa inventou ou pelo menos exagerou os horrores do Gulag. Essas bizarrices são próprias de uma franja extrema e até agora insignificante da esquerda, mas vêm ganhando uma desproporcional notoriedade desde que um compositor tropicalista fez espalhafatosos elogios ao guru da turma.
Chamado a se pronunciar no Twitter sobre Stranger Things, o guru disse que nem sabia o que era isso. Mas seus discípulos virtuais acompanham a série há anos, ou não estariam só agora dando atenção à quarta temporada. Há até os que anotam incongruências históricas da trama, como se uma fantasia povoada por monstros que dominam mentes e por crianças com superpoderes pudesse ser avaliada por uma régua realista. No fundo do coraçãozinho comunista, despertou uma dolorosa mágoa: a turma se sente traída pela série que curtiu até pelo menos parte da terceira temporada. É uma questão ideológica, mas também pessoal. Muitos parecem tomar o anticomunismo não como uma posição política, mas como um odioso preconceito, algo da mesma ordem do racismo ou da homofobia. No mais puro espírito da esquerda woke, esses delicados revolucionários sentem-se ofendidos por Stranger Things.
O comunismo, como o K-Pop, talvez seja dessas coisas que a gente está obrigado a perdoar em quem é muito jovem. Mas acho triste que uma doutrina que matou milhões no século XX e ainda hoje segue oprimindo chineses, norte-coreanos e cubanos consiga mobilizar os anseios de garotos e garotas desorientados. Há quem enxergue nisso um saudável sinal de "resistência ao fascismo”, quando na verdade os extremismos retroalimentam uns aos outros.
O governo Bolsonaro é o desastre que se conhece, e isso favorece a ideia simplista de que qualquer um que lhe faça oposição está do lado certo da história. Daí se conclui que, sendo Bolsonaro um anticomunista rábido, o anticomunismo só pode ser um erro, uma aberração. Não funciona assim. Erro intelectual e aberração moral é tomar Jair Bolsonaro como bússola, ainda que seja para seguir sempre na direção contrária a que ela aponta.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (10)
PAULO RICARDO SERRA DE LIMA
2022-06-20 17:03:15Extremistas vivem num mundo tão só deles que não discernem verdades de mentiras, esperar que eles discirnam fantasia ou ficção de realidade é querer demais...
Márcio Luiz Quaranta
2022-06-13 12:04:28Não é necessário um universo paralelo para encontrar monstros. Hitler, Stálin,Lenin, Pinochet, Pol spot,Não Zedong
VITOR
2022-06-13 10:30:52O sujeito falou "estadunidense", eu já estou indo embora. Aliás,tem palavras que só esquerdista usa, é muito engraçado. Agora, o que não é nada engraçado é ver essa turma de jovens cabeça-oca, sem cultura nenhuma, usando camisetas do Che Guevara e lutando "contra o capitalismo", o mesmo que paga o salário de seus pais e, por decorrência, as suas mesadas. E ainda têm a coragem de chamar os outros de "alienados" (mais uma palavra que só esquerdista usa). O que faz a falta de autocrítica...
Carlos
2022-06-13 09:01:07Este bando de desocupados, ao invés de trabalhar e produzir ficam azarando e invejando os que trabalham e ganham seu dinheiro honestamente. E viva a liberdade e a democracia, mesmo com os muitos defeitos que ela tem!
Amaury G Feitosa
2022-06-13 07:59:46Por que o jornaLIXo estigmatiza comunistas? conheço muitos comunistas dignos homens íntegros e Aldo Rebelo é um deles e tem sido atacado pela escória fanática porque não mente não atraiçoa e tem o respeito de todos pela forma como se portou no poder ... afirmo como reconhecimento a um homem digno de si e de sua gente que tem o direito de ser o que quiser o que fez e faz com extrema decência de dignidade.
Patrick
2022-06-13 00:23:34legal o texto, disse tudo
Branda
2022-06-12 20:49:46Muito bom.
ELON
2022-06-12 20:30:20Foi divertido a conclusão sobre o anticomunismo
Nyco
2022-06-12 19:47:52Jornalista fraquinho, deu a volta ao mundo comunista, envolveu atores adolescentes só para atacar o PR Bolsonaro, sem mencionar o ex-detento cachaceiro e maior ladrão da história da humanidade. Pior que tem jumento submisso concordando com esse "jornalista" escroto.
Clayton De Souza PONTES
2022-06-12 18:32:22Os autocratas se apoiam, como se viu na declaração do Kim, elogiando o Putin e no reconhecimento de alinhamento de representantes da China. Aqui no Brasil, prefiro #nemlulanembolsonaro