Ricardo Stuckert / PRhá um impasse que deve forçar Lula a abandonar o dualismo usado em discursos para investidores ou para a população.

A perigosa sensação de paralisia decisória

Uma lista de assuntos que o presidente Lula tem tido dificuldade de endereçar pode indicar que uma crise mais profunda pode estar se avizinhando
14.06.24

Em modelos explicativos sobre o processo decisório que ocorre dentro do Estado, um tema chave é a sua capacidade de processar as demandas que chegam (inputs) e entregar resultados (outputs) que podem ser políticas públicas ou mesmo decisões que promovam acomodações de grupos. Se, por algum motivo, o poder público, em um sentido mais amplo, não consegue dar vazão ao fluxo de inputs, ele caminha para uma crise de paralisia.

Uma lista de assuntos que o presidente Lula tem tido dificuldade de endereçar pode indicar que uma crise mais profunda pode estar se avizinhando: greve de diversos segmentos da administração pública sem perspectiva de solução, uma agenda de controle das contas públicas que, após ser negligenciada em um primeiro momento, ameaça se impor, indiciamento de corrupção do ministro das Comunicações, impasse nas políticas de alívio da população do Rio Grande do Sul, desconfiança com setores econômicos e incapacidade de construir uma maioria no Congresso Nacional.

A conjunção desses fatores – um fenômeno político nunca é o resultado de apenas uma variável – pode se sintetizada com uma mensagem potencialmente perigosa que indica um ciclo vicioso no qual a falta de suporte político inibe a formulação de agendas por parte do governo. E a falta de agenda mina a possibilidade de construir melhores condições políticas. Por isso a imagem da paralisia.

Nesta semana, o governo passou bem perto de um problema de proporções que escapariam do seu controle. Se a MP 1227, que mudou um sistema de obtenções de crédito fiscal, não tivesse sido devolvida pelo presidente do Senado Federal, haveria um forte repasse do aumento de impostos para os consumidores, especialmente no caso dos combustíveis. Seria a primeira vez que o mal-estar ainda contido no universo de empresários e políticos transbordaria para a população, com potencial explosivo para minar a já abalada popularidade do presidente Lula.

O episódio foi uma grande derrapada do ministro Fernando Haddad que não fez uma boa leitura da resistência política que a MP 1227 provocaria. Um cálculo errado e uma certa displicência em relação à medida, que foi apresentada pelo segundo escalão da Fazenda enquanto o ministro se encontrava com o papa Francisco em Roma, colocou Lula em uma situação difícil de sair. Embora uma grande parte dos analistas prefira retratar quase como uma “vítima” da visão gastadora do presidente, o episódio demonstrou que Lula tem razão em desconfiar da sensibilidade política do seu pupilo.

O fato é que se chegou em um ponto do caminho no qual há um impasse que deve forçar Lula a abandonar o dualismo usado em discursos para investidores ou para a população. Em tese, ele pode se render, mesmo que temporariamente, à ortodoxia da agenda e promover um ajuste no crescimento de gastos para tentar resgatar a confiança de agentes econômicos ou abraçar de vez o populismo esquerdista, fazendo discurso contra as instituições e tentar despertar uma pressão social adormecida que o ajudaria a superar resistências.

Mas por que esses caminhos existem apenas em tese? Porque é possível que Lula não tenha reais condições de seguir efetivamente nenhum deles. Se decidir virar ao centro, terá a oposição do PT e de parte da sua base eleitoral. Se virar à esquerda, alimentará ainda mais a oposição do Congresso e do eleitorado conservador.

A percepção de que Lula nem sequer tem opções reais à sua frente é o cenário mais perigoso para ele porque vai alimentar a ideia de que o país pode vivenciar um vazio de poder. Se há um relativo consenso a respeito do que precisa ser feito, mas também um senso comum de que o governo não tem capacidade de seguir nesse caminho, por falta de condições contextuais ou por falta de capacidade pessoal, o que resta?

Esta situação não é nova. Dilma Rousseff, Michel Temer e Jair Bolsonaro a vivenciaram. A primeira não teve condições de reagir e sofreu o impedimento. O segundo já estava no final do seu mandato e perdeu qualquer controle sobre sua sucessão. O terceiro abraçou o Congresso Nacional e delegou para ele o controle do processo decisório e o controle dos recursos do Executivo.

A delegação do governo para os partidos de centro, que começaria inclusive com um autoisolamento das decisões econômicas e a concessão de espaços estratégicos para aliados do Congresso podem promover o choque de confiança na economia que ele precisa. Nesse caso, seu principal papel seria submeter o PT ao compartilhamento do poder com a “frente ampla”.

A questão, nesse sentido, é se Lula estaria disposto a se sujeitar se tem paciência e humildade para ceder espaço para líderes que ele não considera que estejam no seu nível. Enquanto não se decide ou busca alternativas, é impossível deixar de perceber que o congelamento decisório do país reflete a própria paralisia de Lula quanto às suas opções e ao seu destino político.

 

Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político

 

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  1. O Lula está usando o Haddad de para choque. Quando não consegue emplacar suas sandices econômicas, a culpa fica com o ministro e ele joga a responsabilidade pro Congresso achar as saídas econômicas . Desgoverno total

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