Discussão sobre abuso de poder religioso divide TSE
A inclusão da figura do “abuso de poder religioso” na lista de hipóteses que podem levar à cassação de mandatos divide o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Iniciado em junho, o julgamento da tese que pode permitir a investigação de políticos, de forma específica, por este excesso está empatado em 1x1 e deve ser retomado após...
A inclusão da figura do “abuso de poder religioso” na lista de hipóteses que podem levar à cassação de mandatos divide o Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. Iniciado em junho, o julgamento da tese que pode permitir a investigação de políticos, de forma específica, por este excesso está empatado em 1x1 e deve ser retomado após o fim do recesso do Judiciário, em agosto.
Ministros e interlocutores ouvidos por Crusoé apostam em um placar apertado, com a vitória garantida pela diferença de um voto, ainda que não arrisquem o palpite sobre o desfecho final. A previsão tem motivo claro: o assunto é complexo, levantando diversas linhas de argumentação, e líderes religiosos e parlamentares evangélicos e católicos prometem fazer barulho contra o entendimento.
A tese foi levantada pelo ministro Edson Fachin, relator de um recurso especial eleitoral que discute a cassação da vereadora Valdirene Tavares dos Santos, do Republicanos, partido ligado à Universal, eleita em 2016 no município de Luziânia, no Goiás. O Ministério Público Eleitoral a acusa de abuso de poder religioso pelo pedido de votos em um templo da Assembleia de Deus.
Sob o entendimento de que o MPE não apresentou provas suficientes, Fachin votou pela revogação da condenação. Contudo, sugeriu que a figura autônoma do abuso de poder de autoridade religiosa passe a integrar o rol de condutas que podem ser contestadas em ações de investigação judicial eleitoral a partir das eleições municipais deste ano. Hoje, o TSE entende que apenas os abusos de poder político e econômico podem resultar em perda do mandato.
"Entendo que a intervenção das associações religiosas nos processos eleitorais deve ser observada com a devida atenção, tendo em consideração que as igrejas e seus dirigentes ostentam um poder com aptidão para amainar a liberdade para o exercício do sufrágio e debilitar o equilíbrio entre as chances das forças em disputa"
A concepção do magistrado é de que, sem a referência expressa e direta ao abuso de poder religioso no quadro das técnicas eleitorais impugnativas, apenas as normas vigentes hoje, como o fato de as igrejas estarem entre as fontes proibidas de financiar candidatos e a vedação da propaganda política dentro dos templos, não são suficientes para regular a influência das igrejas no processo eleitoral.
O argumento, contudo, está longe de ser unanimidade. Alguns ministros e interlocutores observam, por exemplo, que, apesar de reconhecerem alguns excessos, há dificuldade em se estabelecer um limite que não desrespeite os direitos à liberdade de consciência, de crença, de manifestação do pensamento e de expressão.
Quando se entra no campo do direito comparado, Fachin citou, no voto, o entendimento do Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Federação (México), que "finca pé na necessidade de impedir que qualquer força política possa coagir moral ou espiritualmente os cidadãos, em ordem a garantir a plena liberdade de consciência dos protagonistas do pleito". No país mencionado, há restrição quanto ao acesso a cargos políticos por parte de autoridades eclesiásticas.
Porém, o assunto é tratado de forma diferente em diversos pontos do mundo. Na Alemanha, como no Brasil, por exemplo, nada proíbe que partidos políticos defendam bandeiras religiosas e participem de pleitos.
No julgamento iniciado em junho, Alexandre de Moraes abriu a divergência, votando contra a tese de Fachin, com base em um terceiro argumento. Para o ministro, que vai presidir o TSE durante as eleições de 2022, não parece ser possível em virtude do princípio da legalidade, adotar uma figura não prevista em lei, e alargar uma regra sancionatória.
"Não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos na defesa de seus interesses assim como os demais grupos que atuam nas eleições”, pontuou. Para ele, se o abuso eleitoral for admitido, a legislação também poderá se dividir entre abuso do poder sindical, empresarial e corporativo, por exemplo.
O julgamento foi interrompido por um pedido de vista do ministro Tarcísio Vieira de Carvalho. Na Corte, a aposta é de que pelo menos os dois magistrados de origem jurista sigam o entendimento de Alexandre de Moraes, formando, assim, três votos. Ao todo, sete ministros efetivos integram o tribunal, presidido por Luís Roberto Barroso.
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