Análise: Mandetta já prepara o 'depois'
Já dizia o escritor russo Leon Tolstoi: “A sabedoria com as coisas da vida não consiste em saber o que é preciso fazer, mas em saber o que é preciso fazer antes e o que fazer depois”. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, enquanto tinha respaldo do presidente da República para permanecer no cargo,...
Já dizia o escritor russo Leon Tolstoi: “A sabedoria com as coisas da vida não consiste em saber o que é preciso fazer, mas em saber o que é preciso fazer antes e o que fazer depois”. O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, enquanto tinha respaldo do presidente da República para permanecer no cargo, fez o que precisava fazer. Observou detidamente as orientações das entidades internacionais de saúde, comprometeu-se com uma gestão técnica alicerçada na ciência e insistiu no que acreditava até onde pode. Agora, ciente de que perdeu as condições políticas para conduzir a Saúde em meio à pandemia do coronavírus, Mandetta já prepara o seu “depois”. Isso ficou claro em entrevista coletiva concedida na tarde desta quarta-feira, 15, no Palácio do Planalto.
Se até ontem, o ministro perambulava sorumbático pelos corredores do Ministério da Saúde, ante a iminência da demissão, hoje a postura foi outra. Altivo e com um semblante sereno, Mandetta costurou do jeito que quis, quase como senhor da situação, sua saída pela porta da frente. Em tom de despedida, falou, sem ser ofensivo, quase tudo o que precisava dizer na “casa do adversário” e no dia em que o anfitrião havia proibido a extensão da entrevista para os questionamentos – o Planalto já havia anunciado que não haveria perguntas dos jornalistas, mas Mandetta não só contrariou o protocolo, como ditou o ritmo da peleja. “Seja lá quem o presidente colocar, que ele confie e dê condições para que a pessoa possa trabalhar baseado na ciência, nos números e na transparência dos casos”, afirmou o titular da Saúde como se ele, e não o presidente, soubesse o rumo mais adequado a seguir. Foi a primeira vez que Mandetta admitiu publicamente estar em direção à porta de saída.
Também foi a primeira vez que o ministro pontuou as razões do adeus cada vez mais próximo. Falou sobre o descompasso na gestão da crise e disse com todas as letras que o presidente “claramente externa que quer um outro tipo de posição por parte do Ministério da Saúde”. Ou seja, de certa forma, ele expôs Bolsonaro ao mostrar para a sociedade que a mudança no trabalho aprovado com louvor por ela – cerca de 76% da população, segundo recente pesquisa – será de inteira responsabilidade do mandatário do país.
Entre uma pergunta e outra, no entanto, fez questão de deixar patente que, enquanto permanecer no cargo, mesmo que por pouco tempo, quem distribui as cartas é ele e seus auxiliares, estes de prontidão para deixar o ministério tão logo seja apeado do cargo. Minutos antes, no início da entrevista, Mandetta havia declarado não ter aceitado o pedido de demissão do secretário de Vigilância em Saúde, Wanderson Oliveira, anunciado mais cedo. “Lá nada muda, enquanto eu estiver no Ministério da Saúde, vocês podem ter certeza que aquele povo lá está trabalhando, trabalhou hoje de manhã, trabalhou hoje de tarde, vai trabalhar hoje de noite, eu vou trabalhar também, que se eu não der o exemplo, ninguém vai. O Wanderson hoje que mandou um papel lá que eu mandei devolver para ele, voltou para trás. Nós entramos juntos e vamos sair juntos”, em referência também a João Gabbardo, seu número 2, que estava presente à coletiva e era um dos cotados para substituí-lo.
Médico ortopedista, nascido em Mato Grosso do Sul, Mandetta, 55 anos, foi secretário de Saúde, exerceu dois mandatos de deputado federal e não concorreu à eleição em 2018. Mas, apesar do currículo nada robusto até então e de ter passado batido no primeiro ano de Bolsonaro, com a pandemia do coronavírus o titular da Saúde atraiu os holofotes, ganhou musculatura política, conquistou popularidade e passou a despertar a ira de Bolsonaro ao ser visto como um obstáculo inamovível à adoção de políticas de seu interesse. Por isso, a não ser que haja uma improvável reviravolta, Mandetta “está ministro”, mas não atravessa a semana ministro. O risco para Bolsonaro é que Mandetta, como dizia Tolstoi, tenha a sabedoria de saber o que “fazer depois” de sua despedida. A entrevista concedida nesta tarde de quarta-feira, 15, quando o titular da Saúde exibiu suas credenciais políticas, foi apenas um aperitivo para o que pode vir adiante. Se a crise sanitária e econômica desandarem e o futuro ex-ministro virar, além de um contraponto, o símbolo daquilo que poderia ter dado certo e não deu no combate ao coronavírus, quem poderá “estar presidente” é Bolsonaro.
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