Orçamento de 2026 é puro suco de Brasil
A lógica é simples demais para ser ignorada: universidade, enquanto tal, não dá voto; emenda dá
Não foi um detalhe técnico.
Não foi um erro de cálculo.
Foi uma decisão política registrada em números.
Na semana em que o Congresso aprovou o Orçamento de 2026, duas notícias correram em paralelo, como linhas que se cruzam no mesmo gráfico (i)moral do país.
De um lado, a confirmação do corte de centenas de milhões de reais no orçamento das universidades federais, noticiado amplamente pela imprensa, com impacto direto em custeio, bolsas, pesquisa e funcionamento básico das instituições.
De outro, a aprovação do orçamento com manutenção robusta (na verdade, ampliação de mais de 20%) das verbas destinadas às emendas parlamentares, aquelas mesmas que não passam por planejamento educacional, científico ou estratégico, mas por conveniência política (o que chamo de compra de votos legalizada).
O contraste é didático. E cruel.
Enquanto universidades públicas, que já estão em frangalhos, avisam que faltarão recursos para manter laboratórios abertos, pagar contas elementares ou sustentar programas de pesquisa, o parlamento tupiniquim preserva, com zelo maternal, o dinheiro que irriga bases eleitorais, garante alianças e sustenta o metabolismo doentio da política profissional.
O Brasil, mais uma vez, optou por financiar o mandato em vez da inteligência.
Não se trata de demonizar a política enquanto arte de conduzir a pólis.
Trata-se de reconhecer a hierarquia real das prioridades neste país.
Universidade forma gente que pensa, questiona, compara, critica (bem, ao menos assim deveria ser...).
Se bem ajustado, é investimento de longo prazo, retorno lento, ganho civilizacional.
Já a emenda parlamentar é o oposto: resultado rápido, foto imediata, gratidão localizada. Não constrói sistema, não estrutura país, mas resolve o próximo pleito.
A lógica é simples demais para ser ignorada: universidade, enquanto tal, não dá voto; emenda dá.
Por isso o corte não causa espanto em Brasília. Ele causa silêncio. Um silêncio técnico, embalado por palavras como “ajuste”, “responsabilidade fiscal”, “limite orçamentário”.
E como o governo de turno é ideologicamente próximo ao mundo das universidades, o silencio ganha dimensões ainda mais estranhas... no máximo nota protocolar, gentil até, assinada por gestores.
O leitor atento percebe: o orçamento não é apenas um documento contábil. Ele é um texto moral.
Ele revela o que um país considera essencial e o que julga descartável.
E, no Brasil de 2026, o recado é inequívoco: pensar é caro. Negociar favores é prioridade.
Quando uma universidade corta bolsas, o estudante abandona o curso. Nossas universidades batem recordes de abandonos, de vagas ociosas. As universidades estão vazias.
Quando suspende pesquisa, o país interrompe inovação.
Quando fecha laboratório, não fecha só uma porta, fecha uma possibilidade histórica.
Mas nada disso aparece na placa inaugurada com verba de emenda. Nada disso rende selfie, discurso ou palanque.
Cortar na carne das universidades não é apenas “economizar”.
É rebaixar o horizonte nacional. É aceitar que o país viva de soluções imediatas, sem projeto, sem continuidade, sem ambição intelectual.
É trocar biblioteca por planilha eleitoral, tese por tratativa, conhecimento por conveniência.
E depois, com a serenidade cínica que só a rotina institucional produz, pergunta-se por que o Brasil não avança, por que a produtividade é das mais baixas do mundo, por que a inovação manca, por que o futuro nunca chega.
Talvez porque ele tenha sido cortado linha a linha no orçamento.
Quando um país escolhe proteger a verba do político e sacrificar a verba da educação, ele não faz um ajuste fiscal.
Ele faz um ajuste civilizacional para baixo... e o preço, como sempre, será pago por quem não vota no orçamento, mas vive sob ele.
Dennys Xavier é escritor, tradutor e PhD em Filosofia
Instagram: prof.dennysxavier
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Comentários (1)
Celia Maria Penedo
2025-12-26 09:27:59Excelente artigo