Lula perde para Lula
O presidente concorre contra ele mesmo e, ainda assim, consegue perder para sua própria rejeição
O presidente Lula está concorrendo contra ele mesmo e, ainda assim, consegue perder. Isso, por si só, já é uma proeza estatística.
Esqueça o que você enxerga na primeira vista nas pesquisas de opinião que circulam hoje. Para quem olha de forma desatenta, elas parecem um raio X da realidade. Não são.
Carregam vícios, distorções e um tanto de preguiça cognitiva.
Primeiro, o percentual altíssimo de indecisos.
Segundo, o timing completamente artificial.
Terceiro, o cardápio real de opções ainda nem foi colocado na mesa do eleitor.
Lula sabe disso, o entorno dele sabe disso, a imprensa sabe disso.
Ninguém, porém, tem o menor interesse em se aprofundar no assunto. É mais confortável ficar na superfície opinativa e fingir normalidade institucional.
Vamos destrinchar alguns pontos com calma.
Tempo
O eleitor médio não está pensando em política agora. É isso.
Para ser honesto, o eleitor médio quase nunca está pensando em política.
Com raras exceções, ele só vai pensar nisso na semana que antecede a ida às urnas.
Até lá, eleição é assunto para entusiasta, para gente com pele em risco, servidor, investidor, empresa que sabe que alternância de governo muda a vida real.
Cerca de 50% do eleitor chega na semana da votação sem ter se decidido em quem votar para o Legislativo.
Aproximadamente 1/3 entra na urna, no domingo, ainda sem ter definido todos os votos.
Entre 1/4 e 1/5 simplesmente nem aparece para votar. É abstenção inercial, aquela apatia que o sistema trata como “normalidade”.
A maioria absoluta das pessoas responde pesquisa baseada em lembrança, em puro recall, não em escolha refletida, real e cristalizada.
Se a pergunta fosse: “quem foram os melhores apresentadores de TV popular na última década?”, viriam respostas como Silvio Santos, Faustão, Gugu, Ratinho.
Não é uma análise, é reflexo condicionado, o tal recall.
Lula esteve na mídia, direta ou indiretamente, nos últimos vinte e cinco anos.
Como oposição, como governante, como padrinho de governo, como protagonista de escândalo.
São milhares de aparições se acumulando na cabeça desse eleitor meio distraído. Ele é uma marca antiga gravada no inconsciente coletivo.
Quem é Tarcísio para o Brasil profundo?
Muita gente ainda associa o nome ao ator Tarcísio Meira.
Quem é Ratinho Júnior?
Para boa parte, só existe o pai, o apresentador. “Uai, mas ele também virou político?”
Haddad, Alckmin? O eleitor médio nem pronuncia direito, quanto mais guarda.
Rejeição
Lula, ao contrário, é um nome simples, de quatro letras, com um quarto de século de exposição ao poder.
Tudo conspira a favor dele no quesito lembrança em pesquisa.
E, mesmo assim, ele apanha da própria rejeição.
Pesquisas recentes, como Genial/Quaest e Paraná Pesquisas, abriram uma série depois da crise de segurança pública no Rio de Janeiro.
Mediram o óbvio, mas o óbvio incomoda: mesmo sem sombra de concorrente estruturado, sem cardápio de opções colocado, Lula perde para ele mesmo.
Perde para a rejeição, que insiste em ser maior que a aprovação.
No terceiro mandato, ele chegou a esboçar uma melhora numérica, uma pequena marola positiva. Rapidamente ficou claro que era limitada, quase cosmética.
Rejeição é mais fiel que intenção de voto.
É mais fiel que cachorro de estimação, mais fiel que muito casamento.
O eleitor que uma vez rejeitou um político tem enorme dificuldade de rever essa posição. É quase uma cicatriz moral.
Faça o teste empírico.
Pergunte a um eleitor que não vota em Lula: “O que ele precisaria fazer para você considerar votar nele?”.
Em 95% por cento das vezes, você vai ouvir um “nada” seco.
Nada, absolutamente nada do que ele faça poderá fazer essa pessoa mudar de lado.
Bolsonaristas
Enquanto isso, o eleitor bolsonarista está completamente perdido e disperso.
Cerca de 15% dos eleitores não se percebem de direita ou esquerda, são bolsonaristas puros.
Esse grupo não sabe se Bolsonaro estará em campo em 2026, se será um filho, a esposa, Tarcísio ou algum arranjo improvável.
Essa turma, além de tudo, carrega revolta com a situação jurídica de Jair Bolsonaro.
Declara voto de protesto, cogita branco, nulo, “escolher o adversário para atrapalhar”.
É um comportamento errático, mas politicamente relevante para o momento jurídico.
Eleitor do meio
Agora vem o personagem decisivo: o eleitor do meio.
Esse é o sujeito que define eleição.
Pragmático, exigente, sem ídolo, sem camiseta.
Em 2014, ele olhava para Dilma Rousseff e Aécio Neves, dois nomes com rejeição alta, e não sabia para onde ir.
Quando o avião de Eduardo Campos caiu, correu emotivamente para Marina Silva, até que ela foi destruída por uma campanha de descredibilização meticulosa.
Em 2018, esse mesmo eleitor estava estrangulado entre a rejeição de Fernando Haddad e a rejeição a Jair Bolsonaro.
A facada em Jair colocou o nome dele 24 horas por dia, sete dias por semana na mídia.
O eleitor do meio, empurrado por esse gatilho brutal, decidiu se movimentar na direção de Bolsonaro. Ali a campanha virou.
Esse eleitor do meio só se mexe com gatilhos fortes, choques, eventos que rompem a inércia. Não está interessado em campanha agora.
Quer viver, trabalhar, fazer compra, ver futebol, assistir série. Parar essa pessoa na rua com prancheta, ou importunar com ligação em hora errada, não ajuda a entender sua cabeça.
Manada
E falta ainda o efeito manada.
Existe uma parcela significativa do eleitorado que age em bando, por instinto gregário.
Quer estar do lado vencedor, quer poder dizer “não desperdicei meu voto”.
Esse é o último passageiro a subir no vagão certo. Ele espera até o fim para pular na composição que acredita que vai ganhar.
Curiosamente, esse eleitor é o último a se mover e o primeiro a ser previsto.
Por quê? Porque ele nunca vai para o lado mais rejeitado.
Basta alinhar diversos cases de campanha sobre a mesa e observar: na reta final, o candidato com maior rejeição tende a perder.
Quem trabalha com política sabe disso.
O político profissional sabe disso.
O medo de Lula nasce exatamente aí.
Num segundo turno minimamente normal contra qualquer um dos nomes que hoje estão no radar, com exceção de Bolsonaro e seus filhos, Lula tende a perder depois que o ambiente se fecha, depois que os candidatos são empilhados e comparados lado a lado.
É um movimento quase mecânico.
Lula, o PT e os institutos sabem que hoje ele aparece vencendo por recall.
Ele vence no papel, no mapa abstrato das pesquisas frias.
Quando se pisa no terreno real e se caminha até o fim da trilha, Lula é o mais fraco. É o mais rejeitado.
A realidade do terreno sobrepõe qualquer plano de marketing futuro do PT.
Neste momento, Lula briga contra ele mesmo.
Quer provar que o Lula 3 foi melhor que o Lula 1 e o Lula 2. Não consegue.
Quando tentar vender um Lula 4, vai ter de convencer o eleitor de que, de repente, depois de 25 anos repetindo o mesmo discurso, ora como governo, ora como opositor, agora sim tudo será diferente.
Não há truque de ilusionista capaz de sustentar essa narrativa.
É uma franquia política cansada.
O desfecho é previsível.
Neste embate, quem vence com folga, é a rejeição.
Roberto Reis é estrategista eleitoral
X: @RobertoReis
Instagram: robertor.eis
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Comentários (4)
Maria Das Gracas De Souza Mayrink
2025-11-15 18:43:07Não aguento nenum dos dois. RENOVAÇÃO
Clayton De Souza pontes
2025-11-15 09:53:57Boa análise. Só precisamos saber a taxa de rejeição do opositor do Lula
Andre Luis Dos Santos
2025-11-14 22:13:49Excelente. E eu me encaixo naquele grupo que NUNCA (ou eu deveria dizer, nunca mais, porque em 2002 eu cometi esse erro grotesco) vai votar no Lula ou no PT.
Avelar Menezes Gomes
2025-11-14 11:40:56Só preciso saber quem vai pro segundo turno. Não sendo PT e não sendo algum Bolsonaro ou fantoche, poderá ter meu voto. No primeiro turno penso em ir de Zema