A máquina sem tropas
O voto anti-Lula tem lastro acumulado de vinte anos e reativa com atrito mínimo. O antipetismo nunca morreu
Lula atravessou 17 anos de poder direto e indireto. Um sexto de século. O que era mar de fundo virou maré contrária.
O Lula de 2002 não encontrará em 2026 a mesma retaguarda nem o mesmo tipo de adversário. Encontrará menos base, mais cerco e um país sem paciência.
Quando o nome do Lula é retirado da equação para fins de estudo, o tamanho funcional da esquerda aparece e é pequeno.
O PT concentra 3.130 vereadores, 252 prefeitos, apenas uma capital, 67 deputados, 9 senadores e 4 governadores.
A média simples do que isso representa no tabuleiro político nacional ronda 9%.
Somando a esquerda formal PT, PSB, PCdoB, PDT, Rede, PSOL, PSTU e PCO, o agregado chega a 9.832 vereadores, 738 prefeitos, só 2 capitais, 123 deputados e 16 senadores.
Arredondando para cima, para dar uma forcinha, 18% do poder nacional.
Dezoito por cento e só. É um nicho.
Fadiga da plateia
Meio país cansou definitivamente do Lula. Sua rejeição consolidada em 50% com flutuações numa banda muito curta. O Lula III não tem nada a ver com o Lula I pujante.
Em 2002, a vitória veio com 23 pontos de vantagem. Em 2022, por 1,9 ponto, contra um adversário com rejeição proibitiva e uma coleção de erros.
A curva é nítida e progressiva a cada eleição. Quanto mais tempo no centro do palco, menor o colchão de tolerância da classe média. Jingle novo não apaga a memória do eleitor.
Aliás o próprio Lula constantemente admite: "nós não conseguimos mais conversar com a classe média".
Coleção crescente de antagonistas
Foram duas décadas sedimentando camadas de batalhas que não se anulam, somam. FHC e quem jamais comprou o lulismo. Joaquim Barbosa e a cicatriz do mensalão. Aécio Neves e a classe média antipetista desde 2014. Temer e a turma que viu o impeachment como correção de rota. Sérgio Moro e o público que ancorou voto na Lava Jato. Bolsonaro e a massa que transformou antipetismo em identidade.
Uns viram Lula ganhar direto, outros por interposta pessoa com Dilma Rousseff, muitos assistiram reviravoltas judiciais improváveis.
A emoção que subsiste nessas pessoas é simples e útil em eleição majoritária nacional: derrotar Lula quando surgir um nome minimamente viável.
Centro de gravidade
O país operacional está em PSD, MDB, PL, Republicanos e União. Este bloco consolida a governabilidade real. Dois terços dos deputados federais. Três quartos dos senadores. Três quartos das prefeituras de capitais. Três quartos dos governos estaduais. 4.054 das 5.568 cidades. Dois terços da verba pública eleitoral. Dois terços do tempo de TV.
É gente, capilaridade, orçamento. O Planalto, no entanto, escolhe sinais ideológicos quando abre qualquer vaga relevante. Afaga Gleisi, Boulos, escuta Janja, cogita Messias.
O recado para quem controla orçamento e calendário é transparente: lancem seu candidato em 2026. E eles ouviram.
Geografia que fecha portas
Sul e Sudeste concentram governadores com aprovação recorde e grande vocação gerencial. Some Ronaldo Caiado no Centro Oeste, o campeão nacional. Coloque esse guarda-chuva sobre algo próximo de 60% do eleitorado e repare no espaço que resta para uma agenda de esquerda apoiada em identidade e revanche. Resta pouco.
Cada ponto percentual passa a custar muito caro quando os governadores admitem publicamente que estarão juntos no primeiro ou no segundo turno.
Motor emocional desgastado
Quando quem paga imposto sente o bolso, a propaganda governamental perde monopólio da narrativa. Entra a política orgânica. Ódio. Rejeição. Vingança. Acerto de contas de quem está endividado e sufocado pelo Estado.
Esta turma que leva o Brasil nas costas, faz campanha de graça contra Lula. Não será preciso convocar. Basta existir um adversário plausível.
Calendário da virada
Hoje, Lula joga contra ele mesmo. Quando surgir um oponente oficial entre março e abril de 2026, a inércia muda de lado. Há uma gigantesca demanda reprimida por alternativa competitiva.
O voto anti-Lula tem lastro acumulado de vinte anos e reativa com atrito mínimo, o antipetismo nunca morreu.
Compare o início do Lula com o final do Lula. Compare 2002 com 2026. Então havia um país disposto a tentar o novo.
Hoje há um país cansado do velho. Então, o líder encarnava conciliação. Hoje, privilegia o círculo ideológico que permaneceu fiel na sua prisão e fecha portas de quem opera orçamento e votos.
Então a margem de erro política era larga. Hoje cada tropeço cobra pontos que não retornam.
As pesquisas atuais só enganam os desatentos, pois nenhum eleitor está pensando com profundidade na campanha eleitoral.
O exército organizado de Lula cabe em 18%. O partido, sozinho, ronda 9%. A rejeição ancorada em 50% virou teto muito baixo para disputa nacional.
Do outro lado, dois nomes competitivos com menos rejeição e o endosso do principal antagonista, Bolsonaro: Tarcísio de Freitas ou Ratinho Jr.
Se anunciados oficialmente, poderão rapidamente preencher essa demanda reprimida.
A fotografia final é cruel para Lula. O totem envelheceu e ele sabe disso. Sua base minguou sistematicamente. Sua rede de adversários cresceu e se sofisticou. O centro real do poder domina a verba e a televisão. Entregará isso para quem estiver mais competitivo.
O gesto mais racional e elegante do veterano, diante do que está posto, é simples:
Quando enxergarmos o último cerco ao velho totem, ele pedirá para sair, antes que a conta final do lulismo lhe seja apresentada.
Roberto Reis é estrategista eleitoral
X: @RobertoReis
Instagram: robertor.eis
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Comentários (1)
Albino
2025-10-24 08:24:11Lula já deu o que tinha que dar há muito tempo...