Boulos contra o Estado Democrático de Direito?
Candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo convoca ato com ataque ao Poder Legislativo: "Congresso inimigo do povo"

O deputado federal e candidato derrotado à Prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos está convocando nas redes sociais seus apoiadores a participarem de um ato na Avenida Paulista, em São Paulo, no domingo, 21.
"Congresso inimigo do povo. Sem anistia. Não à PEC da Blindagem", escreveu ele na quarta, 17.
O cartaz traz a assinatura da Frente Povo Sem Medo, criada em 2015 pela esquerda para apoiar o governo de Dilma Rousseff, que logo depois sofreria um impeachment.
Entre os seus membros está o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), de quem Boulos já foi líder.
Existem, claro, motivos para não gostar dos movimentos da Câmara dos Deputados esta semana, como a aprovação da PEC da Blindagem e da urgência da anistia.
Mas afirmar que o "Congresso é inimigo do povo" parece ser um passo longo demais.
E Boulos ainda quer levar o tema para um ato de massas, para ser gritado ao microfone em um carro de som.
Ora, o Congresso é o Poder Legislativo.
Seus membros foram eleitos pelo povo.
Lá estão representados 20 partidos.
Ao dizer que o Congresso é inimigo do povo, Boulos faz uma simplificação grosseira, atacando um dos Três Poderes vitais para o Estado Democrático de Direito.
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A pergunta que fica então é: Boulos tem o direito de atacar o Congresso dessa forma, colocando o povo contra um dos Três Poderes?
É claro que tem.
A liberdade de expressão está assegurada no Artigo 5º da Constituição Federal: "É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato".
E não há nada que Boulos diga no carro de som que afete o funcionamento do Legislativo.
Também não há previsão de uso da violência ou grave ameaça.
Sendo o Brasil uma República em que todos têm os mesmos direitos e respondem às leis da mesma maneira, vale perguntar então por que políticos e pastores de direita passaram a ser investigados depois de criticar o Supremo Tribunal Federal em cima do carro de som, na mesma Avenida Paulista.
O que vale para a direita não vale para a esquerda?
Criticar o Congresso pode, mas o STF não?
É um sintoma dos tempos bicudos que vivemos que essas perguntas apareçam.
Ninguém mais sabe ao certo o que pode ou não ser dito.
Em vez de a liberdade de expressão ser aceita como um direito fundamental, ainda que com limitações pontuais, impera uma Justiça discricionária, que pune alguns e ignora os outros.
A culpa dessa confusão é em grande parte do STF, que interpreta as leis com enorme flexibilidade, mudando suas próprias decisões de tempos em tempos.
Antes de Boulos subir no carro de som na Avenida Paulista e soltar o verbo contra o Congresso, vale lembrar o que disse Alexandre de Moraes ao votar no julgamento da trama golpista no início do mês.
Em sua fala, Moraes buscou diferenciar o crime de tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito (359-L no Código Penal) e o crime de tentativa de golpe de Estado (359-M).
"O artigo 359-L denominado abolição violenta do Estado Democrático prevê tentar com emprego de violência ou grave ameaça abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos Poderes Constitucionais. Esse artigo criminaliza a tentativa de abolir o próprio Estado Democrático de Direito, por meio de restrição aos exercícios dos Poderes Constitucionais. Os Três Poderes são tutelados pela norma jurídica. Ao criminalizar a conduta de restringir o exercício dos Poderes constitucionais, o artigo 359-L permite, como no caso em questão, que o chefe do Executivo, no exercício do seu mandato, pratique diversas condutas criminosas por meio de grave ameaça ou violência para impedir ou restringir o pleno exercício do Poder Judiciário como poderia ser também em relação ao Poder Legislativo", disse Moraes.
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