A taxa das blusinhas de Trump
Tarifaço do presidente americano segue a mesma lógica do aumento das tarifas de produtos das plataformas Shein, Shopee e AliExpress

A decisão do governo dos Estados Unidos de aumentar tarifas sobre produtos estrangeiros, incluindo o aço brasileiro, reacendeu um debate que deveria ter começado muito antes: quem paga a conta da guerra tarifária entre governos?
Não são as indústrias ou os governos que impõem as tarifas, e muitos menos os países ou empresas estrangeiras, mas sim os cidadãos que consomem esses produtos e são forçados a pagar mais caro por eles.
A hipocrisia na discussão, que hoje trasveste-se de ação pela segurança nacional ou mesmo ataque ao socialismo, se torna evidente quando lembramos que, antes de Donald Trump anunciar esse novo "tarifaço", quem recentemente propôs taxar de forma agressiva o consumo de produtos estrangeiros foi o governo Lula.
Sob a justificativa de proteger a indústria nacional contra a concorrência chinesa, o governo brasileiro decidiu, desistiu, e decidiu novamente aumentar a tributação sobre produtos adquiridos em plataformas estrangeiras de e-commerce.
Essa medida, em vez de proteger os consumidores, apenas reforçou a histórica prática do Brasil de manter seu mercado fechado e os preços artificialmente altos — para os consumidores brasileiros, é claro.
A narrativa do governo brasileiro foi de que era necessário taxar os produtos importados para equilibrar a concorrência com a indústria nacional.
Curiosamente, governos não têm por hábito sugerir equilíbrios baseados na redução de impostos, mas sim no nivelamento por cima, aumentando a própria arrecadação.
Na verdade, o que realmente ocorreu foi resultado do lobby direto dos grandes varejistas brasileiros, que viam sua margem de lucro ameaçada pela crescente popularidade de plataformas como Shein, Shopee e AliExpress.
O problema é que, ao proteger essas empresas, o governo prejudica milhões de brasileiros que se beneficiavam da possibilidade de comprar produtos mais baratos.
O governo ganha em arrecadação, os grandes varejistas ganham consumidores cativos, e quem perde, mais uma vez, são aqueles que não têm poder de lobby em Brasília: os milhões de consumidores que seguem arcando com o Custo Brasil.
O tarifaço de Trump segue a mesma lógica.
Com o pretexto de defender a indústria americana contra a concorrência chinesa e brasileira, canadense e cambojana, o governo dos EUA impõe barreiras que enfraquecerão o comércio internacional, prejudicarão a integração entre as economias do mundo, e encarecerão produtos para os consumidores americanos.
Além disso, ao elevar os custos da matéria-prima para sua própria indústria, Trump cria um efeito cascata que prejudica a economia dos EUA, reduzindo a competitividade do setor manufatureiro americano.
A história econômica mostra que a melhor forma de garantir preços baixos e qualidade para os consumidores é a abertura comercial.
Quanto maior a integração das cadeias internacionais e a concorrência, maior a pressão para eficiência e inovação.
Países que adotaram uma política comercial mais aberta conseguiram reduzir o custo de vida de sua população, aumentar a produtividade e estimular setores antes pouco competitivos.
Ao adotar tarifas protecionistas, Brasil e EUA, Lula e Trump, cometem o mesmo erro: impedem que o mercado funcione de maneira eficiente e colocam o peso da proteção setorial nas costas dos consumidores.
No caso brasileiro, a tentativa de limitar a entrada de produtos chineses não só prejudica o orçamento das famílias, mas também freia a necessidade de modernização do setor varejista.
No caso americano, ao tornar aço e outros produtos mais caros, o governo Trump enfraquece o poder de compra dos consumidores americanos e a própria indústria que busca defender, ao aumentar seus custos de produção.
É fundamental que consumidores, analistas e formuladores de política econômica entendam o que economistas de direita, esquerda e centro estão cansados de saber: tarifas e impostos sobre produtos importados não são pagos pelos países que os vendem, mas sim pelas pessoas que os compram.
Seja no Brasil ou nos EUA, o protecionismo serve apenas para garantir a continuidade de oligopólios e a permanência de modelos de negócio incapazes de inovar ou investir para competir.
O tarifaço de Trump e os impostos sobre o varejo digital no Brasil são duas faces da mesma moeda: políticas públicas que, sob o argumento nacionalista, resultam em menor poder de compra para a própria população.
A verdadeira solução passa por reformas que incentivem a abertura e garantam um ambiente de concorrência por clientes, onde empresas disputam mercado oferecendo melhores preços e produtos, e não buscando favores governamentais para manter sua posição.
Enquanto esse debate não for levado a sério, os consumidores seguirão pagando a conta das disputas, ou pior, da colaboração entre interesses governamentais e interesses privados.
Cabe a cada um de nós exigir um mercado mais aberto, onde a concorrência beneficie quem realmente importa: o cidadão.
Magno Karl é cientista político pela UFRJ e diretor-executivo do Livres. Foi pesquisador do Instituto Cato (EUA), cofundador do antigo Instituto Ordem Livre e coordenador político de bancada na Câmara dos Deputados.
Rafael Facure Moredo é internacionalista pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em Gestão Pública pelo Insper. Coordenador de Políticas Públicas do Livres.
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Comentários (2)
Maria Das Gracas De Souza Mayrink
2025-04-05 15:25:27Ótimo texto, esclarecedor. Os líderes não levam em conta os pagadores de impostos.
Nilza Helena Costa Oliveira
2025-04-04 21:04:21Até que enfim entendi um pouco do tarifaço de Trump. Brilhante texto. Dez a zero para a Crusoé.