O deputado oculto Eduardo Cunha
Ex-presidente da Câmara usa PEC antiaborto para pavimentar seu retorno à Câmara dos Deputados
A aprovação da PEC antiaborto na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados trouxe à tona a atuação, nos bastidores, de um personagem que aos poucos volta ao cenário político brasileiro: o ex-presidente da Câmara, Eduardo Cunha.
Tido como um dos principais responsáveis pelo impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Cunha caiu no ostracismo graças às investigações da operação Lava Jato, aliado ao fato de ele ter mentido durante a CPI da Petrobras, em 2015.
Nessa época, ele disse que não tinha investimentos no exterior. Depois, a Lava Jato descobriu que ele era dono de vários empreendimentos ocultos fora do país.
Considerado como o homem que ressuscitou o que hoje se chama de Centrão, Cunha teve seu mandato cassado em 2016 por 450 votos.
Depois disso, viu sua carreira política ir ladeira abaixo.
Detido preventivamente pela Lava Jato em 2016, Cunha ficou quatro anos preso em Curitiba.
Em 2020, ele conseguiu o benefício da prisão domiciliar e, no ano seguinte, teve todas suas ordens cautelares cassadas pela Justiça Federal. Assim, voltou a ser um homem livre.
Em liberdade
Desde então, Cunha buscou retomar sua vida política, mas sem grande sucesso.
Em 2022 e amparado em uma liminar da Justiça Eleitoral de São Paulo, transferiu seu domicílio eleitoral para o estado mais populoso do país. Candidatou-se para tentar retornar à Câmara Federal pelo nanico PTB – que hoje virou PRD – mas não deu certo.
O ano de 2024, no entanto, parecer se um ponto de virada do ex-parlamentar.
Durante as eleições municipais deste ano, ele trabalhou para que o Republicanos – sigla à qual é filiado atualmente e que é presidente do diretório municipal do Rio de Janeiro – apoiasse o candidato do PL à prefeitura do Rio de Janeiro, Alexandre Ramagem.
Com a filha Dani Cunha (União-RJ), ele percorreu praticamente todo o estado e endossou em torno de 100 nomes que disputaram as Câmaras municipais fluminenses.
Nesta semana, Cunha teve a sua primeira grande vitória em anos: viu a aprovação na CCJ da PEC antiaborto que é de sua autoria e do também ex-deputado João Campos (Republicanos-GO).
Mesmo sem mandato, Cunha mostrou seu poder de influência junto aos colegas parlamentares. Principalmente entre os da chamada ala evangélica da Câmara.
Cunha tem atuado por meio da filha Dani, que segue religiosamente os conselhos e orientações do pai.
Graças a isso, e ao prestígio de Cunha, Dani conseguiu um espaço importante dentro do União Brasil após ter ameaçado deixar o partido em 2023 — ela e mais cinco parlamentares da sigla. O movimento é atribuído a uma ação oculta de Cunha — o pai.
Também por causa do prestígio de Cunha, Dani conseguiu uma boa interlocução com o atual presidente da Câmara, Arthur Lira.
Lira e Cunha – o pai – são contemporâneos.
Mais que um simples correligionário, Cunha tornou-se, em 2024, um dos conselheiros de Arthur Lira em várias decisões tomadas ao longo do ano e que criaram embaraços ao Planalto como, por exemplo, a possibilidade de instalação de cinco CPIs sensíveis ao governo federal.
Após liberação de emendas parlamentares, a ideia caiu no esquecimento.
Neste ano, Cunha passou a circular mais intensamente entre os deputados, usando o broche de parlamentar — mesmo sem o ser — e até frequentou festas como a de aniversário do presidente da Executiva Nacional do Republicanos, Marcos Pereira, em abril.
Nas últimas semanas, a base petista colocou em evidência o nome do ex-deputado, levantando questionamentos sobre a PEC do ex-deputado.
Parlamentares de partidos como Psol e PT sugeriram que a aprovação da matéria seria uma "sinalização ruim ao país".
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de autoria do ex-presidente da Câmara, no entanto, atraiu apoios da oposição e de deputados de Centro em uma combinação irremediável pela aprovação.
Mesmo sem estar na Câmara, o nome de Cunha foi lembrado tanto por deputados a favor quanto os contrários à PEC.
Adversário da esquerda
A deputada Danielle Cunha avaliou em conversa com Crusoé que os argumentos da bancada governista contra o seu sobrenome evidenciam sua oposição à esquerda brasileira.
"Eles terem usado o nome do meu pai para se contrapor à PEC só facilitou a aprovação do texto. Além do mais, isso deu uma bela propaganda a ele. Pois ele ficou caracterizado como o adversário da esquerda. Espero que esse pessoal continue a falar dele, pois assim o ajudarão bastante", declarou.
Durante a tramitação, a figura de Danielle Cunha chegou a ganhar mais destaque que a imagem da relatora da PEC, a deputada Chris Tonietto (PL-RJ).
"Qualquer um que tenha sido presidente da Câmara tem poder e influência. Qualquer um que tenha sido a figura principal de um Poder Legislativo tem esse poder de articulação. O Eduardo Cunha tem influência, principalmente na bancada evangélica. Porém, mais significativo que o papel dele nessa aprovação é o papel da filha dele, a Dani Cunha. Ela é preparada e articulada e procurava colocar questões religiosas, cientificas e de saúde. Isso foi preponderante", disse o deputado João Carlos Bacelar (PV - BA).
"É bem verdade que a filha tem um trânsito diferenciado com Lira. Mas o caso é que o PT tomou um toco de Eduardo Cunha no impeachment e não conseguiu engolir até hoje", disse um dos membros da comissão, em caráter reservado.
Líderes da Câmara afirmam que o avanço da pauta antiaborto é uma espécie de "moeda de troca" nas negociações pela sucessão de Arthur Lira.
Apenas para lembrar, Cunha é do Republicanos – partido do deputado Hugo Motta (PB) – que também é contemporâneo do ex-presidente da Câmara.
“O Cunha despacha aqui da Câmara. Tem trânsito com o Lira. Eles estão usando isso na campanha para a sucessão”, admitiu em caráter reservado uma parlamentar da CCJ.
Não é segredo que Cunha trabalha para ser candidato em 2026 e tenta, a todo o custo, recuperar o prestígio de outrora.
Com a retomada de sua elegibilidade neste ano – em setembro acabou o prazo estabelecido após a cassação de seu mandato – Cunha vai disputar as próximas eleições sem a necessidade de qualquer liminar ou decisão judicial.
E, com uma PEC para chamar de sua – texto que agrada o eleitor que sempre o colocou em Brasília –, Cunha caminha a passos largos para a sua ressureição política.
Se o PT resolver lançar José Dirceu nas próximas eleições, o Congresso poderá ter, na mesma legislatura, Dirceu e Cunha — dois políticos investigados pela Lava Jato.
Que Deus tenha misericórdia desta nação.
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