Janaina, Flávio Bolsonaro e o direito xandônico
"Para ter tentativa, é preciso ter início da execução", disse a professora de direito penal da USP e ex-deputada
A Operação Contragolpe da Polícia Federal realizada nesta terça, 19, suscita a discussão sobre qual será o enquadramento legal dos envolvidos na Operação Punho Verde e Amarelo, que teria como objetivo neutralizar, em dezembro de 2022, o presidente eleito Lula, o vice de chapa Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes.
A ex-deputada e advogada Janaina Paschoal, professora de direito penal na Universidade de São Paulo, publicou sua análise sobre a questão na rede X.
Ela criticou a imprensa por afirmar que houve tentativa de matar os dois políticos e o ministro.
"Não houve tentativa! Para ter tentativa, é preciso ter início da execução! Mesmo quando se inicia a execução (o que não ocorreu no caso), a desistência voluntária descaracteriza a tentativa. Por óbvio, o tal plano precisa ser investigado. Mas não dá para dizer que houve tentativa de homicídio do presidente!", escreveu Janaina, que hoje é um desafeto do bolsonarismo.
O caminho do crime
O direito penal fala do “iter criminis”: o caminho percorrido pela pessoa que comete um crime.
A primeira fase é a da intenção, que nunca é punida. Todo mundo pode pensar em cometer um delito qualquer, mas, se nada é feito, então não há delito algum.
A segunda fase é a da preparação ou dos “atos preparatórios”, que pode incluir a compra de uma arma de fogo, por exemplo.
A fase seguinte é a da execução do crime, quando o tiro é disparado, seguindo no mesmo exemplo.
Por fim, pode haver ou não a consumação, que seria a morte da vítima.
O debate que novamente está sendo travado é se os fatos recentes poderiam ser considerados não apenas como cogitação ou preparação de um crime, mas como início de sua execução.
A defesa dos envolvidos provavelmente irá argumentar que, como não houve execução, não há punição.
Foi o que disse o senador Flavio Bolsonaro nesta terça, 19: "Por mais que seja repugnante pensar em matar alguém, isso não é crime".
O que diz a legislação
O que torna a discussão mais complexa é que os artigos 359-L e 359-M do Código Penal falam em “tentativa” de abolir o Estado Democrático de Direito e o governo legitimamente eleito (golpe de Estado).
Os dois artigos dessa lei, que foi aprovada sob a presidência de Jair Bolsonaro, falam que a tentativa teria de ocorrer "por meio de violência ou grave ameaça", o que não foi o caso. Mesmo assim, sigamos.
Uma das questões que será travada é quão elástico poderá ser o conceito de "tentativa".
Colocar um plano em ação já seria parte de uma tentativa?
Pelo que foi revelado, percebe-se claramente que um plano foi colocado em prática, ainda que a execução de um crime não tenha sido iniciada. É uma área cinzenta.
Plano em ação
Os envolvidos na Operação Punho Verde e Amarelo redigiram e imprimiram um plano no Palácio do Planalto.
Eles fizeram um levantamento de quais armas seriam necessárias, incluindo uma metralhadora, um lança-granadas e um lança-rojão, "armamentos de guerra comumente utulizados por grupos de combate".
Eles compraram telefones celulares e criaram um grupo de mensagens no aplicativo Signal para poder se comunicar durante a execução do plano.
Por fim, monitoraram a localização do ministro Alexandre de Moraes.
Quando a hora se aproximava, a trupe abortou o plano alegando um motivo misterioso: o STF adiou um julgamento do orçamento secreto.
"Características terroristas"
Sob o direito penal atual, essas atitudes poderiam ser consideradas como atos preparatórios, que são anteriores à execução, como afirmou Janaina.
A menos que se use a lei de terrorismo.
A legislação brasileira sobre terrorismo, aprovada em 2016, subverte o conceito do "iter criminis".
Nos casos de terrorismo, os juristas do mundo inteiro entenderam que não se poderia punir apenas a execução de um plano, uma vez que não há como arcar com um grande número de vítimas inocentes.
Por causa disso, a legislação em vários países países precisou ser atualizada, e o Brasil foi um deles.
Hoje, se um membro de um grupo terrorista compra uma arma com o objetivo de provocar "terror social ou generalizado", ele já pode ser acusado e condenado.
O documento da Polícia Federal, divulgado nesta terça, parece se inclinar para algo desse tipo, ao dizer que houve "um verdadeiro planejamento com características terroristas".
Direito xandônico
Punir atos preparatórios de pessoas que não estão sendo acusadas por terrorismo não faria sentido.
Mas vale lembrar que o Brasil é um país em que os juízes tem ampla liberdade.
Principalmente quando eles, além de atuarem como juízes, também são vítimas no processo.
É o caso de Alexandre de Moraes, que trabalha como relator do processo e também era um dos alvos dos envolvidos.
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Comentários (1)
Leda maria neumann keim
2024-11-20 11:38:56Acho que assassinar uma chapa recém eleita e um ministro causaria o tal “terror social ou generalizado” Acredito que a maior parte entre as pessoas que não apoiam as possíveis vítimas ficaria horrorizado. E ainda todos os que votaram neles, claro.