Truque populista
Proposta de acabar com a jornada 6X1 é ruim para o trabalhador e péssima para o Brasil
Uma proposta legislativa de acabar com a semana de seis dias de trabalho e um de folga ( PEC conra a escala 6X1) conseguiu uma adesão instantânea de políticos de vários partidos de esquerda.
Eles se abraçaram à ideia da deputada do Psol Erika Hilton como se fosse uma boia, na esperança de se salvar da derrota eleitoral imposta à esquerda nas últimas eleições municipais.
A medida, contudo, terá muita dificuldade de ser aprovada no Congresso, não tanto pelas rixas políticas, mas principalmente por sua inviabilidade e pelo risco que apresenta para a economia.
Ao longo da campanha municipal de 2024, o presidente Lula e integrantes do governo federal admitiram que faltava à esquerda um discurso capaz de atrair eleitores que batalham pelo próprio sucesso e querem menos intervenção governamental.
A PEC contra a escala 6x1 encaixa-se perfeitamente neste aspecto, conforme integrantes de partidos da esquerda ouvidos por Crusoé ao longo da semana.
É um discurso sedutor, populista e fácil capacidade de engajamento. Afinal de contas, quem não gostaria de trabalhar menos e ganhar mais?
Do ponto de vista simbólico, há ainda um outro bônus, conforme integrantes da esquerda ouvidos pela reportagem: o texto foi apresentado por uma parlamentar negra e trans, representando o empoderamento de duas minorias – a população preta e LGBTQIA+.
Apesar da esquerda ter agora um discurso para chamar de seu, o Palácio do Planalto vê com reservas essa tática. Há receios claros que um endosso ao discurso do PSOL possa enfurecer o mercado e piorar, ainda mais, os humores dos investidores brasileiros. Afinal de contas, a proposta é malvista pelo empresariado e um apoio explícito do Planalto ao texto pode ser visto pelo mercado como mais um sinal contrário à responsabilidade fiscal, tão cobrada nos últimos meses.
Nesta quarta-feira, o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, responsável pela articulação política do governo, recebeu a autora da PEC. Integrantes do PT defendem que a pasta levante o número de propostas sobre o mesmo tema para endossar um movimento nacional pela redução da jornada de trabalho.
A pauta encanta Lula, conforme apurou Crusoé. Alguns integrantes do Planalto admitem, em caráter reservado, que seria uma forma de o partido voltar a ter o protagonismo após sucessivas derrotas no embate público. Ainda mais em um período em que pautas conservadoras ganharam o respeito e a simpatia do cidadão.
“Se formos observar, a redução da carga horária de trabalho poderia ser proposta por meio de um projeto de lei. Mas optaram por uma PEC. Por qual motivo? Porque uma PEC demanda movimento por coleta de assinaturas, outro movimento para pressionar a CCJ e outro movimento para conseguir ter 308 votos em Plenário. Assim, você mantém a discussão do tema junto à sociedade e mantém parte do Congresso em constante pressão. Eles não querem isso aprovado, de fato. Querem apenas ter uma narrativa para chamar de sua”, diz o deputado Kim Kataguiri (União-SP).
De fato, ao optar pela PEC, a deputada Erika Hilton escolheu o caminho mais complexo no Congresso Nacional. E, conforme revelou O Antagonista, já existia outro texto de conteúdo semelhante, apresentado em 2019 pelo deputado Reginaldo Lopes (PT), que poderia servir de base para essa nova luta da esquerda. Mas, ao contrário, optou-se por apresentar um texto novo. A tendência, inclusive, é que a PEC de Lopes seja apensada a essa nova proposta legislativa.
Para se ter uma ideia da dificuldade de aprovação de uma PEC, a ‘batalha’ pela narrativa já começa no ato a apresentação da proposta. Foram necessários mais de 171 apoiamentos para que a proposta fosse protocolada, nesta quarta-feira. Em um projeto de lei, seria necessária apenas uma assinatura: a do próprio autor do texto.
Depois que o texto é protocolado, ele precisa passar, necessariamente, pela Comissão de Constituição e Justiça e Comissão Especial. Na Comissão Especial, o texto é discutido durante 40 semanas – o que ajuda a manter o assunto em voga por um bom tempo.
Depois, mesmo se aprovado em comissão especial, a proposta segue para Plenário. No Plenário, ela depende de 308 votos – uma nova batalha. E isso em dois turnos, com um intervalo regimental de cinco sessões entre o primeiro e o segundo turno.
“O que nós conversamos com as bancadas e com as lideranças até o momento é pedir assinaturas, mas nós ainda não pensamos em cronograma [de aprovação]”, disse a parlamentar Erika Hilton em entrevista coletiva realizada nesta semana.
“Acho que [a tramitação do texto] pode ficar para a próxima legislatura, mas nós ainda não começamos a pensar. Ainda há muita coisa a ser dialogada ainda. Precisamos discutir ainda muitas outras questões”, admitiu a parlamentar.
Seguindo esse roteiro, a tendência é que a tramitação dessa proposta comece já pela Comissão de Constituição e Justiça em uma gestão Hugo Motta. Assim, caberia ao atual líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), deliberar pela análise do texto na CCJ.
Na última vez que uma proposta semelhante foi apresentada, em 2019 – a de Reginaldo Lopes -, a PEC ficou quatro anos dormindo em berço esplêndido na CCJ até ser retirada de pauta no final de 2023. Líderes da Câmara afirmam, em caráter reservado, que essa tende, inclusive, a ser o destino dessa PEC.
E não há de se esquecer que, em 2026, há disputa presidencial. Parlamentares de PL, Republicanos e PSD, interessados em manter viva a chama da direita e centro-direita já vislumbram um boicote ao texto justamente porque ele poderia ter o condão de dar uma bela força à esquerda em pleno ano eleitoral. “Uma coisa é assinar a PEC; outra é votar a favor”, disse um deputado do Centrão a Crusoé.
Em resumo: há muito em jogo nessa PEC do fim do 6x1. Agora, o mais lamentável disso tudo é que o último beneficiado, de fato, será o trabalhador brasileiro. Uma pena.
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