Bobi Wine, o cantor que desafia uma ditadura na África central
A cultura de cantores-políticos não é desconhecida para nós — o ex-deputado Sérgio Reis, a deputada estadual por São Paulo Leci Brandão (PCdoB), o senador Magno Malta (PL-ES) — mas a história do ugandês Bobi Wine, estrela de um dos documentários que concorrem ao Oscar de 2024, representa a luta pela liberdade em uma das...
A cultura de cantores-políticos não é desconhecida para nós — o ex-deputado Sérgio Reis, a deputada estadual por São Paulo Leci Brandão (PCdoB), o senador Magno Malta (PL-ES) — mas a história do ugandês Bobi Wine, estrela de um dos documentários que concorrem ao Oscar de 2024, representa a luta pela liberdade em uma das ditaduras mais longevas da África.
O cantor — hoje com 42 anos — encampou o espírito do "e se?" ao lançar-se em uma carreira política porta-a-porta. Primeiro, com parlamentar de seu país, em abril de 2017. No ano seguinte, quando o seu apoio já valia o sucesso para quem quisesse se eleger, Bobi Wine passou a ser uma pedra no sapato do ditador do país, Yoweri Museveni.
No cargo desde 1986 (mais da metade dos 62 anos de existência de Uganda), Moseveni não é perturbado pelas potências ocidentais e comanda uma ditadura muito mais discreta, internacionalmente falando, do que a de Idi Amin Dada, que comandou um banho de sangue entre 1971 e 1979. Mas, vista por dentro, uma ditadura é uma ditadura — e, nesta fase do país, o povo encampou em Bobu Wine o seu desejo de um país livre.
É daí um dos pontos de partida de "The People's President", um dos cinco concorrentes a Oscar de melhor documentário.
As falas de Bobi Wine com o ditador envolvem atos políticos e não políticos: ele acusou Moseveni de planejar um atentado contra ele, matando seu motorista em 2018. Um dia após a acusação, ele apareceu em frente a uma corte militar, com sinais de tortura, onde foi levado à prisão.
Ao mesmo tempo, seu clipe mais famoso, "Freedom" ("Liberdade"), se passa dentro de uma prisão, e virou um hino informal na luta contra a ditadura em Kampala. "Dizem que o que era uma democracia/agora é uma hipocrisia/ o que era para ser uma mudança fundamental / agora é 'sem chance'", rima o cantor, que emenda fotos de mortos e presos pelo governo no clipe.
Sua resistência pacífica — e apoio maciço da população, visto em diversos momentos do documentário assinado por Christopher Sharp e Moses Bwayo — levou até a eleição de 2021, quando concorreu diretamente contra Moseveni. Ele pagou o preço por se impor contra uma ditadura: não apenas perdeu a eleição (apontada internacionalmente como irregular) como acabou em prisão domiciliar, após forças do Exército cercarem sua casa.
Para um público leigo como o ocidental, a luta de Bobi Wine pela liberdade — tema que é a capa da Crusoé desta semana— é apresentada de forma didática em quase duas horas de filme.
E sua história é resumida não nas imagens de suas seguidas prisões, ou em seu caminhar de bengala após torturas cometidas pela ditadura de Moseveni, mas sim por uma breve entrevista dada por ele. "Precisamos ter nossa liberdade, ou morrer tentando."
Em uma disputa onde todos os documentários do Oscar 2024 têm forte componente político, Crusoé explica o contexto histórico de cada um deles neste domingo.
Leia mais em Crusoé: "To Kill a Tiger" explora o horror do estupro coletivo na Índia
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)