“Não se discute romper relações", diz embaixador do Brasil na Argentina
O embaixador do Brasil na Argentina, Julio Bitelli (foto), afirmou em entrevista a Crusoé que a hostilidade do candidato favorito à Presidência da Argentina neste domingo, 22 de outubro, Javier Milei, ao governo Lula é apenas uma declaração no “calor da campanha”. Nos bastidores, o que se fala é em cooperação. Milei comparou o governo...
O embaixador do Brasil na Argentina, Julio Bitelli (foto), afirmou em entrevista a Crusoé que a hostilidade do candidato favorito à Presidência da Argentina neste domingo, 22 de outubro, Javier Milei, ao governo Lula é apenas uma declaração no “calor da campanha”. Nos bastidores, o que se fala é em cooperação.
Milei comparou o governo petista a regimes comunistas. Ele também afirma que seu eventual governo não buscaria aumentar as relações comerciais com o Brasil, mas deixará o setor privado livre para comercializar com quem quiser.
“As indicações que nós temos aqui, conversando com assessores próximos ao Milei, é que há uma diferença clara entre declarações feitas no calor da campanha e o uma eventual política de governo”, diz Bitelli, que comanda a embaixada brasileira em Buenos Aires desde maio, quando foi aprovado ao cargo pelo plenário do Senado.
“Em nenhum momento, se falou de rompimento de relações. Isso está completamente fora de discussão”, acrescenta.
O embaixador também fala sobre o Mercosul e a situação das linhas de crédito para exportações brasileiras, assim como sua experiência como diplomata na Argentina.
Confira a entrevista na íntegra:
Quais são os objetivos prioritários da missão brasileira na Argentina hoje?
Nós estamos num processo de uma certa reconstrução da relação bilateral, que havia passado por uns anos difíceis recentemente. Havia uma grande demanda pela volta do Brasil e pela volta da centralidade da relação bilateral com a Argentina na nossa política exterior. O presidente Lula deixou muito claro que isso seria prioritário. E eu cheguei com um objetivo de restaurar essa relação e continuar aprofundando essa que é, talvez, a relação mais importante que o Brasil tem entre todas.
Essa missão pode mudar dependendo do resultado das eleições?
Obviamente pode mudar em termos do tipo de esforço que vai ter que ser necessário ser feito de recomendação. Agora, eu não tenho nenhuma dúvida de que a centralidade da relação bilateral vai continuar. E a importância da relação bilateral vai continuar. O próprio presidente disse isso quando falou: ‘olha, não importa quem seja o presidente da Argentina para o Brasil, a interlocução com a gente ainda continuará a ser prioritária’. Então, a importância não vai diminuir.
Esta não é a sua primeira passagem pela embaixada brasileira em Buenos Aires. O senhor esteve aqui como secretário e conselheiro durante o governo de Néstor Kirchner, na alta das commodities. Que diferenças o senhor enxerga nas ruas aqui entre aquela época de crescimento econômico e hoje?
Naquela época, como você se lembrará, o Kirchner assumiu depois de um momento muito caótico na Argentina. Uma sucessão de presidente, presidências interinas, uma crise política profunda. E o Kirchner, um pouco que restaura a ideia de um Estado presente na Argentina. Naquele momento, isso era visto como uma evolução positiva. Havia também um momento um pouco áureo da integração regional em função de certas afinidades que havia entre os governantes dos vários países sul-americanos daquele momento. Então, era o momento de sair da crise. Isso gera um tipo de otimismo que depois de sucessivos momentos de crise econômica, foi sendo enfraquecido. Uma diferença importante que eu vejo é em relação à visão do Brasil aqui. Nesse primeiro período que eu cheguei na Argentina, em 2003, havia em vários setores uma noção de disputa com o Brasil, de competição. Quando começou a aumentar muito o nível das exportações brasileiras para Argentina, criou-se aqui um conceito de ‘Brasil-dependência’, que era visto como algo ruim. A diferença que eu sinto hoje é que esse sentimento de competição com o Brasil desapareceu e há uma noção clara de que os argentinos têm a ganhar com a associação com o Brasil e que, se os dois países estiverem juntos, isso é positivo para ambos.
Mas e a diferença nas ruas?
Buenos Aires é uma cidade fantástica, continua sendo fantástica. Era fantástica em 2003. Era em 2008, quando eu voltei para aqui, e continua sendo uma cidade fantástica. O que você tem são umas bolhas na Argentina, como no Brasil e na maior parte dos países do mundo. Você tem uma Argentina pobre, que enfrenta a crise econômica de uma maneira muito mais direta. E você tem uma Buenos Aires, que, mesmo na crise, é próspera. Mesmo na crise, tem uma produção cultural invejável. Mesmo na crise, tem novidades em termos de inovação, de criatividade e de gastronomia. Isso sempre está aqui em Buenos Aires. É como se fosse relativamente imune às diferentes crises. Agora, há setores em que essa capacidade de resistir à crise é muito menor. Eu acho que essa é uma situação muito presente hoje. Os números indicam que cerca de 40% da população argentina está abaixo da linha da pobreza. Isso é obviamente muito preocupante e vai ser necessariamente um tema prioritário para o próximo governo.
Como está a efetivação das linhas de crédito para a exportação anunciadas por Fernando Haddad e Sergio Massa em agosto?
Na verdade, isso ainda não está fechado. No primeiro momento, houve um pedido argentino para que a gente buscasse uma forma de permitir o financiamento de exportações brasileiras para a Argentina. O Ministério da Fazenda com o Itamaraty trabalharam para construir algum tipo de engenharia financeira que permitisse o financiamento. Chegaram-se algumas possibilidades, por exemplo, envolvendo swap (troca de moeda) com a China ou envolvendo a CAF [Cooperação Andina de Fomento, atual Banco de Desenvolvimento da América Latina]. O mais importante é que a adesão política ou o desejo político de contribuir com a Argentina esteve presente desde o início. O que ficou claro é que era preciso encontrar uma maneira que fosse juridicamente correta, financeiramente correta e que correspondesse às leis e regulamentos brasileiros. Isso não é muito fácil de se encontrar. Os mecanismos que foram pensados não supriam as expectativas argentinas. Então, isso continua sobre a mesa, continua o desejo de contribuir com os argentinos, mas não se chegou a fechar um mecanismo ainda.
Considerou-se, então, pagar as exportações brasileiras em moeda chinesa?
Era mais complicado do que isso. Envolvia passar de yuan para real, e de real para… Aí permitir essas importações. O que eu acho importante para o ouvinte brasileiro entender é que, desde o início, o que se estava discutindo eram formas de contribuir para que os exportadores brasileiros vendessem seus produtos para a Argentina. Em algum momento, chegou-se a pensar erroneamente que era empréstimo a fundo perdido para a Argentina. Mas não era isso. Desde o início o que se buscava era permitir que os exportadores brasileiros continuassem exportando para a Argentina produtos e serviços brasileiros.
E o auxílio a exportações para o gasoduto de Vaca Muerta (Gasoduto Presidente Néstor Kirchner)?
Isso também é um assunto em andamento. Não há nada fechado. O que existe, sim, é uma disposição, porque seria importante o bom funcionamento do gasoduto e que a gente, no Brasil, pudesse ter acesso ao gás de Vaca Morta. A gente sabe que as reservas bolivianas estão diminuindo. É preciso pensar estrategicamente como suprir as nossas necessidades no futuro e Vaca Morta poderia ser um um caminho bastante positivo para o Brasil e para a Argentina, mas não há nada muito concreto ainda em termos de financiamento. Ainda vai haver aqui uma licitação para o segundo tramo. É algo que está correndo.
Deve-se levar meses ou anos?
Seguramente, a gente pode dizer meses antes de uma coisa mais concreta.
E o mesmo pode se dizer sobre as linhas de crédito para exportação em geral?
Nada impede de que amanhã se chegue a uma fórmula e isso possa acontecer. É difícil falar em prazos. O que posso dizer é que, neste momento, não há nada fechado.
Em julho, o senhor falou em entrevista que havia diminuído os riscos de uma guinada à direita na Argentina. O que aconteceu?
Olha, a primeira coisa que aconteceu é a confirmação de que as pesquisas hoje em dia não são muito confiáveis. Naquele momento, o que a gente estava percebendo pelas diferentes pesquisas era uma diminuição da intenção de voto no Javier Milei e um certo favoritismo da coalizão Juntos por El Cambio [do ex-presidente Mauricio Macri], que não tinha candidato confirmado. [O erro das pesquisas] é um fenômeno que não é novo. Hoje, há uma multiplicação de pesquisas e elas são um pouco contraditórias. Elas têm se provado muito pouco precisas na hora da contagem dos votos. De qualquer maneira, o que eu acho importante em termos da relação com o Brasil, como eu disse antes, é que não há como a relação bilateral perder relevância. Não importa quem seja o presidente argentino, é uma relação demasiadamente complexa e ampla para que ela sofra de maneira decisiva. Houve um certo esfriamento nos últimos anos, mas mesmo dentro do esfriamento a relação continuou muito densa muito importante. No caso de vitória do Javier Milei, vai haver uma necessidade de reacomodação. As indicações que nós temos aqui, conversando com assessores próximos ao Milei, é de que é uma diferença clara entre o que são declarações no calor da campanha e uma eventual política de governo.
Poderia elaborar sobre isso?
Eu tive a oportunidade de conversar tanto com a candidata a vice-presidente de Milei, Victoria Villaruel, como com a Diana Mondino, que poderia ser a ministra das Relações Exteriores. Ambas me deixaram muito claro que a relação com Brasil é muito importante e vai continuar a receber atenção prioritária e que havia que diferenciar justamente declarações no calor da campanha do que seria eventualmente uma plataforma de governo.
Então, Milei vai, sim, estimular as relações comerciais com o Brasil?
O que fica claro é que, em nenhum momento, falou-se de rompimento de relações. Isso está completamente fora de discussão. Em relação à participação do setor privado, é óbvio que, dentro do que é o pensamento do Milei e do seu grupo político, a preponderância do setor privado sobre o Estado é um elemento central. Mas, nas relações internacionais, o setor privado não pode substituir o Estado. Há elementos da relação que não podem deixar de ser feitos pelos Estados, como em negociações de acordos comerciais. Se você não tiver acordo entre os Estados facilitando o comércio, você dificulta a vida do seu setor privado, porque com outros Estados haverá acordos comerciais. O setor privado não tem como substituir o Estado nessas negociações.
Victoria Villaruel e a Diana Mondino falam sobre o Mercosul?
Sim. O que elas falam é que, no entendimento deles, o Mercosul não está funcionando a contento e necessitaria ser modernizado. Esse esforço, segundo elas, se dará de dentro para fora, ou seja, de dentro do Mercosul. Nenhuma delas disse que a Argentina iria sair do Mercosul. O que elas disseram é que precisaria atualizar.
Como, por exemplo?
É óbvio que, em termos de área de livre comércio, o Mercosul não chegou aos níveis pretendidos ou desejáveis. Eles mencionam, por exemplo, a livre circulação de bens, capitais e de pessoas. A gente ainda tem vários gargalos dentro do Mercosul. Então, a ideia seria trabalhar para suprimir esses gargalos. Isso não chega a ser uma ideia revolucionária. Ao contrário, eu acho que, no fundo, todos os sócios do Mercosul gostariam que o bloco funcionasse melhor. Então, no fundo, é um trabalho conjunto e não chega a ser destrutivo do Mercosul.
O que a embaixada pode fazer para acalmar os ânimos do empresariado que se sente ameaçado de um eventual governo Milei?
O que eu sinto é que o empresariado mais bem informado sabe distinguir o que é factível dentro das afirmações do candidato e diferenciar o que seria possível dentro de um governo. Então, eu não sinto nenhum pânico específico. O que eu sinto é uma certa expectativa dos setores empresariais brasileiro e argentino para saber o que vai acontecer e como funcionará a partir do dia 10 de dezembro [data da posse do futuro presidente]. Não importa qual seja o resultado da eleição, a Argentina terá um governo novo. Não vai haver continuidade. Nem uma eventual vitória do ministro Sergio Massa será uma continuidade necessariamente. Ele próprio já menciona um governo de unidade nacional, trazendo elementos de outras forças políticas. Massa disse também que vai ser preciso tomar uma série de medidas no campo econômico para conter a crise. Ou seja, a expectativa que gera o processo eleitoral é de que você possa superar esse momento de crise mais grave e entrar num novo caminho a partir de dezembro do ano que vem. Isso gera esperança e expectativas positivas. É isso mais ou menos o que a gente sente no setor privado.
O jornalista argentino Carlos Pagni publicou um artigo esses dias sobre os problemas de uma Argentina dolarizada para o Brasil e o Mercosul. O que acha disso?
Já houve dolarização com o [presidente Carlos] Menem [na década de 1990]. E isso não foi o fim do Mercosul. Primeiro, é preciso relativizar. É uma percepção equivocada pensar que, se Milei vencer, o dólar será moeda nacional da Argentina a partir de 11 de dezembro. O próprio Milei e os assessores econômicos mais próximos a ele começaram a relativizar um pouco a questão da dolarização. Não é algo que se faça da noite pro dia. Não é algo que tenha um caminho comprovado. Milei diz que há quatro ou cinco planos possíveis. Então é preciso ver o que vai acontecer na Argentina efetivamente em termos de possível dolarização. E, depois, como isso vai afetar a relação com o Brasil. Ainda que venha uma dolarização, não há necessariamente uma relação de causa e efeito imediato. A gente já conviveu com uma Argentina dolarizada. Isso gerou complexidades que tiveram que ser trabalhadas naquele momento e que, se a situação correr novamente, serão trabalhadas novamente.
Voltando para as declarações acaloradas de Milei, o candidato compara o governo brasileiro a regimes comunistas. A embaixada tem um posicionamento sobre isso?
O presidente Lula deu declarações muito claras. Primeiro, ele nunca declarou apoio a nenhum candidato. Ele disse em determinado momento que espera que a democracia vença, que a grande vitória na Argentina seja da democracia. Ninguém pode estar contra isso. A outra coisa que ele disse foi que espera que o vencedor na Argentina se preocupe com as questões sociais na Argentina. Ninguém pode estar contra isso tampouco. E, por fim, ele disse que não importa quem ganha a eleição, o Brasil terá a Argentina como interlocutor privilegiado. Não há drama. Há cenários que são mais complexos ou menos complexos, dependendo de quem ganha a eleição. Mas, como eu disse, a centralidade da relação bilateral vai continuar e vai haver necessariamente uma acomodação. Cada governo traz prioridades e maneiras de fazer as coisas que são distintas. É preciso um período de melhor entendimento para saber como as coisas vão funcionar, mas eu não tenho dúvida de que a importância da relação bilateral vai continuar depois de 10 de dezembro não importa quem seja o novo presidente ou presidente da Argentina.
https://omny.fm/shows/o-antagonista/cruso-entrevista-n-o-se-discute-romper-rela-es-diz
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Comentários (2)
Alessandro
2023-10-21 09:04:19Vermelho é a cor do Itamaraty, deu Boi Garantido na cabeça. Ninguém quer diplomata defendendo ideologia, este ou aquele p@spalho de plantão, o que o povo merece é que essa gente muuuuuito privilegiada defenda os interesses DO BRASIL, não de um quadrilheirous que apóia terrourists, nem de um sujeito embotado intelectualmente que já foi, JAERA. Hora de consertar essa melda do Itamaraty usando foice, martelo e serrote.
Glauco Henrique Balthazar Nardotto
2023-10-20 16:59:19sei nao en. esse milei nao é libertario. é um populista. ele vai tentar sim implementar as bravatas q fala