A reforma tributária e a batalha contra o custo Brasil
O nosso modelo tributário é um pesadelo labiríntico que esmaga a economia brasileira e arrasta nossa competitividade para o abismo. Hoje, parece haver amplo entendimento nas duas casas do Congresso sobre a necessidade de simplificação, racionalização e modernização da cobrança de impostos. Até aqui, estamos quase todos de acordo. O ponto que trava o debate...
O nosso modelo tributário é um pesadelo labiríntico que esmaga a economia brasileira e arrasta nossa competitividade para o abismo. Hoje, parece haver amplo entendimento nas duas casas do Congresso sobre a necessidade de simplificação, racionalização e modernização da cobrança de impostos. Até aqui, estamos quase todos de acordo. O ponto que trava o debate há décadas é a forma de mudar o atual sistema.
Números recentes mostram que as empresas brasileiras gastam, em média, mais de 1.500 horas por ano para vencer a burocracia tributária do país. O custo de oportunidade e o mau uso de sua mão de obra não são os únicos problemas que enfrentam. A carga tributária também é alta para nosso nível de renda: em 2022, o Tesouro Nacional estimou que os governos recolheram em impostos 33,71% do PIB, o maior percentual desde 2010. E o epicentro do debate político gira em torno de como reformar este monstro tributário que onera demasiadamente a nossa produção e faz com que empresas nacionais percam competitividade no mercado global.
Nesta semana, o Congresso vive dias decisivos com a provável votação do projeto, idealizado para simplificar a estrutura tributária do país. A proposta prevê a criação de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) dual, um de âmbito federal e outro englobando impostos estaduais (na foto, os governadores) e municipais, além de um Imposto Seletivo para produtos específicos. Na esfera federal, o IVA substituiria o IPI, PIS e Cofins. Nos estados e municípios, o IVA uniria o ICMS e o ISS. Já o Imposto Seletivo seria focado no desincentivo ao consumo de produtos específicos, como aqueles prejudiciais à saúde.
O relatório também sugere a criação de um mecanismo de cashback, que devolve aos contribuintes mais pobres o valor recolhido em impostos sobre alguns produtos e serviços. Um estudo realizado por pesquisadores da UFMG, em parceria com o movimento Pra Ser Justo, mostrou que a devolução poderia beneficiar mais de 30% da população brasileira, custando menos que a desoneração da cesta básica. O sistema emula políticas similares implementadas em países estrangeiros e mesmo no Brasil: no Rio Grande do Sul, o programa Devolve ICMS, em operação desde 2021, devolve trimestralmente parte do ICMS a famílias de baixa renda.
Apesar de algumas boas ideias, as complicações surgem quando cada setor econômico se vê merecedor de um regime tributário especial. Seja pelo uso de certa matéria prima, pelo intenso uso de mão de obra, pela sua localização, ou por simbolizar um passo rumo à suposta reindustrialização do país, muitos acreditam merecer um conjunto de regras diferentes.
Na batalha contra o “Custo Brasil”, a sociedade preferiu os atalhos de curto prazo dos benefícios privados, mais fáceis de serem conseguidos, mas de alcance restrito, em vez de investirmos numa racionalização sistêmica do que nos tornasse menos competitivos. O caminho seria mais longo, certamente, mas seus benefícios se estenderiam a toda a sociedade. No fim das contas, como todo setor tem peculiaridades e os legisladores têm dificuldades em dizer não para grupos bem organizados politicamente, o sistema tributário brasileiro acabou ficando inordenável, um verdadeiro pesadelo kafkiano.
A proposta de reforma que temos hoje na mesa também reserva surpresas desagradáveis, como a preservação da tributação diferenciada na Zona Franca de Manaus até 2073. Esse é um modelo ultrapassado que, apesar de não apresentar benefícios em relação ao seu custo, só será revisto quando for mais do que centenário. A criação e manutenção de zonas especiais devem ser objeto de avaliações contínuas, para verificação de seus objetivos e resultados. A vontade política de manter indústrias no Amazonas deveria, no mínimo, ser expressa através de subsídio direto, previsto no orçamento público, dando à sociedade clareza e transparência sobre custos e benefícios associados à zona franca.
A aglutinação de impostos simplifica processos e traz benefícios à sociedade, deixando as operações mais transparentes. Com o orçamento público comprometido e sem a perspectiva de redução tributária no curto prazo, a simplificação é um mecanismo fundamental para a democratização do debate. Além de reduzir os recursos associados à conformidade de processos e possíveis redundâncias e sobreposições de tarifas, tornar o sistema mais compreensível ao cidadão fortalece a democracia e aproxima a sociedade da discussão, hoje restrita a técnicos super especializados.
A reforma tributária politicamente viável não representa uma proposta ideal, mas é um respiro urgente para o país após 35 anos de debates. O Estado brasileiro está inchado, com o orçamento comprometido, e a sociedade não aceita mais aumentos de impostos. A corda está esticada. É hora de cortar os nós e darmos um salto rumo a um futuro mais promissor.
Magno Karl é cientista político e diretor executivo do Livres
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Comentários (1)
Gilnei Carvalho Ocacia
2023-07-05 16:34:23Em Pindorama, tudo, como sempre, é só faz de conta. Para que possa haver impacto positivo para a população que trabalha e produz, antes de qualquer coisa, tem que ser cortadas as benesses para os parasitas. Sem diminuir os custos não há possibilidade de redução das recitas.