'Gravíssimo' e 'inaceitável': como pesquisadores avaliam o plágio de Kassio Marques
Os indícios de plágio na dissertação de mestrado do desembargador Kassio Marques são uma irregularidade grave, passível de sanção com a anulação do título. E diante do potencial de desmoralização de todo o sistema acadêmico, a possível fraude no currículo representa ainda uma afronta ao interesse público. Essas são algumas das conclusões de renomados juristas...

Os indícios de plágio na dissertação de mestrado do desembargador Kassio Marques são uma irregularidade grave, passível de sanção com a anulação do título. E diante do potencial de desmoralização de todo o sistema acadêmico, a possível fraude no currículo representa ainda uma afronta ao interesse público. Essas são algumas das conclusões de renomados juristas e pesquisadores do direito consultados por Crusoé. Como mostrou a revista na quarta-feira, 7, o indicado do presidente Jair Bolsonaro para uma vaga no Supremo Tribunal Federal copiou extensos trechos de artigos publicados na internet pelo advogado Saul Tourinho Leal. A dissertação com fortes indícios de plágio serviu para que o piauiense Kassio Marques obtivesse o título de mestre na Universidade Autônoma de Portugal. A instituição anunciou que vai reavaliar o trabalho.
Conterrâneo do desembargador, Tourinho afirmou que as passagens idênticas são fruto de um “esforço mútuo” e de uma antiga relação acadêmica. Ainda que o autor dos textos plagiados minimize o episódio, especialistas lembram que as punições previstas contra a prática existem não apenas para proteger o direito à propriedade intelectual de pesquisadores, mas para garantir a credibilidade e a integridade do sistema.
“O plágio, sem dúvida, viola uma regra fundamental da integridade acadêmica, que é a autenticidade da produção intelectual. Na minha opinião, é a falta mais grave que se pode cometer na academia”, diz o diretor da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas, Oscar Vilhena (foto). Com 30 anos de experiência como professor, ele observa que a ocorrência do problema se agravou nos últimos anos, diante da facilidade tecnológica trazida por mecanismos de busca e tradução.
“Isso, infelizmente, tem gerado mais casos de plágio”, revela. Mas, se por um lado, as novidades facilitaram a vida dos pesquisadores mal intencionados, por outro também ajudaram as instituições a se precaverem contra a prática. “Hoje, uma boa parte das universidades conta com ferramentas eletrônicas voltadas à detecção do plágio”, conta Oscar Vilhena. Em algumas instituições, os trabalhos passam por uma varredura tecnológica antes mesmo de serem corrigidos, para a verificação de possíveis similaridades com outras pesquisas já publicadas.
Para ele, a irregularidade atinge não só os profissionais plagiados, mas todo o sistema acadêmico. “É uma questão de interesse público, não pode ser uma preocupação apenas da pessoa que teve sua pesquisa apropriada. Esse é um problema grave, amplo, que a gente tem detectado. E as universidades estão se organizando para mitigar isso”, acrescenta Vilhena. A punição, explica o professor, é analisada caso a caso e depende da política da instituição. O plágio de um aluno do primeiro ano de faculdade, por exemplo, normalmente é considerado menos grave do que cópias em teses de doutorado, estágio em que o pesquisador já deve exibir um alto grau de maturidade acadêmica. As universidades mantêm comitês de éticas, que avaliam individualmente cada situação.
Diretora de pesquisas do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais e professora doutora da Universidade de São Paulo, Maria Tereza Sadek analisou os trechos da dissertação de Kassio Marques divulgados por Crusoé e dos artigos de Saul Tourinho Leal. “Se o desgaste fosse apenas sobre a academia, já seria gravíssimo. Essa irregularidade é motivo para anular uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado. No caso de alguém que postula uma vaga no Supremo Tribunal Federal, a situação é inaceitável”, afirma a professora, que é considerada uma das maiores pesquisadoras do Judiciário brasileiro. Sadek lembra que a indicação para o STF não exige qualquer diploma acadêmico, apenas reputação ilibada e notáveis conhecimentos jurídicos. “Ele não precisaria ter dissertação ou tese para ir para o Supremo. Mas se apresentou uma pesquisa com cópias, ele cometeu um ilícito. E o caso não deixa dúvidas, até os erros de português eram iguais”, acrescenta a professora da USP.
Maria Tereza Sadek cita um caso semelhante, de um aluno de doutorado que descobriu um trabalho idêntico ao seu, na Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. “O estudante havia copiado trechos enormes da tese do meu aluno. Quando o caso foi divulgado, a Universidade da Califórnia o expulsou. Aqui, as decisões não costumam ser tão radicais, mas esse é um ilícito absolutamente inaceitável. E não tem a mínima importância, do ponto de vista acadêmico, que a pessoa plagiada diga que não se importa, isso é irrelevante”, explicou Sadek a Crusoé.
A vice-presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, Fernanda Sobral, diz que os plágios são uma das grandes preocupações da comunidade acadêmica. Ela não quis comentar a acusação contra o desembargador Kassio Marques e falou com a reportagem sobre o tema de maneira genérica. Para a maior entidade nacional representativa da comunidade científica, casos de cópias em dissertações e teses devem ser apurados com rigor. “Cabe às universidades, geralmente por meio das pró-reitorias de pesquisa e de pós graduação, avaliar cada caso e verificar se realmente houve ou não o plágio. Em algumas situações, quando há a constatação do problema, o título acadêmico pode até ser retirado”, conta Fernanda. “Citar a fonte é uma questão de ética. Você pode até usar os argumentos de outras pessoas, e isso é bom para a evolução da ciência, mas é indispensável citar os autores”, explicou.
Professor de direito da USP, Rafael Mafei usou as redes sociais para comentar a situação de Kassio Marques. Ele contou já ter participado de várias comissões de ética que apuraram casos semelhantes. “São os mais fáceis, porque a falta é óbvia: é absolutamente impossível que duas pessoas tenham não apenas a mesma ideia, mas concebam o mesmo idêntico texto para expressar suas ideias”, explicou. “Os trechos em que a reportagem mostra identidade dos artigos originais e da dissertação que os plagia são enormes e idênticos, inclusive nos erros de português. É absolutamente evidente que a dissertação de Kassio Nunes Marques os incorporou letra por letra”, acrescentou Mafei. “Para fins de ética acadêmica, que não se confunde com direito autoral, plágio é uma constatação objetiva: havendo uso de trabalhos de terceiro, é dever do autor deixar evidente esse uso, bem como indicar claramente onde começa e onde termina o que é seu e o que vem dos outros”. Sobre a alegação de Saul Tourinho, autor dos textos plagiados, de que os artigos eram fruto de um “esforço mútuo”, Rafael Mafei diz que os argumentos não encerram o caso. “Para fins éticos, o autor do trabalho plagiado não tem poder perdoar o plágio. A principal vítima não é ele, mas toda a comunidade de pesquisadores do direito. A desconfiança se projeta sobre todos nós”, finalizou o professor da USP.
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Comentários (10)
Fernao
2020-10-09 10:45:47Caro membro da conspiração para inviabilizar o Presidente Eleito pela maioria dos Brasileiros. Se o alegado plagiado afirma que foram ideias desenvolvidas pelos dois em comum ao longo do tempo quem é o senhor pra afirmar categoricamente que foi plágio A sua conspiração em conjunto com fhc Globo Doria Maia Itaú Barroso facchin midia e um bando de pseudo intelectuais está naufragando
José
2020-10-09 07:14:13Esquerda atacando
Antônia
2020-10-09 07:01:55O plagiado, ao defender esforço mútuo, cometeu ilícito também, uma vez que se apropriou de ideia comum. Deveria ter citado o plagiador no artigo.
Ceifador
2020-10-09 01:43:14Parabéns! Reportagem séria e devastadora. Por muito menos o Decotelli não assumiu o Ministério da Educação, cargo comissionado de natureza eminentemente política. Ministro do Supremo, cargo vitalício que exige notório saber e reputação ilibada. A conduta desse indicado desafia os dois requisitos.
EDISON
2020-10-09 01:04:00Num país normal, o escolhido já teria desistido do cargo e se recolhido à sua insignificância, como se dizia antigamente.
Marcos
2020-10-09 00:24:06Tenho 2 dúvidas, que gostaria de esclarecer: Onde estava nossa GSI, que é a responsável por avaliar os antecedentes e os currículos das pessoas a serem indicadas pelo presidente? Se esse presidente não consulta o GSI, para que serve, por que não o desativa já que não serve para nada? Se assim o fizesse, seria uma considerável verba que seria economizada nesse cabide de emprego. Afinal, já são 2 casos em sequencia.
Milta
2020-10-08 23:08:23A única vantagem de Kassio é ser amigo do Flávio e do Wassef, se confirmada essa noticia. O resto, Bolsonaro pouco se importa. Bolsonaro é desprovido de ética e pudor.
Gilberto Abreu Sodré
2020-10-08 22:10:22Parece que Bolsonaro pretendeu nomear alguém de confrontasse abjetamente a excelência moral e intelectual do ministro Celso de Mello. Enviou um despreparado moral e intelectual para desprestigiar o Celso de Mello. Homem mau, esse Bolsonaro.
Odete6
2020-10-08 21:53:59Opiniões abalizadíssimas, brilhantes e consistentemente fundamentadas, exposição perfeita da ocorrência e de como esse gênero de estelionato impacta no ambiente acadêmico e na vida prática. Aplausos para os excelentes especialistas consultados e para a CRUSOÉ, que busca conhecimento nas melhores fontes!!!! Que imenso privilégio contar com um jornalismo ético, decente, idôneo, lúcido, competente e de elevadíssimo nível moral e intelectual!!!!
Sinval
2020-10-08 20:55:47Esse Kassio, menino de recado do ex-capitão é um enrolado. Aliás, não precisa ser psicólogo, para ver que ele tem cara de malandro. E vai ser ministro do nosso stf (assim mesmo em minúsculas). No senado (também em minúscula), o circo já está armado. Coitado do Brasil.