Reprodução/redes sociaisSantiago Abascal, o líder e fundador do Vox, em evento de campanha: o partido pode ter 10% dos votos

Uma voz pela unidade

O partido Vox cresce na Espanha com o mal-estar causado pelo separatismo catalão e influencia a agenda política do país, que terá eleições no próximo dia 28
26.04.19

O neófito partido de direita Vox escolheu a cidade de Covadonga, no norte da Espanha, para iniciar sua campanha para as eleições gerais do país, que acontecem no dia 28 de abril. Com um megafone em mãos, seu fundador e líder, Santiago Abascal, ex-membro do Partido Popular (PP), pediu para que seus seguidores reivindicassem com orgulho os símbolos nacionais. Covadonga foi onde teve início a Reconquista, uma das duas façanhas históricas a que os espanhóis se atribuem (a outra é o descobrimento e evangelização da América). Ali, no ano 722, exércitos espanhóis venceram a primeira batalha contra os muçulmanos, que terminariam de ser derrotados em 1492, com a rendição de Granada. “Nestas eleições, o que está em debate é a existência da Espanha e das liberdades dos espanhóis. A existência está sendo questionada pelos separatistas. As liberdades estão sendo atacadas pelos progressistas, pelos comunistas e por islamistas”, disse Abascal.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisAbertura de campanha do Vox em Covadonga, onde teve início a Reconquista: reivindicação dos símbolos nacionais
Desde que o Vox surpreendeu a todos, em dezembro, ao obter 400 mil votos nas eleições regionais da Andaluzia, no sul da Espanha, o partido tem sido rotulado com adjetivos variados: ultradireita, racista, xenófobo, fascista e franquista, em referência ao ditador Francisco Franco (1892-1975). Também tem sido comparado com partidos radicais contra a União Europeia ou de pertencer a uma “internacional da extrema direita”, que seria capitaneada pelo americano Steve Bannon, ex-estrategista do presidente americano Donald Trump que tenta se aproximar mais e mais de Jair Bolsonaro. Mas a Espanha não é a Polônia nem os Estados Unidos. Associações precipitadas como essas precisam ser matizadas com uma análise mais detalhada dos sentimentos dos espanhóis, que devem dar ao Vox cerca de 10% dos votos no próximo pleito.

A principal força do partido está no constrangimento gerado pelos separatistas da Catalunha. Em 2017, o governo regional, com sede em Barcelona, realizou um plebiscito ilegal e organizou manifestações pelas ruas. Os independentistas ganharam a simpatia do resto do mundo e dos meios de comunicação internacionais, mas o efeito de suas demandas entre os espanhóis de outras regiões acabou sendo o inverso. Para muitos, o governo central, que então estava nas mãos do Partido Popular (PP), de direita, foi frouxo em tentar conter os anseios que poderiam acabar fragmentando todo o país.

O incômodo só piorou. Em junho do ano passado, o primeiro-ministro Mariano Rajoy, do PP, perdeu o posto em uma moção de desconfiança. Seu substituto, Pedro Sánchez, do Partido Socialista e Operário Espanhol (PSOE), assumiu o cargo sem ter maioria no Congresso. Para governar, ele aproximou-se dos separatistas, irritando ainda mais os que já estavam aborrecidos. “Sem dúvida, a situação política da Catalunha despertou uma reação nacionalista na Espanha, que está sendo aproveitada pelo Vox”, diz o cientista político espanhol Guillem Vidal. “Fora isso, o Vox não definiu ainda muito bem seus temas e improvisa muito. O partido está testando as bandeiras para ver quais funcionam.”

Tem de tudo no programa do Vox. Seu eixo principal é a unidade nacional. Fala-se em acabar com as autonomias regionais e até em recuperar Gibraltar, um território inglês que fica ao sul, à beira do Mediterrâneo, perto da costa africana. Seus membros defendem as touradas e a caça, considerada como uma “atividade necessária e tradicional do mundo rural”. Criticam a ideologia de gênero e falam em tirar feministas radicais de certos organismos. Prometem também apoiar as famílias com muitos filhos. As famílias, no caso, são aquelas compostas por pai e mãe. “Os membros do Vox não querem que casais gays tenham os mesmos direitos que os casais heterossexuais, incluindo o direito de adotar crianças”, diz o cientista político Jesús Palomar, da Universidade de Barcelona. Outra bandeira é a deportação dos imigrantes ilegais.

Reprodução/redes sociaisBandeiras da Espanha antes de comício em Las Rosas: o partido pode participar de coalizão com PP e Cidadãos
Ainda que muitas dessas posturas caminhem na contramão do mundo moderno, elas estão longe das pregações dos partidos do leste europeu. Na Polônia, por exemplo, líderes do Partido Lei e Justiça falam que a diversidade sexual é uma ameaça à civilização. É um grau de virulência que não se encontra na Espanha, muito mais permeável aos valores ocidentais. Também não se vê no país rancor contra a União Europeia (EU). “O bloco goza de uma boa reputação entre os cidadãos espanhóis. Seria um suicídio político para o Vox enfatizar esse tema”, diz Guillem Vidal.

A crítica à imigração ilegal não se converte em xenofobia declarada. “Os espanhóis não demonstram os mesmos níveis de xenofobia que existem em outros países, ainda que a política de imigração seja um tema importante nos debates”, diz o também cientista político Fernando Jiménez, da Universidade de Murcia. A Espanha, em geral, é mais um ponto de passagem para as nações mais ricas do norte. Para alguns, a imigração é apenas um “tema de verão”, que ganha importância quando os jornais locais estão sem assunto.

Os eleitores mais radicais se expressam mais livremente na internet do que na vida real. Muitas mensagens de apoio ao Vox nas redes sociais trazem conteúdo islamofóbico e frases como “Pare o Islã” e “Não ao Islã”. Várias delas são replicadas por robôs. Na semana passada, o Facebook retirou do ar 17 páginas e contas falsas que apoiavam o Vox. O desafio para os líderes do partido é o de não deixar que os mais extremistas tomem conta da sigla.

Quanto ao adjetivo “fascista” dado ao Vox, é preciso notar que em momento algum o grupo ataca a democracia. Quando ataca os separatistas catalães, o Vox fala em favor da Constituição, que proíbe a realização de consultas populares sobre independências regionais. No mais, chamá-lo de fascista é uma forma de relativizar as atrocidades históricas que tiveram lugar no período da II Guerra Mundial.

Reprodução/redes sociaisReprodução/redes sociaisManifestantes protestam em frente a um evento do Vox: acusações exageradas
Sobre a relação com a memória do ex-ditador Francisco Franco, é certo que há franquistas em suas fileiras. O partido se opõe à exumação dos seus restos, atualmente no mausoléu Vale dos Caídos, perto da capital Madri. Como justificativa, afirma que se trata de uma manobra do governo socialista para desviar a atenção. Faz sentido. A ordem para realizar a mudança só encontra apoio na esquerda e, para 40% dos espanhóis, a exumação serve apenas para reabrir as feridas do passado. Quando a exumação parecia ser iminente, um dos presidentes regionais do Vox, Jesús Delgado, chegou a defender que os restos mortais de Franco fossem para um Panteão de Heróis em Melilla, cidade autônoma espanhola encravada no norte do continente africano. O partido correu para descredenciá-lo, dizendo que o melhor era que tudo ficasse como estava.

Com apenas seis anos de existência, o Vox é um laboratório político que continua experimentando quais temas pode usar eleitoralmente. Fora isso, sua viga mestra é a defesa da unidade espanhola. “A atenção que o Vox ganhou fez com que tanto o PP como o Cidadãos se deslocassem mais para a direita. Assim, eles já estão conseguindo influenciar na política nacional”, diz o economista Vicente Santiago Pérez, professor da Universidade Autônoma de Madri. Um dos cenários que podem surgir após a eleição é o de uma coalizão entre PP, Cidadãos e Vox. Eis aí uma possibilidade que não anima os separatistas catalães.

Atualização: na eleição do dia 28, o Vox obteve 10% dos votos, o que lhe dará direito a 24 cadeiras no Congresso. O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE) foi o mais votado e conseguiu 123 deputados. Como não obteve a maioria de 176 cadeiras, seu líder, Pedro Sánchez, terá de negociar maioria com outros partidos de esquerda ou fará um governo de minoria. 

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